terça-feira, 26 de agosto de 2014

ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS, AMAERJ, FARÁ SESSÃO DE DESAGRAVO AO DESEMBARGADOR SIRO DARLAN

A ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (AMAERJ) promoverá no dia 01 de setembro, às 11:00h, no auditório de sua sede na Rua Dom Manuel, 29 – Sala 104, sessão de desagravo ao Desembargador Siro Darlan em decorrência dos assaques sofridos pelo exercício de atividade jurisdicional e pelo exercício do direito constitucional de manifestação do pensamento.
 
A AMAERJ entende que independência judicial é garantida aos juízes em prol da sociedade incluindo a liberdade do exercício jurisdicional, afastada de qualquer injunção interna ou externa, bem como a liberdade de manifestação do pensamento.
 
As decisões judiciais podem ser revistas por meios dos mecanismos postos à disposição dos interessados, não sendo as empresas de comunicação ou as instâncias correicionais meios eticamente válidos de controle da manifestação jurisdicional ou do pensamento. A utilização destes instrumentos visando coagir ou submeter magistrados a interesses não explicitados ou incompatibiliza-los com a opinião pública se revela uma ofensa à própria Constituição e representa risco para todos os jurisdicionados, pois tem o condão de tentar intimidar o juiz e promover indevida repercussão do julgado.
 
A AMAERJ conclama a sociedade pela garantia dos valores constitucionais, relembrando que a defesa da democracia, do direito de manifestação e do Estado de Direito é dever de todo magistrado e quanto mais se posicionarem por tais direitos, seja em suas decisões, atividades acadêmicas ou no exercício do direito de manifestação do pensamento, mais estarão atuando em prol das garantias que hão de ser defendidas para todos.
 
O desagravo ao Desembargador Siro Darlan é meio de afirmar a independência judicial em momento de supressão dos direitos e ataques à independência judicial.
 
 
 

domingo, 24 de agosto de 2014

O MP e o 'guardião' da Seap

“A Constituição dispõe que é inviolável o sigilo das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial para fins de investigação criminal ou prova processual. A Lei 9.296/96 dispõe que a interceptação de comunicações telefônicas não poderá ser feita quando não houver indícios da prática de crime, se a prova puder ser feita por outros meios e se o crime não for apenado com, no mínimo, reclusão.
“Se o Estado atua à margem dos limites impostos pela lei, perde a superioridade ética com a qual se legitima para se contrapor às marginalidades alheias.”

No programa de rádio ‘Encontro com a Justiça’, apresentado pelo desembargador Siro Darlan no dia 8, o secretário de Administração Penitenciária do Rio (Seap), coronel César Rubens, foi questionado sobre a existência de um aparelho de escuta telefônica no âmbito da secretaria por ele titularizada, que não tem poderes investigatórios.
A função da Seap é de mera cautela de presos. Igualmente o Ministério Público não tem poderes investigatórios, que é exclusivo da Polícia Civil, ainda que possa requisitar instauração de inquérito policial e diligências, bem como acompanhá-las. O secretário não perdeu tempo e deixou as coisas às claras: “Creio que qualquer sistema de segurança ou de vigilância ele... toda instituição deveria ter.” 

Interrompido sob o fundamento de que a Constituição não o permite, o secretário emendou: “O ‘Guardião’ não nasceu comigo. O ‘Guardião’ nasceu com o que me antecedeu, que é o fiscal da lei. É o promotor público, à época promotor público A. P., titular da minha pasta, que criou o sistema de inteligência, e 90% dos nossos serviços são prestados diretamente ao Ministério Público. Nós não fazemos investigação particular. Simplesmente existe um convênio que à época foi dada esta formatação pelo Dr. A. de aquisição e de aluguel de equipamentos para fazer esta parte de monitoramento e de escuta... esta busca eletrônica. Então simplesmente foi dada continuidade ao que foi dito como bom, que fez frente a uma crise que existia no sistema penitenciário de rebeliões consecutivas e que este acompanhamento veio a minimizar isto.” 

Perguntado sobre os outros 10%, uma vez que 90% era para o MP, não deixou a pergunta sem resposta: “Polícia Civil ou a Justiça que requerer. Nós não temos a busca eletrônica, por mais incrível que pareça, por mais que a gente às vezes seja cobrado, nós pegamos carona no serviço porque na medida em que a Justiça pede, na medida em que o Ministério Público, a Dra. V. V., por exemplo, que é uma promotora brilhante, austera ao crime, ela participa disto diretamente...” A entrevista durou uma hora, está disponível nas redes sociais. Foi dito que as interceptações são autorizadas pela Justiça.

A Constituição dispõe que é inviolável o sigilo das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial para fins de investigação criminal ou prova processual. A Lei 9.296/96 dispõe que a interceptação de comunicações telefônicas não poderá ser feita quando não houver indícios da prática de crime, se a prova puder ser feita por outros meios e se o crime não for apenado com, no mínimo, reclusão.

Se o Estado atua à margem dos limites impostos pela lei, perde a superioridade ética com a qual se legitima para se contrapor às marginalidades alheias.




Publicado originariamente no jornal O DIA, em 24/08/2014, pag E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-08-24/joao-batista-damasceno-o-mp-e-o-guardiao-da-seap.html

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Vaias à presidenta Dilma e comemoração da morte de Eduardo Campos




“Parte da mídia tem sido a maior instigadora do ódio e no sepultamento de Eduardo Campos contribuiu para isto. Jornais acentuaram a vaia à Presidenta e apenas timidamente no corpo dos textos explicitaram que alguém puxou aplauso e que a Presidenta foi muito aplaudida. Prevaleceu a chamada negativa. Um velho politico pernambucano, que um dia esteve ao lado das forças populares, Jarbas Vasconcelos, ganhou espaço na mídia para dizer que a Presidenta não deveria ter ido ao velório, pois já não era amiga do falecido. Como pode o velho cacique querer controlar o luto alheio? Igualmente não mereceu abordagem a emoção do ex-presidente Lula ao se defrontar com o caixão do antigo companheiro.”

Os que vaiaram a Presidenta Dilma no velório de Eduardo Campos têm o mesmo perfil daqueles que comemoraram a morte dele. Estamos aprendendo a fazer política com ódio e isto é ruim. Política se faz com o cérebro e não com o fígado.



A sociabilidade que permite a organização política e estabelecimento das relações civilizadas é estranha às manifestações coléricas. Quem viu o filme O Poderoso Chefão III há de se lembrar de um conselho de Michael Corleone ao seu sobrinho Vincent: “Não odeie os seus inimigos. Isto atrapalha o raciocínio”.


O brasileiro é cordial, escreveu Ribeiro Couto em 1931 para Alfonso Reys e desta frase Sérgio Buarque de Hollanda fez a sua vida intelectual. A cordialidade é manifestação do coração, tanto pode ser um afago quanto um desaforo. Mas, é coisa momentânea e irrefletida. O mercado publicitário entendeu bem isto e toda propaganda é um apelo emocional ao consumo.


Ódio é diferente de cordialidade. Ele se caracteriza pela desqualificação do outro e busca dos meios que estiver ao alcance para sua eliminação. Quando da aparição do mensalão, um senador de Santa Catarina, da banda mais elitista e conservadora da política brasileira, disse que isto era uma boa oportunidade para “se livrarem desta raça” e um prócere do governo anterior disse que não era importante pedir impeachment, o importante era “deixar o governo sangrando até o fim do mandato”. Mais que a maldade o que se vivenciou foi um desejo de perversidade, que se caracteriza pelo gozo com o sofrimento alheio.

Parte da mídia tem sido a maior instigadora do ódio e no sepultamento de Eduardo Campos contribuiu para isto. Jornais acentuaram a vaia à Presidenta e apenas timidamente no corpo dos textos explicitaram que alguém puxou aplauso e que a Presidenta foi muito aplaudida. Prevaleceu a chamada negativa. Um velho politico pernambucano, que um dia esteve ao lado das forças populares, Jarbas Vasconcelos, ganhou espaço na mídia para dizer que a Presidenta não deveria ter ido ao velório, pois já não era amiga do falecido. Como pode o velho cacique querer controlar o luto alheio? Igualmente não mereceu abordagem a emoção do ex-presidente Lula ao se defrontar com o caixão do antigo companheiro.

O luto é pessoal. Cada pessoa vivencia intimamente a dor da perda. Não estamos acostumados a respeitar o luto do outro e não raro a intimidade alheia é violada, ofendendo-lhe a dignidade. Luto é um estado no qual se coloca uma pessoa em razão de perda significativa. Não é comparável o luto de um familiar ao luto político. Familiares e políticos podem expressar luto pela perda, mas os primeiros o fazem por efetivo sentimento de perda e os últimos, por vezes, pela civilidade que há de nortear as relações sociais. É bom que tenhamos a civilidade de lamentar a morte mesmo daqueles que não amamos. Isto nos caracteriza como humanos.

Não mereceu destaque o selfie de Marina Silva, sorrindo ao lado do caixão. Fosse um dos políticos aos quais setores da mídia se colocam na oposição estaria enrascado. Fez bem a mídia em não destacar isto. Afinal, quem nunca sorriu num velório? Por mais querida que seja a pessoa falecida, há sempre um momento no qual é relembrada uma ocorrência da vida do morto cuja rememoração nos faz fortes e aparentemente felizes, para em seguida – diante da certeza da definitividade da perda – sermos tomados novamente de tristeza e choro.

Os funerais são ritos de passagem. É momento no qual nos deparamos com nossa finitude e reencontramos o morto para desfazermos, definitivamente, os laços que nos uniam. Daí a importância da presença nos sepultamentos e a perversidade dos desaparecimentos, cada diz mais comuns nas políticas de segurança militarizadas.

Os camisas negras franquistas comemoravam a morbidez com o grito ‘viva a morte’. A direita é mórbida. Estará sempre aliada a Tânatos, pois evoca rancor, ódio, morte e desaparecimentos. E nada mais natural que neste momento de ascensão do Estado Policial, da sua brutalidade, cerceamento das liberdades e transposição para o Estado de Exceção, o ódio seja evocado como razão na política.

Quem não faz política como a direita não pode fundamentar-se no ódio. Ao contrário, a boa política há de evocar a vida, o amor, a compaixão, a generosidade e a humanização. E mesmo num funeral, é possível celebrar a vida. A tristeza, o choro e a rememoração dos momentos que vivenciamos com o morto hão de nos propiciar a consolação e a aquisição de forças para compreendermos que a vida precisa ser vivida e que sempre vencerá.

domingo, 17 de agosto de 2014

O problema do 'Guardião'

O Estado do Rio de Janeiro é uma unidade da federação na qual a Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP) tem um aparelho de escuta, busca eletrônica e interceptação de dados e de conversações telefônicas, o “Guardião”, mesmo não podendo promover investigação criminal. O secretário da SEAP disse que tanto o MP quanto a Justiça utilizam seus serviços. Isto é anômalo.
Anômala também é a existência de uma delegacia de polícia fora da estrutura da polícia civil, mas subordinada diretamente ao gabinete do Secretário de Segurança. Não se trata de uma Delegacia de Polícia, mas da delegacia do secretário.

É claro que o secretário de segurança, os magistrados, os membros do MP, os parlamentares e demais autoridades que têm foro especial também devem ser investigados, diante da existência de delito e fundada suspeita de que sejam autores. Mas, neste caso, o melhor é que os órgãos com poderes investigatórios destas autoridades tivessem – legalmente - os seus meios de investigação. Tudo devidamente auditado.

Veja entrevista na qual o Secretário da SEAP fala sobre o 'Guardião' em: https://www.youtube.com/watch?v=dQU9rVwRNB4


Não existe lei alguma

“As instituições podem ser acusatórias e encarceradoras ou garantidoras de direitos, dependendo do modo como atuam seus agentes; podem ser imprescindíveis à liberdade ou inúteis a ela. Não há direito se não houver quem os queira assegurar; não há lei alguma se não houver quem as queira cumprir.”


As leis e as instituições são o que as pessoas fazem delas na prática. Pouco importa o que esteja nos papéis. Consumado o Golpe de 07 de abril de 1831, que depôs D. Pedro I, no mesmo ano foi editada a Lei Feijó, visando demonstrar à Coroa Britânica que o Brasil estava comprometido com a extinção do comércio internacional de escravos. Foi uma lei ‘para inglês ver’, sem eficácia ou intervenção na realidade. Daí a expressão. Fazendeiros e seus representantes no Parlamento, bem como autoridades que compunham suas famílias, não tinham interesse no seu cumprimento. A escravidão no Brasil durou até 1888, quando os ‘libertos’ foram expulsos das fazendas e entregues à própria sorte.

O Brasil neste período tinha promotores de justiça. Mas, não tinha a instituição do Ministério Público. Alguns promotores perderam a vida na defesa dos interesses dos excluídos, dentre os quais Ferreira Barbosa, sobre quem escreveu Machado de Assis. A criação do MP é obra de Campos Sales, presidente da república que institucionalizou o pacto coronelista revigorador do mando local, desde que conveniente aos interesses do poder central. As instituições jurídicas na 1ª República eram um braçodo poder dos coronéis; a polícia e as milícias o outro, o braço forte.

As instituições ganharam novas feições ao longo do tempo. O judiciário de hoje tem a estrutura dada pelo Pacote de Abril do Governo Geisel, que fechou o Congresso Nacional em 1977 e editou emenda lhe atribuindo o formato mantido após a redemocratização. O MP, com a Constituição de 1988, ganhou novo formato e para isto contribuiu a atuação, na Constituinte, de Sepúlveda Pertence, promotor de justiça cassado após a edição do AI-5. Ao MP foram atribuídas novas funções; deixou de ser meramente acusatório e lhe foi estendida a defesa dos interesses sociais, dentre os quais o direito à liberdade.

No Rio de Janeiro, o procurador de justiça Francisco Eduardo Nabuco opinou pela concessão de habeas corpus a ativistas que haviam sido presos para que não cometessem, no futuro, crime de dano. A pena para o crime de dano é de 1 a 6 meses e mesmoacondenação mais gravosa não comporta privação de liberdade.Foi um promotor de justiça de Nova Iorque quem defendeu a liberdade do diplomata francês Dominique Strauss-Kahn, quando sequer seus advogados sabiam da prova que o inocentava. Dominique era o principal adversário do presidente francês Nicolas Sarkozy e foi vislumbrada conotação política em sua prisão nos EUA.

As instituições podem ser acusatórias e encarceradoras ou garantidoras de direitos, dependendo do modo como atuam seus agentes; podem ser imprescindíveis à liberdade ou inúteis a ela. Não há direito se não houver quem os queira assegurar; não há lei alguma se não houver quem as queira cumprir.





Publicado originariamente no jornal O DIA, em 17/08/2014, pag. E6.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Por quem os sinos dobram

 “Não nos perguntemos por quem os sinos dobram. Eles dobram por nós, nos lembrando do inevitável. E por nós é que devemos lamentar.”

“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”. John Donne

A morte de toda pessoa me diminui. Seja de um político conservador e ligado aos interesses da classe dominante como Eduardo Campos, seja de uma criança atingida por uma bala perdida numa incursão da polícia numa favela ou numa comunidade pobre ou alguém que a mídia diz ser um perverso bandido.

A morte de qualquer pessoa me atinge, porque ela é muito definitiva demais e me coloca diante do que é invencível; me faz rememorar as separações havidas na minha vida e me dá a dimensão do quanto somos todos frágeis.

A morte de qualquer pessoa me atinge porque eu sou humano. Por isso repudio qualquer tipo de regozijo diante de qualquer morte. A dor não é de quem morreu. Mas, de quem ficou: das mulheres, dos familiares e amigos dos mortos. As mulheres choram muito quando perdem os seus. Na história da religiosidade do ocidente, duas mulheres choravam ao pé de uma cruz. Os amigos e discípulos sentiram; mas duas mulheres choraram ajoelhadas ao pé de uma cruz. As mães choram por aqueles que são mortos na periferia e taxados de indignos de viver. No caso de Eduardo Campos e dos profissionais que estavam com ele haverá mulheres que chorarão pelas perdas. Mas, a dor pela morte será sentida e não entendida pelo filho de 7 meses que o candidato deixou. Sentir sem entender é mais doloroso.

Não nos perguntemos por quem os sinos dobram. Eles dobram por nós, nos lembrando do inevitável. E por nós é que devemos lamentar.

domingo, 10 de agosto de 2014

A investigação de Bakunin


“O que dá dimensão de realismo mágico ou realismo fantástico ao procedimento criminal é a inquirição sobre Mikhail Bakunin; nada demais se o filósofo russo não tivesse morrido em l876. O fato relembra ocorrência durante a ditadura empresarial-militar, ao lado de quem estavam as mesmas empresas de comunicação que hoje criminalizam os movimentos sociais. Paulo Autran encenava em Porto Alegre a peça Édipo Rei, de Sófocles. No drama, Édipo mata o pai, Laio, e se apaixona pela mãe, Jocasta, sem saber quem eram. Aristóteles, filósofo grego que corre o risco de ser investigado por incitação ao crime, considerou a peça a mais perfeita obra da dramaturgia.

Ao fim da encenação os atores foram detidos pela polícia, convencida de que a ‘obra imoral’ era coisa de algum comunista. Indagados sobre qual deles era o Sófocles, um ator disse que o dramaturgo morrera há mais de 2.400 anos. Os policiais não acreditaram e ameaçaram prender todos. Outro ator, compreendendo a gravidade da situação, inventou que Sófocles estava escondido em Botucatu, no interior de São Paulo, livrando o elenco da prisão. Mas a peça foi censurada e o teatro fechado.”

A professora Camila Jourdan, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) considera o inquérito instaurado pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), para investigar manifestantes, uma peça de literatura fantástica. O realismo fantástico é estilo literário do qual Gabriel García Márquez é expoente e nos dá dimensão do quanto as autoridades abusam da capacidade de inventar coisas para enganar o povo. Como se já não bastassem as novelas, o noticiário televisivo se aliou à polícia para produção de inimigos e difusão do medo. Concessionárias de serviço público de telecomunicação exercitam liberdade de empresa em detrimento da liberdade de imprensa, que há de existir em proveito da informação e comunicação social.

O inquérito do qual resultou a prisão da professora começou mal. Sua origem é o Procedimento de Investigação Criminal (PIC) instaurado pela Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo (CEIV), presidida pelo Ministério Público (MP) e auxiliada pelo delegado Ruchester Marreiros. A ida deste delegado para a DRCI, a fim de auxiliar a CEIV, levou o delegado titular da 15ª DP a elaborar relatório sem incriminação do Amarildo. Além do PIC há dois inquéritos: um na 5ª DP e outro na DRCI. Nenhum dos três procedimentos apura fato específico. Trata-se de devassa onde tudo é objeto de apuração e todos são bisbilhotados.


O que dá dimensão de realismo mágico ou realismo fantástico ao procedimento criminal é a inquirição sobre Mikhail Bakunin; nada demais se o filósofo russo não tivesse morrido em l876. O fato relembra ocorrência durante a ditadura empresarial-militar, ao lado de quem estavam as mesmas empresas de comunicação que hoje criminalizam os movimentos sociais. Paulo Autran encenava em Porto Alegre a peça Édipo Rei, de Sófocles. No drama, Édipo mata o pai, Laio, e se apaixona pela mãe, Jocasta, sem saber quem eram. Aristóteles, filósofo grego que corre o risco de ser investigado por incitação ao crime, considerou a peça a mais perfeita obra da dramaturgia.

Ao fim da encenação os atores foram detidos pela polícia, convencida de que a ‘obra imoral’ era coisa de algum comunista. Indagados sobre qual deles era o Sófocles, um ator disse que o dramaturgo morrera há mais de 2.400 anos. Os policiais não acreditaram e ameaçaram prender todos. Outro ator, compreendendo a gravidade da situação, inventou que Sófocles estava escondido em Botucatu, no interior de São Paulo, livrando o elenco da prisão. Mas a peça foi censurada e o teatro fechado. 

Um perigoso subversivo a ser investigado é um tal de Karl Marx que propôs aos trabalhadores que defendesse seus interesses conjuntamente, dizendo: “Trabalhadores de todo o mundo: uni-vos!”.



Publicado originariamente no jornal O DIA, em 10/08/2014, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-08-10/joao-batista-damasceno-a-investigacao-de-bakunin.html

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Relato de um viajante da Supervia




“Caminhamos para as plataformas para pegar qualquer trem que estivesse saindo. Andaríamos apenas duas estações e todos passariam por elas. As saídas para Belford Roxo já estavam encerradas. A próxima saída anunciada era dentro de meia hora, às 16:30h, para Santa Cruz. Eu acho que santos são os passageiros pela penitência cotidiana. O trem era velho e sujo. Com muito lixo pelo piso. Um calor infernal e começou a entrar gente. Pessoas pobres, crianças, jovens e de meia idade. Mas, todos com caras cansadas e falta de esperança no olhar.

“O meu filho que nunca vira a miséria de tão perto – porque tem apenas 5 anos - começou a perguntar porque o trem era tão velho. Porque ele era tão quente. Porque era tão sujo. Em seguida começou a perguntar porque o metrô tem ar condicionado e para aquelas pessoas não tem. Dei respostas evasivas. Não tive coragem de dizer para ele, naquele momento, que aquelas pessoas que são transportadas naquele trem sequer são tratadas bestializadamente. Pois, aos animais se transportam com maior conforto e segurança porque têm valor econômico”.

Domingo, eu, minha mulher e meu filho de 5 anos fomos almoçar num tradicional restaurante português que fica nas imediações da Central do Brasil, o Sentai. O meu filho quis conhecer a cozinha e acabou fazendo amizade com o gerente, com os garçons e com os cozinheiros. Ficou encantado com as comidas flambadas. Um garçon... perguntou se ele gostaria de ser cozinheiro. Ele disse que não. Que será maquinista de trem bala.

Ao sairmos do restaurante tive a idéia de levá-lo para andar de trem. Minha mulher foi de carro para a estação de São Cristóvão onde nos esperaria. De lá voltaríamos para casa pelo Túnel Santa Barbara. Tudo aqui é santo. Ao descermos do carro o chapéu do meu filho caiu no chão e, com o vento, saiu rolando. Ao apanhá-lo senti que estava molhado, de mijo. Jogamos o chapéu numa lata de lixo e fomos para a estação Central do Brasil. Recomendei ao meu filho que não tocasse na boca ou nos olhos e fomos procurar um banheiro para lavarmos as mãos. Disseram-nos que dentro da estação há, pago. Ok!

Compramos os bilhetes e confirmamos com a vendedora a existência do banheiro dentro da estação. Ela nos disse até o preço: R$ 0,75. Ao passarmos pela roleta um segurança nos disse que os banheiros não estavam funcionando e que se quiséssemos sair para procurar um banheiroao voltarmos teríamos que adquirir novos bilhetes. Tudo bem, desde que do lado de fora existisse algum.

Fui até os fundos da cabine da vendedora e comecei a esmurrar uma janelinha na esperança de que ela nos indicasse onde era o tal banheiro que nos falara. Um outro segurança foi até onde estávamos e perguntou o que estava acontecendo. Falta banheiro e adequado serviço de transporte, mas sobram agentes de segurança, no melhor estilo dos estados policiais, com suas características de brutalidade e violência como referência para solução dos problemas. Relatei a informação errônea que receberamos. Ele nos levou até o banheiro da administração. Pronto. Pudemos lavar as mãos. Perdemos apenas 15 minutos.

Caminhamos para as plataformas para pegar qualquer trem que estivesse saindo. Andaríamos apenas duas estações e todos passariam por elas. As saídas para Belford Roxo já estavam encerradas. A próxima saída anunciada era dentro de meia hora, às 16:30h, para Santa Cruz. Eu acho que santos são os passageiros pela penitência cotidiana. O trem era velho e sujo. Com muito lixo pelo piso. Um calor infernal e começou a entrar gente. Pessoas pobres, crianças, jovens e de meia idade. Mas, todos com caras cansadas e falta de esperança no olhar.

O meu filho que nunca vira a miséria de tão perto – porque tem apenas 5 anos - começou a perguntar porque o trem era tão velho. Porque ele era tão quente. Porque era tão sujo. Em seguida começou a perguntar porque o metrô tem ar condicionado e para aquelas pessoas não tem. Dei respostas evasivas. Não tive coragem de dizer para ele, naquele momento, que aquelas pessoas que são transportadas naquele trem sequer são tratadas bestializadamente. Pois, aos animais se transportam com maior conforto e segurança porque têm valor econômico.

Às 16:25 meu filho começou a se impacientar. Eu já estava impaciente há muito tempo, apenas procurava fazer com que nossa aventura fosse a menos desconfortável possível. Expliquei ao meu filho que o trem sairia em 4 minutos e ele quis saber quanto eram 4 minutos. Sugeri a ele contar até 60 por 4 vezes. Deu certo. Enquanto contamos deu 16:30h. Disse ao meu filho que a qualquer momento o trem partiria. Mal acabei de dizer e o trem anunciou a partida. Pelo menos houve pontualidade. Meu filho pôs-se na janela, em pé sobre o banco, e me mostrava os pontos da cidade que continua maravilhosa, na medida que os reconhecia.

Chegamos à estação de São Cristóvão. Umas pessoas que estavam sentadas próximas à porta não se deslocaram para que pudéssemos descer. Passamos sobre suas pernas e cheguei a esbarrar meu pé numa delas. Pedi desculpas, reconhecendo que seria demais esperar que uma pessoa que nada recebe pudesse ter a gentileza de se levantar ou arredar-se da porta para possibilitar o desembarque de um sujeito branco, notoriamente de classe média, com seu filho arrumadinho no universo dos excluídos. Como esperar qualquer generosidade ou respeito de quem só apanha, inclusive com chicotadas dadas pelos seguranças da empresa ferroviária?

O trem fechou as portas e partiu. Parecia um milagre. Coisa de Santa Cruz. Todas as portas se fecharam, partiu sem solavancos e com o maquinista na cabine. Meu filho pediu para ficar na estação olhando sua saída. Ficamos. O trem sumiu nos trilhos. Acho que foi para o Paquistão ou para a Índia. As pessoas que ele transportava eram muito parecidas com as daqueles países. Acho que eram párias. Vestiam-se com cores escuras e suas peles não eram claras. Não muito escuras. Mas, encardidas.

João Batista Damasceno
Outubro/2009.

domingo, 3 de agosto de 2014

Pela independência judicial!


“A independência judicial não é garantia para os juízes, mas para a sociedade. Mas nós, juízes, não podemos nos arvorar independentes da própria ordem jurídica, nem alheios à sociedade que nos confere o poder para julgamentos. Havemos de ser independentes em prol da sociedade e na realização dos valores jurídicos próprios da ordem democrática, com garantia de podermos decidir mesmo em contrariedade aos interesses da classe dominante, dos governantes transitórios e dos torquemadas inebriados pela febre da acusação e do encarceramento.”
 
Deputados representaram no CNJ contra decisão de juiz que decretou prisão de manifestantes sem suficiente fundamentação. A petição ao CNJ é direito de todos, mas se configura recurso impróprio porque dirigido a órgão que não tem poder recursal. Mas foi feita por parlamentares de concepção democrática, comprometidos com o Estado de Direito, com a cidadania e com as lutas sociais.

A administração do Tribunal de Justiça editou nota repudiando a atitude dos parlamentares e disse estarem politizando questão jurídica. Nada mais estranho falar-se em politização num poder profundamente politizado onde, por vezes, prisões, remoções de presos para outros estados, quebras de sigilos telefônicos e liminares são apreciadas após pedidos do governo. A reação indignada é desproporcional diante de ameaças efetivas sofridas por outros juízes, dentre as quais as que sofreu Patrícia Acioli. As ameaças a um juiz no ano passado, postadas por policiais na internet, não mereceram idêntica indignação.

Os assaques atuais contra o desembargador Siro Darlan, pelo exercício do direito constitucional de manifestação do pensamento, deveriam igualmente merecer repúdio do tribunal. Notadamente porque advindos dos algozes da liberdade. A politização do Judiciário não ocorre quando publicamente se postula uma medida no CNJ, ainda que inapropriada; mas na pressão para decidir em favor de quem não tem direito.

O direito de representação é livre e há de ser assegurado, mas um juiz não pode ser punido por suas decisões. É preciso defender a independência judicial. Ela é uma garantia da própria cidadania. Se um juiz for punido porque prendeu manifestantes, maior poderá ser a punição quando contrariar interesses da classe dominante. A democracia há de aperfeiçoar os controles de conteúdo das decisões judiciais, mas nunca haverá de punir juízes por elas; existem meios para lhes retirar os instrumentos com os quais podem cercear liberdades. No caso da prisão temporária, é preciso revogar a lei que a autoriza ou declarar sua inconstitucionalidade. Precisamos defender o princípio da independência judicial e retirar dos juízes o poder de cometer arbítrio.

A independência judicial não é garantia para os juízes, mas para a sociedade. Mas nós, juízes, não podemos nos arvorar independentes da própria ordem jurídica, nem alheios à sociedade que nos confere o poder para julgamentos. Havemos de ser independentes em prol da sociedade e na realização dos valores jurídicos próprios da ordem democrática, com garantia de podermos decidir mesmo em contrariedade aos interesses da classe dominante, dos governantes transitórios e dos torquemadas inebriados pela febre da acusação e do encarceramento.

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 03/08/2014, pag. E6. Disponível no link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-08-02/joao-batista-damasceno-pela-independencia-judicial.html