segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Teje preso, senador! Por tagarelice

“O irmão do prefeito citado nas gravações é executivo do banco BTG Pactual, que é dono do banco suíço BSI. Enquanto alguns têm conta na Suíça, com recursos de origem a ser esclarecida, há os que têm banco na Suíça. Nunca na história deste Estado a convergência dos poderes nas esferas municipal, estadual e federal possibilitou tamanhas violações aos direitos dos cidadãos”.
A prisão de um senador da República, com destacada função parlamentar, por tagarelice ocorrida há mais de 20 dias, mas em alegado flagrante, deixou atordoados a comunidade jurídica e os seus pares, que — receosos — mantiveram a prisão ordenada pelo STF. Também prenderam um advogado e um banqueiro. Nas gravações de discutível legalidade aparecem nomes de autoridades, dentre os quais do prefeito do Rio e de seu candidato à sucessão, o deputado que a mídia expõe em razão de agressões à ex-mulher.
Mas tão grave quanto as agressões à mulher é o imbróglio institucional, no Rio, que possibilitou a tramitação do Registro de Ocorrência entre o MP Estadual e a delegacia de polícia, até divulgação pela imprensa. A atribuição para investigar crime cometido por deputado ou senador é do procurador-geral da República (PGR), e a competência para processar e julgar é do STF.
Transcorria a prescrição nos escaninhos de instituições estaduais sem atribuição legal para o caso, sem que o agressor tivesse sido ouvido, o que era desnecessário para aferição de justa razão para a remessa ao PGR, ante laudo de exame de corpo de delito.
Das conversas do senador denota-se exploração de prestígio. Quando estudante e crítico do Direito outorgado pela ditadura, nunca supus a possibilidade destas ocorrências, tal como a maioria dos brasileiros não concebe como se faz justiça no Brasil. Ao longo de mais de duas décadas como juiz pude testemunhar e vivenciar situações que não constam nos livros, nem se ensinam nas faculdades.
Uma delas envolvia pedido do governador, mediado por presidente do tribunal, para despejo de pessoas pobres que se encontravam no trajeto do Arco Rodoviário Metropolitano, maior obra do PAC, sem prévia indenização aos moradores. A efetiva existência destas ocorrências é que possibilitam promessas — por vezes falsas — de tráfico de influência.
O irmão do prefeito citado nas gravações é executivo do banco BTG Pactual, que é dono do banco suíço BSI. Enquanto alguns têm conta na Suíça, com recursos de origem a ser esclarecida, há os que têm banco na Suíça. Nunca na história deste Estado a convergência dos poderes nas esferas municipal, estadual e federal possibilitou tamanhas violações aos direitos dos cidadãos.
 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 29/11/2015, pag. 18. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-11-29/joao-batista-damasceno-teje-preso-senador-por-tagarelice.html

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Samarco, desastre ambiental e fato natural

“O saque do FGTS pelos trabalhadores que tiveram suas vidas arruinadas pelo tsunami da Samarco é antes de tudo medida humanitária que há de ser louvada. Isto não isenta a empresa de sua responsabilidade”.                                                
A boa-vontade com que a mídia tratou a Samarco no desastre ambiental que aniquilou a vida em todo o Rio Doce não se repetiu diante da medida positiva tomada pelo governo federal para minimizar o sofrimento dos trabalhadores atingidos. Pouco se falou da irresponsabilidade da empresa que exporta os nossos minerais, como commodities, a preço vil, para nos vender posteriormente, a preço gordo, os produtos com eles fabricados. Ao contrário, na primeira semana o noticiário foi sobre os trens da MRS, empresa transportadora de minério da qual a Vale também faz parte. Foi noticiada a travessia de pedestres que cruzam as linhas férreas em áreas urbanas, sem destaque para a falta de sinalização ou funcionário para controle da travessia.
A presidenta Dilma editou o Decreto 8.572, que considera desastre natural o rompimento de barragem, para efeitos do saque do FGTS. Tão só para este fim. Natural é tudo que ocorre na natureza. O rompimento de barragem é fato natural, ainda que possa ser causado por conduta humana a ser apurada e responsabilizada. A Lei 8.036 regulamenta o FGTS e diz que o valor pode ser sacado pelo trabalhador quando houver necessidade pessoal, cuja urgência ou gravidade decorra de desastre natural. O saque emergencial do FGTS para recompor a vida não afasta o direito de cobrar o prejuízo da empresa causadora do dano.
Uma procuradora do Ministério Público Federal, em crítica infundada ao decreto, disse que a Samarco poderia usá-lo para se eximir de sua responsabilidade civil e penal por ter sido considerado desastre natural. É ignorância ou má-fé. Juridicamente, os bens podem ser classificados pela sua própria natureza ou por consideração legal. Uma floresta de eucalipto destinada ao corte futuro é considerada bem móvel por antecipação. E só para isto. Também não há caso fortuito ou de força maior. Fortuito é o imprevisível, e força maior é o que, embora previsível, é irresistível. A erupção de um vulcão, embora previsível, é invencível. Não é o caso de uma barragem construída por uma mineradora. O evento fora previsto, e era possível evitar a tragédia.
O saque do FGTS pelos trabalhadores que tiveram suas vidas arruinadas pelo tsunami da Samarco é antes de tudo medida humanitária que há de ser louvada. Isto não isenta a empresa de sua responsabilidade.
 
 

 

domingo, 15 de novembro de 2015

Violência doméstica viola direitos humanos

"A Constituição atribui ao STF processar e julgar os membros do Congresso, e a lei de organização do Ministério Público atribui ao Procurador Geral da República (PGR) propor as ações penais cabíveis perante o STF. Ante o foro privilegiado do deputado, as autoridades policiais deveriam ter remetido o procedimento ao PGR. Não o fizeram. Falharam os delegados e o controle da atividade policial pelo MP estadual. A diretora da Divisão de Polícia de Atendimento à Mulher, na época, tinha ambições eleitorais, sob as bênçãos do governo. Um dos delegados do caso é polícia de primeira classe. No Diário Oficial de 8 de novembro de 2013 vê-se que integrou comissão composta pelo Tribunal de Justiça para implementar videoconferência. E, na Jucerja, sob o Número de Inscrição de Registro de Empresa 332.0921773-9, vê-se que ingressou como sócio em empresa com objetivo de consultoria, perícias e instalação de equipamentos de segurança eletrônica, da qual foi sócia fonoaudióloga do município colocada à disposição do MP estadual para contribuir com investigações criminais.

"O doutor Rodrigo Janot talvez tenha outros trabalhos a realizar, além da apreciação do cabimento da ação penal fundada na Lei Maria da Penha, ainda não prescrita. Trata-se da hipótese de aferir existência de algum tipo de associação no Rio e se dela resultou a omissão".

O retardamento na apuração da agressão física de deputado federal contra a mulher pode ser a ponta do iceberg de associação no âmbito local que possibilita tal anomalia institucional. O agressor diz que ao fato não se aplica a Lei Maria da Penha. O prefeito do Rio promoveu choque de ordem com secretário, cuja mulher gravou conversa e revelou sua conta na Suíça, mas dirige táxi pela cidade sem licença. Tanto o prefeito quanto o agressor, seu secretário, isentam-se da aplicação das leis de cujas edições participam.

Dispõe a Lei Maria da Penha que a violência doméstica, forma de violação dos direitos humanos, é qualquer conduta baseada no gênero, no âmbito doméstico, que cause lesão e sofrimento. Em 6 de fevereiro de 2010 a então mulher do deputado registrou a ocorrência policial e lhe imputou agressões. Exame de corpo de delito constatou lesões, com quebra de um dente.

A Constituição atribui ao STF processar e julgar os membros do Congresso, e a lei de organização do Ministério Público atribui ao Procurador Geral da República (PGR) propor as ações penais cabíveis perante o STF. Ante o foro privilegiado do deputado, as autoridades policiais deveriam ter remetido o procedimento ao PGR. Não o fizeram. Falharam os delegados e o controle da atividade policial pelo MP estadual. A diretora da Divisão de Polícia de Atendimento à Mulher, na época, tinha ambições eleitorais, sob as bênçãos do governo. Um dos delegados do caso é polícia de primeira classe. No Diário Oficial de 8 de novembro de 2013 vê-se que integrou comissão composta pelo Tribunal de Justiça para implementar videoconferência. E, na Jucerja, sob o Número de Inscrição de Registro de Empresa 332.0921773-9, vê-se que ingressou como sócio em empresa com objetivo de consultoria, perícias e instalação de equipamentos de segurança eletrônica, da qual foi sócia fonoaudióloga do município colocada à disposição do MP estadual para contribuir com investigações criminais.

O doutor Rodrigo Janot talvez tenha outros trabalhos a realizar, além da apreciação do cabimento da ação penal fundada na Lei Maria da Penha, ainda não prescrita. Trata-se da hipótese de aferir existência de algum tipo de associação no Rio e se dela resultou a omissão.






Publicado originariamente no jornal O DIA, em 15/11/2015, pag 18. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-11-14/joao-batista-damasceno-violencia-domestica-viola-direitos-humanos.html

domingo, 8 de novembro de 2015

Defensores do povo na mira do poder

"O que está em jogo é o direito do povo a ter direitos. O acesso à Justiça já é penoso, e a perda da autonomia das Defensorias Públicas é parte do desmonte dos direitos dos trabalhadores, reduzidos a beneficiários de políticas assistencialistas".

A presidenta Dilma ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade de emenda constitucional que conferiu autonomia funcional e administrativa às Defensorias Públicas da União e dos estados. A petição endereçada ao STF tem a assinatura do advogado-geral da União, mas também da presidenta. Um pedido de vista do ministro Dias Toffoli suspendeu o julgamento, mas a causa poderá voltar ao plenário da Corte a qualquer momento.

Na falta de argumento para impedir a autonomia dos defensores do povo, a presidenta argumenta que a emenda constitucional teve origem no Parlamento e que somente o chefe do Executivo poderia propor alteração no regime jurídico dos servidores. Portanto, a emenda constitucional, por iniciativa parlamentar, teria “vício de origem”. Até o momento, foram proferidos seis votos pelo indeferimento da cautelar e dois pelo deferimento. Falta razoável fundamento à Adin 5.296. A relatora, ministra Rosa Weber, disse que as emendas à Constituição não têm as restrições de iniciativa dos projetos de leis.

Juízes e promotores têm garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. As instituições a que pertencem têm autonomia administrativa e financeira. Apesar da independência funcional assegurada a estes agentes do Estado, não raro estão sujeitos a pressões e tentativas de lhes subordinar a interesses não republicanos.

O governo federal reforça o aparato repressivo do Estado e simultaneamente atenta contra o direito de defesa por supressão da autonomia das Defensorias Públicas. Aparelhos de interceptação telefônica foram distribuídos aos estados, foi criada a Força Nacional sem previsão constitucional ou legal, foram indicados delegados federais para 18 das 27 secretarias estaduais de Segurança pública, a repressão aos manifestantes em 2013 foi articulada no Ministério da Justiça, e o projeto de lei antiterrorismo visa a criminalizar os movimentos sociais. A autonomia da Defensoria Pública é essencial para a defesa dos interesses do povo, e sua supressão pode ser duro golpe na cidadania.

O que está em jogo é o direito do povo a ter direitos. O acesso à Justiça já é penoso, e a perda da autonomia das Defensorias Públicas é parte do desmonte dos direitos dos trabalhadores, reduzidos a beneficiários de políticas assistencialistas.



 
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 08/11/2015, pag. 18. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-11-08/joao-batista-damasceno-defensores-do-povo-na-mira-do-poder.html

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Educação para a cidadania não é caso de polícia

“É estranho que a escola, espaço de socialização e educação para a cidadania, não propicie certos serviços aos alunos a fim de lhes possibilitar busca de solução de seus problemas. Quando estudante secundarista, as escolas tinham um Serviço de Orientação Educacional (SOE) com pedagogos, psicólogos e assistentes sociais; nenhum médico ou enfermeiro. Ciente de que uma professora fora denunciada pelo SOE aos órgãos de informação e repressão, soube da finalidade daquele serviço e compreendi a seletividade de seu poder disciplinar, que distinguia os atos de rebeldia próprios da adolescência dos atos potencialmente nocivos ao regime empresarial-militar que vigia”.
Em crônica alusiva aos 50 anos do Parque do Flamengo, Ruy Castro escreveu que em suas aleias botou óculos pela primeira vez, “só então descobrindo que as árvores tinham milhões de folhas”. A experiência deve ser comum a todos que não sabiam ter alguma debilidade visual até o dia em que se buscou a correção. A caminho da faculdade, num crepúsculo do dia, dei-me conta da dificuldade em enxergar o número do ônibus. Tardiamente li seu destino e fiz o sinal. Mas a proximidade e a velocidade impediram sua parada. Depois de minha primeira consulta a um oftalmologista, descobri-me míope e, ao colocar os óculos, vi que o mundo não era desfocado, tinha cores e matizes diversos.
Desde o começo de minha vida escolar já deveria ser míope. Aluno interessado nas aulas, sempre sentei na primeira fila, o que me possibilitava enxergar o quadro e melhor rendimento escolar. Imaginava que o pessoal do fundo da sala tinha desempenho medíocre, tão só, por não prestar atenção. Em minhas incursões por aquele espaço não me restava outra coisa senão participar da bagunça, pois mal enxergava o quadro e nada do que nele fosse escrito. Não sei se o pessoal do fundão também era míope ou apenas bagunceiro. Mas suas notas não eram boas.
É estranho que a escola, espaço de socialização e educação para a cidadania, não propicie certos serviços aos alunos a fim de lhes possibilitar busca de solução de seus problemas. Quando estudante secundarista, as escolas tinham um Serviço de Orientação Educacional (SOE) com pedagogos, psicólogos e assistentes sociais; nenhum médico ou enfermeiro. Ciente de que uma professora fora denunciada pelo SOE aos órgãos de informação e repressão, soube da finalidade daquele serviço e compreendi a seletividade de seu poder disciplinar, que distinguia os atos de rebeldia próprios da adolescência dos atos potencialmente nocivos ao regime empresarial-militar que vigia.
Com a redemocratização, o serviço foi extinto, sem a implantação de outros em prol dos alunos. Ao contrário, em muitas escolas públicas faltam professores, e alguns são obrigados a dar aulas de diversas matérias, das quais não têm formação. A única política que se intensificou foi a de repressão militar aos reclamos dos professores. A Educação no Brasil continua a ser caso de polícia.