terça-feira, 6 de dezembro de 2016

As faltas de Modesto e de Fidel


No Brasil se desmonta o projeto de Brasil para os brasileiros. Mas Fidel Castro liderou a maior referência de soberania e afirmação de nacionalidade do povo latino-americano; foi um Davi que venceu Golias. Por sua ação e de seus companheiros, Cuba deixou de ser cassino e bordel dos magnatas estadunidenses. A máfia, expulsa de Cuba, aplicou seus recursos em empresas de comunicação na América do Sul e por seus noticiários lhe difamam. Fidel é referência para os que lutam por um país soberano e assombra os que entregam as riquezas do povo em troca de assento na mesa da Casa Grande da banca internacional”.

2016 será marcado como o ano das tragédias institucionais no Brasil. Depois do golpe na presidenta eleita, da invasão da Câmara dos Deputados por facções totalitárias e da tomada da Alerj por agentes públicos armados — que afirmavam ser donos do Estado porque concursados e estáveis enquanto os deputados são renováveis a cada quatro anos —, tivemos a brutal repressão em Brasília aos estudantes (que protestavam contra a PEC 55), a chantagem de membros do MP ao Legislativo (porque não aprovou suas proposições) e a aprovação na Câmara da criminalização de juízes (por suas opiniões e exercício da jurisdição). Neste surto institucional, no Brasil, perdemos Modesto da Silveira, advogado desassombrado que enfrentou a ditadura empresarial-militar, e Fidel Castro, em Cuba.

No Brasil se desmonta o projeto de Brasil para os brasileiros. Mas Fidel Castro liderou a maior referência de soberania e afirmação de nacionalidade do povo latino-americano; foi um Davi que venceu Golias. Por sua ação e de seus companheiros, Cuba deixou de ser cassino e bordel dos magnatas estadunidenses. A máfia, expulsa de Cuba, aplicou seus recursos em empresas de comunicação na América do Sul e por seus noticiários lhe difamam. Fidel é referência para os que lutam por um país soberano e assombra os que entregam as riquezas do povo em troca de assento na mesa da Casa Grande da banca internacional.
As mortes de Modesto da Silveira e de Fidel os fazem deixar de ser presenças e os transformam em referências permanentes. O impacto de suas mortes são seus legados. Com Fidel, aprendemos que não adianta chegar aos cargos apoiado em velhas forças. As transformações sociais somente foram possíveis em Cuba porque recusou o apoio do Exército de Batista para chegar ao poder; derrotou o Exército de Batista e se assentou nas forças do povo.
Hoje milhões de crianças dormirão nas ruas; nas periferias, vidas de jovens negros e pobres serão violentamente exterminadas, e milhões sentirão a falta da implementação dos direitos à saúde e à educação ou morrerão por causa disto. Mas nenhuma destas pessoas estará em Cuba. Isto é o que Modesto da Silveira também queria para os brasileiros e para tanto dedicou sua vida na luta. A maior homenagem a este notável advogado do povo será continuarmos suas batalhas.


 
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 03/12/2016, pag. 13. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2016-12-03/joao-batista-damasceno-as-faltas-de-modesto-e-de-fidel.html


No vale da sombra da morte


“Igrejas podem abrigar organizações com finalidades diversas, inclusive crimes contra o Estado ou a sociedade. O golpe que se opera no Brasil é formulado pelas elites e empresas de comunicação orientadas contra o povo, apoiadas pelo obscurantismo restante dos anos de chumbo e daqueles que cresceram sob suas asas. O futuro não é promissor. Poder político orientado por religiosos oportunistas e herdeiros dos porões da ditadura é o vale da sombra da morte”.

Evitando as guerras religiosas que devastaram a Europa, os portugueses não admitiram — por razão de Estado — em seu território outra crença que não a fé católica. Prevenindo conflitos, o Marquês de Pombal expulsou do Brasil os jesuítas em 1759, não sem premiar outras ordens para se aquietarem diante do martírio de seus irmãos, e anexou significativa parcela das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste à colônia. A relação do Estado e Igreja no Brasil sempre foi permeada por tensões e partilha de interesses.

No período Vargas, momentos de tensões e concessões entre Estado e Igreja se alternaram, tal como quando da edição de uma Lei de Divórcio por Getúlio Vargas — a fim de possibilitar que Amaral Peixoto (sogro de Moreira Franco, que é sogro de Rodrigo Maia) se casasse com sua filha Alzira Vargas. Homologado o divórcio, a lei foi revogada, e o assunto caiu no esquecimento. A Igreja quase sempre apoiou, taticamente, os projetos conservadores do Estado, que também eram seus, embora com distintos objetivos estratégicos.

Em 1964, a Igreja estava ao lado dos golpistas. Mas deles se distanciou e se tornou principal opositora. Os golpistas buscaram apoio na ala mais conservadora católica e no seio protestante, onde não faltaram concessões de rádio e televisão, apoio às denominações tradicionais e auxílio aos neopentecostais da teologia da prosperidade para cultos eletrônicos e de massa inspirados em Billy Graham.

O militar Paulo Leivas Macalão, um dos principais divulgadores das Assembleias de Deus no Brasil, fundador da Assembleia de Deus de Madureira e compositor da maioria dos hinos da Harpa Cristã, rendeu-se à Vila Militar. A supremacia dos senhores do porão afastou daquela igreja os sucessores do fundador. Contemporanemente o templo andou frequentado por Eduardo Cunha e Michel Temer.

Igrejas podem abrigar organizações com finalidades diversas, inclusive crimes contra o Estado ou a sociedade. O golpe que se opera no Brasil é formulado pelas elites e empresas de comunicação orientadas contra o povo, apoiadas pelo obscurantismo restante dos anos de chumbo e daqueles que cresceram sob suas asas. O futuro não é promissor. Poder político orientado por religiosos oportunistas e herdeiros dos porões da ditadura é o vale da sombra da morte.
 


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 19/11/2016, pag. 14.

Apoio aos estudantes


“A exigência de agente do Ministério Público Federal confunde o questionamento da legitimidade do ocupante da presidência da República com atividade político-partidária, bem como ordena a apuração de autoria de quem colocou ou permitiu a manifestação do pensamento, com ameaça de propositura de ação de improbidade administrativa, representação por crime de prevaricação e propositura de ação civil pública indenizatória por suposto e infundado ‘dano moral coletivo’”.
É preocupante a crescente onda de cerceamento das liberdades públicas no Brasil, tendo como exemplo a censura à liberdade de manifestação no Colégio Pedro II, ora envolvendo a decisão sobre liberdade de vestimenta, ora sob a atuação do Ministério Público Federal com ‘recomendações’ escritas para que sejam retiradas faixas, cartazes ou panfletos que denotem o sentimento de ilegitimidade do presidente da República após golpe na presidenta democraticamente eleita.
A exigência de agente do Ministério Público Federal confunde o questionamento da legitimidade do ocupante da presidência da República com atividade político-partidária, bem como ordena a apuração de autoria de quem colocou ou permitiu a manifestação do pensamento, com ameaça de propositura de ação de improbidade administrativa, representação por crime de prevaricação e propositura de ação civil pública indenizatória por suposto e infundado ‘dano moral coletivo’.
Procuradores da República no dia do 28º aniversário da Constituição da República editaram documento visando a provocar uma reflexão sobre a missão dos membros do Ministério Público Federal, que – disseram - deve ser “permeada com a defesa dos direitos dos indivíduos, da sociedade e do próprio funcionamento da máquina pública” e “para evitar que ações motivadas em objetivos nobres e legítimos terminem servindo para perseguições de qualquer natureza”.
É tempo de conclamar os agentes públicos do sistema de justiça e educadores a rememorarem o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), do qual resultou a reforma do ensino após a Revolução de 1930 e o Manifesto dos Educadores (1959) do qual resultou a primeira lei de diretrizes e bases da educação nacional de onde se extrai que a educação precisa ser examinada do ponto de vista de uma sociedade em movimento; não dos interesses de alguns, mas dos interesses gerais, sob a premissa de que a escola é uma instituição onde se socializa para a cidadania; é um horizonte cada vez mais largo que precisa atender à variedade das necessidades dos grupos sociais, corolário do pluralismo político elencando como fundamento da República no primeiro artigo da Constituição.
Quem foi estudante e se formou para a cidadania reconhece a importância do que fazem os estudantes atuais. Quem foi apenas adestrado, não!
 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 05/11/2016, pag. 12.

Em defesa de Eduardo Cunha?


“É com a garantia dos direitos daqueles com quem não nos afeiçoamos que colocamos a prova nossa fidelidade aos valores com os quais dizemos ser comprometidos. Que todos tenham os seus direitos assegurados. Até mesmo Eduardo Cunha. E que a justiça se faça e imponha responsabilidades sem se confundir com vingança”.
Parcela da sociedade comemorou a prisão do ex-deputado Eduardo Cunha sem perceber que a violação de seus direitos é a exceção, à direita, necessária para violarem os direitos de qualquer um.
Dispõe a Constituição que ninguém será preso se por outro modo puder ser responsabilizado criminalmente e que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ainda que o próprio STF esteja negando o texto constitucional.
O juiz Sérgio Moro justificou a prisão de Eduardo Cunha com argumentação genérica, tal como abusivamente se faz todo dia no Brasil. O STF, que interveio no funcionamento parlamentar e afastou Cunha do exercício de seu mandato, já havia negado o pedido de prisão sob o fundamento de que outras medidas acautelatórias poderiam ser impostas e que a prisão era desnecessária.
A violação dos direitos do pior dos fascínoras é a porta aberta para violação dos direitos de toda a sociedade. É com a tácita autorização para se matar jovens negros na periferia que agentes do estado matam qualquer um, bastando-lhes posteriormente dizer que se tratava de traficante.
Quando Lula foi indevidamente conduzido coercitivamente, sem prévia intimação, a comentariasta televisa Cristiana Lobo dizia que não havia arbitrariedade porque era a 147ª condução ordenada por Moro. As 146 violações anteriores serviram para justificar a arbitrariedade cometida contra Lula. O que muitos não vêem é que Cunha, assim como o foi Severino Cavalcanti, é baixo clero; é pessoa com visibilidade, mas não é componente da estrutura real de poder no Brasil. Duvido que José Sarney, Romero Jucá, Renan Calheiros, José Serra, Tasso Jereissati, Aécio Neves, Michel Temer ou Fernando Henrique Cardoso venham a ser molestados. É fácil processar e julgar membros de setores populares, ainda que alçados a visibilidade, ou gente do baixo clero que cai em desgraça e passa a ter o valor de um cachorro morto na beira da estrada como é Eduardo Cunha.
É com a garantia dos direitos daqueles com quem não nos afeiçoamos que colocamos a prova nossa fidelidade aos valores com os quais dizemos ser comprometidos. Que todos tenham os seus direitos assegurados. Até mesmo Eduardo Cunha. E que a justiça se faça e imponha responsabilidades sem se confundir com vingança.
 
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 22/10/2016, pag. 11.

Estatística mascarada


“O homicídio contra o professor da UERJ Marcus Flávio do Amaral Vasconcellos, Pingo, foi registrado na Delegacia Policial como lesão corporal. O carro no qual viajava parou num sinal, no Méier, atrás de outro que estava sendo assaltado. Dois indivíduos que davam cobertura ao assalto devem ter acreditado que os professores eram policiais e disparavam contra o carro com tal intensidade que o seguro lhe deu perda total. O motorista foi atingido na testa de raspão e o professor Pingo levou um tiro na nuca. Hospitalizado, o professor permaneceu no CTI por 18 meses até falecer no domingo, dia da eleição. Mesmo que o professor tivesse sobrevivido o crime seria homicídio em sua modalidade tentada. Jamais lesão corporal, como se registram para mascarar estatísticas”.
 
O fracasso da política de segurança instituída no Rio de Janeiro chamada em 2007 de polícia de confronto pelo secretário Beltrame - e que intelectuais e artistas, naquela época, qualificaram em manifesto como política de extermínio – tem sido dolosamente mascarado pelos registros e estatísticas oficiais. Por isso o governo não liberou os dados para pesquisa sobre desaparecidos do projeto ‘Somos todos Amarildo’.
Na história da violência no Rio de Janeiro os agentes do Estado sempre estiveram um degrau acima. A militarização da polícia, sua cadeia de comando e o sistema de justiça que a protegeu elevou os patamares da violência urbana. Um criminoso encurralado pelos agentes do Estado não mais se rende, porque sabe: irá morrer. Por isso causa danos antes de ser exterminado. Já não existe a clássica expressão que valia tanto para policiais quanto para criminosos: “Perdi!”. Isto possibilitava ao policial desarmar o criminoso e prendê-lo ou a este liberar o policial para que, desarmado, partisse. A vida era preservada. A política de segurança do Estado é matar ou morrer. Mas, dentre os policiais somente morrem os praças; nenhum oficial em serviço.
O homicídio contra o professor da UERJ Marcus Flávio do Amaral Vasconcellos, Pingo, foi registrado na Delegacia Policial como lesão corporal. O carro no qual viajava parou num sinal, no Méier, atrás de outro que estava sendo assaltado. Dois indivíduos que davam cobertura ao assalto devem ter acreditado que os professores eram policiais e disparavam contra o carro com tal intensidade que o seguro lhe deu perda total. O motorista foi atingido na testa de raspão e o professor Pingo levou um tiro na nuca. Hospitalizado, o professor permaneceu no CTI por 18 meses até falecer no domingo, dia da eleição. Mesmo que o professor tivesse sobrevivido o crime seria homicídio em sua modalidade tentada. Jamais lesão corporal, como se registram para mascarar estatísticas.
Está chegando ao fim a gestão do secretário Beltrame. Felizmente! Mas, seu legado será lamentável. O que nos resta é romper com tal legado e instituirmos outra política de segurança que possibilite a humanização das relações sociais, a valorização da vida dos que morrem – policiais e população - nos confrontos, o enfraquecimento das milícias e apropriação pública pelo que é público.
 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 08/10/2016, pag. 11.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Nota Pública sobre atentado institucional à liberdade de manifestação no âmbito do Colégio Pedro II - Campus Humaitá II/RJ



“A observância do pluralismo político, elencando no art. 1º da vigente Constituição da República, é essencial à sobrevivência da democracia brasileira”.

 

ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA (AJD), entidade que tem por finalidade o respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito, vem expressar preocupação com a crescente onda de cerceamento das liberdades públicas, tendo como exemplo a censura à liberdade de manifestação de alunos, professores ou funcionários do Colégio Pedro II – Campus Humaitá II com “recomendação” subscrita por agente do Ministério Público Federal de que fosse retirada faixa, cartaz, banner ou planfleto com inscrição que denotava o sentimento de ilegitimidade do presidente da República após impeachment da presidenta democraticamente eleita.

Por intermédio de tal “recomendação”, o agente do Ministério Público Federal  advertiu da possibilidade de propositura de ação de improbidade administrativa, de representação por crime de prevaricação e da propositura de ação civil pública indenizatória por “dano moral coletivo” contra quem exerceu o direito de manifestar sua opinião. Confundiu-se, assim, o questionamento da legitimidade do ocupante da presidência da República, fundada na liberdade de expressão (art. 5o, IX da Constituição de 1988),  com atividade político-partidária.

A AJD, a exemplo da carta divulgada por um grupo de Procuradores da República no dia do 28º aniversário da Constituição da República visando a provocar uma reflexão sobre a missão dos membros do Ministério Público Federal, que deve ser “permeada com a defesa dos direitos dos indivíduos, da sociedade e do próprio funcionamento da máquina pública” e “para evitar que ações motivadas em objetivos nobres e legítimos terminem servindo para perseguições de qualquer natureza”, conclama os agentes públicos do sistema de justiça e educadores a rememorarem o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), do qual resultou a reforma do ensino após a Revolução de 1930 e o Manifesto dos Educadores (1959): que a educação precisa ser examinada do ponto de vista de uma sociedade em movimento e que a escola é uma instituição social, um horizonte cada vez mais largo que deve atender à variedade das necessidades dos grupos sociais.

A observância do pluralismo político, elencando no art. 1º da vigente Constituição da República, é essencial à sobrevivência da democracia brasileira.

 

São Paulo, 06 de outubro de 2016.

 

ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA

 

Publicado originariamente no site: http://ajd.org.br/documentos_ver.php?idConteudo=222. Disponível em 06/07/2016 às 18h42min.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Mídia e Justiça nas eleições


Nas eleições de 2012 para prefeito de Nova Iguaçu vivenciei de perto estas manobras. O PR, de Garotinho, havia deliberado apoiar o DEM. Mas uma convenção dissidente do PR municipal decidiu apoiar o PMDB e indicou o vice da chapa. Houve intervenção estadual no PR municipal. A Zona Eleitoral por mim titularizada deveria fazer os registros. Mas o TRE, por suas razões, preferiu outra zona. A juíza do registro deferiu a coligação DEM-PR, mas o TRE reformou a decisão e registrou a chapa PMDB-PR, deixando o candidato do DEM sem vice, sem registro e sem horário na TV.
A três dias da eleição o TSE restabeleceu a decisão da juíza, determinou o registro da chapa DEM-PR, determinou ao PMDB escolhesse vice de outro partido da coligação e a nós juízes que ficássemos sem dormir para reinseminar as urnas. No dia da eleição, ao fim da tarde, o candidato do PMDB entrou num restaurante acompanhado de familiar de membro do TRE, para espanto de muitos dos juízes que lá almoçavam e que desconheciam os meandros da politizada Justiça Eleitoral brasileira.
A atuação da direção do Partido Democrata em prol da escolha de Hilary Clinton para candidata a presidente dos Estados Unidos, em detrimento de Bernie Sanders, causou desconforto em quem esperava imparcialidade. Nos EUA os candidatos são escolhidos pelos filiados, e a direção partidária apenas organiza a eleição interna.
As instituições importadas dos EUA não se adaptaram à realidade brasileira. No Brasil os partidos têm donos. Em 1998 a direção nacional do PT repudiou a candidatura de Vladimir Palmeira ao governo do Rio, interveio no diretório estadual e impôs apoio a Garotinho. Quando Miguel Arraes quis tirar Garotinho do PSB, promoveu um recadastramento dos filiados e não o incluiu. No PMDB, Garotinho quis ser candidato a presidente da República. Mas um ministro do STJ com pretensões eleitorais no Maranhão garantia liminares à direção do partido, sem que fosse em grau recursal, em prejuízo do postulante.
Para ser candidato no Brasil, o aspirante há de vencer os donos dos partidos, subordinar-se à máquina partidária, driblar as perseguições do jornalismo politizado e passar pelas peneiras da Justiça Eleitoral. Mas a vitória não garante diplomação, posse ou mandato. Mídia e Justiça podem se converter em terceiro turno.
Nas eleições de 2012 para prefeito de Nova Iguaçu vivenciei de perto estas manobras. O PR, de Garotinho, havia deliberado apoiar o DEM. Mas uma convenção dissidente do PR municipal decidiu apoiar o PMDB e indicou o vice da chapa. Houve intervenção estadual no PR municipal. A Zona Eleitoral por mim titularizada deveria fazer os registros. Mas o TRE, por suas razões, preferiu outra zona. A juíza do registro deferiu a coligação DEM-PR, mas o TRE reformou a decisão e registrou a chapa PMDB-PR, deixando o candidato do DEM sem vice, sem registro e sem horário na TV.
A três dias da eleição o TSE restabeleceu a decisão da juíza, determinou o registro da chapa DEM-PR, determinou ao PMDB escolhesse vice de outro partido da coligação e a nós juízes que ficássemos sem dormir para reinseminar as urnas. No dia da eleição, ao fim da tarde, o candidato do PMDB entrou num restaurante acompanhado de familiar de membro do TRE, para espanto de muitos dos juízes que lá almoçavam e que desconheciam os meandros da politizada Justiça Eleitoral brasileira.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 24/09/2016, pag. 11. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2016-09-24/joao-batista-damasceno-midia-e-justica-nas-eleicoes.html

Aperta o verde!


Candidatos e partidos vinculados ao mundo do trabalho sofrem perseguições. A sede do PCB, que tem Heitor como único candidato a vereador no Rio, tem sido acossada pela PM. Fardados, policiais têm comparecido à sede do partido com a ostensiva fundamentação de verificar o que se faz nele.

O fascismo já não ronda a nossa casa. Ele já arrombou a porta. Resta-nos a resistência para impedir que entre e se aloje em nossa moradia e dela nos expulse. Como instituição encarregada de garantir a ordem jurídica é sobre os abusos de poder que violam a liberdade eleitoral que há de se voltar a atuação do Ministério Público Eleitoral.

Viver eticamente é agir e aceitar responsavelmente as consequências. Pelas próprias decisões ninguém é vitimado, mas se é por golpes desleais. O golpe que se consumou não foi apenas na presidenta, mas nos milhões de eleitores e em suas legítimas expectativas de direito. Foi um golpe do mundo do capital no mundo do trabalho. Os usurpadores promovem o desmonte dos direitos dos trabalhadores, das garantias constitucionais e a entrega das riquezas nacionais. O crescimento da direita no Brasil tem diversos fatores, dentre eles a recente criminalização dos movimentos sociais.

Mas o povo pode dar a resposta e impedir a execução do projeto rejeitado nas urnas em quatro eleições presidenciais. Basta apertar eticamente o verde na urna eletrônica. Os que compactuaram com os golpistas não têm legitimidade para liderar a resistência dos trabalhadores. Há saídas, ainda que difíceis, pois as instituições estão aparelhadas. Juízes e promotores que posaram de toga ou camisa da CBF em apoio ao golpe estão em atividade. A legislação eleitoral foi alterada para restringir a propaganda de partidos que não sejam os tradicionais. Outras formas de admoestação às opções democráticas estão em curso. A instauração de procedimentos contra os candidatos a vereador do Psol Renato Cinco e André Barros, que propõem a regulamentação da produção, comércio e consumo das drogas, é uma delas. A Law Enforcement Against Prohibition, ou Agentes da Lei Contra o Proibicionismo (Leap-Brasil), defende igual proposta a fim de evitar a letalidade da ‘guerra às drogas’. Em seus quadros há policiais, juízes, desembargadores e promotores de justiça.

Outros candidatos e partidos vinculados ao mundo do trabalho também sofrem perseguições. A sede do PCB, que tem Heitor como único candidato a vereador no Rio, tem sido acossada pela PM. Fardados, policiais têm comparecido à sede do partido com a ostensiva fundamentação de verificar o que se faz nele.

O fascismo já não ronda a nossa casa. Ele já arrombou a porta. Resta-nos a resistência para impedir que entre e se aloje em nossa moradia e dela nos expulse. Como instituição encarregada de garantir a ordem jurídica é sobre os abusos de poder que violam a liberdade eleitoral que há de se voltar a atuação do Ministério Público Eleitoral.


 


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 10/09/2016, pag. 12. Disponível no link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2016-09-10/joao-batista-damasceno-aperta-o-verde.html

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Porque é golpe!


 “Num sistema de separação de poderes cabe também aos juízes garantir o Estado de Direito e a legitimidade democrática. Mas só agora, consumado o golpe e para encerrar a Operação Lava Jato, ouve-se ministro do STF dizer que proposta da ‘República de Curitiba’ é coisa de cretino. Antes juízes posavam de toga em homenagem a Sergio Moro. É golpe quando a vontade popular é desrespeitada”.


A Odisseia de Homero narra que, diante dos pretendentes à mão de Helena, a mulher mais bonita que o mundo conhecera, seu pai temia que a escolha pudesse resultar numa guerra entre eles. Ulisses sugeriu que todos jurassem respeitar a vontade que fosse manifestada e ao escolhido não causassem qualquer mal. Assim, Helena pôde casar com Menelau. A escolha foi respeitada. A Guerra de Troia se desencadeou porque Helena, depois de casada, fugiu de Esparta com Páris.


Numa festa, Éris, deusa da discórdia, jogou uma maçã de ouro entre as deusas, onde se lia “à mais bela”. Provocou-se uma disputa entre Hera, Atena e Afrodite. Zeus nomeou Páris para ser o juiz da disputa, porque era honesto, mas as deusas tentaram corrompê-lo. Hera lhe prometeu o poder sobre o mundo, e Atena, vitórias militares e honrarias. Afrodite lhe prometeu o amor de Helena.


Juízes honestos não são apenas os que não recebem vantagens materiais indevidas. Mas também os imparciais, os que não tiram proveitos indevidos do cargo e os que obedecem ao ordenamento jurídico, que lhes confere poder, e atuam de acordo com a consciência. Páris não se corrompeu por bens materiais, nem por glórias, mas pelo amor de Helena.


O processo de impeachment da presidente Dilma evoca o princípio de que a democracia somente épossível se todas as forças envolvidas nas disputas aceitarem respeitar a vontade que for manifestada e ao escolhido não causar qualquer mal. As tentativas de golpe no presidente Lula não encontraram o mesmo eco que com a presidente Dilma, menos suscetível às barganhas com um Parlamento corrompido. As forças que disputaram as eleições de 2014 não lhe reconheceram a vitória e tentaram o golpe até instalar o processo de impeachment, sem imputação de crime. Para tanto, corromperam o vice-presidente. O comando do país pelos golpistas derrotados eleitoralmente em 2014 demonstra o desprezo pelo resultado das eleições.


Num sistema de separação de poderes cabe também aos juízes garantir o Estado de Direito e a legitimidade democrática. Mas só agora, consumado o golpe e para encerrar a Operação Lava Jato, ouve-se ministro do STF dizer que proposta da ‘República de Curitiba’ é coisa de cretino. Antes juízes posavam de toga em homenagem a Sergio Moro. É golpe quando a vontade popular é desrespeitada.

 






Publicado originariamente no jornal O DIA, em 27/08/2016, pag. 12. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2016-08-27/joao-batista-damasceno-porque-e-golpe.html

Jogos: para que e para quem?


 “O desporto pode ter motivo educacional, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento da pessoa e formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer; pode ser desporto de participação, com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente; pode ser desporto de formação, com o objetivo de promover o aperfeiçoamento qualitativo e quantitativo da prática desportiva visando a competição, pode ser desporto de alto rendimento, com a finalidade de obter resultados”.

O Brasil despendeu cerca de 40 bilhões de reais na realização da olimpíada. Assim como eventos anteriores, o legado são rastros de atrocidades, de acusações de corrupção, de suspeição sobre empreiteiras e políticos, de remoções de moradores para realização das obras, agravando o problema habitacional, de incursões violentas nas favelas e bairros da periferia e de violações a direitos fundamentais.

Apesar do esforço das empresas e dos empresários que lucram com o evento, dentre as quais as empresas de comunicação, não foi possível esconder a insatisfação popular. O desporto de alto rendimento ou desporto de competição não se justifica, salvo para quem lucra com ele, num país no qual faltam quadras nas escolas.
O desporto pode ter motivo educacional, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento da pessoa e formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer; pode ser desporto de participação, com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente; pode ser desporto de formação, com o objetivo de promover o aperfeiçoamento qualitativo e quantitativo da prática desportiva visando a competição, pode ser desporto de alto rendimento, com a finalidade de obter resultados.

Desporto de alto rendimento é negócio. Em regra é o paraíso das drogas. Em 1998, no Tour de France, tradicional corrida francesa de ciclismo, a polícia prendeu quase todos os competidores, por uso de substâncias consideradas ilícitas. Chegou-se a dizer que no esporte de alto rendimento ganha quem tem o melhor químico e não quem tem o melhor técnico.

A busca por recordes, o lucro com o marketing e a exposição de produtos pelos atletas são mais lucrativos que os princípios nos quais se ancoram os discursos e se justificam as competições. O desporto de rendimento anda de braço dado com os políticos, pois ambos discursam diferentemente do que praticam. Se o evento é privado e quem lucra com ele são as empresas que o organiza, por que recursos públicos são gastos em detrimento de outros investimentos em prol da sociedade? Quem formula tais opções de gastos públicos tem interesse no bem público ou é partícipe dos interesses privados contemplados com os eventos?




 
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 13/08/2016, em 14. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2016-08-13/joao-batista-damasceno-jogos-para-que-e-para-quem.html

 

 

Um ministro trapalhão


 “Conheço o ministro. Por indicação do DEM e do senador Renan Calheiros, foi conselheiro do CNJ em sua primeira composição, em 2005. Em Brasília, para tratar de questão coletiva da magistratura, pedi a ele audiência. Ele apenas solicitou que eu o aguardasse. A hora passou, e ele tinha saído por outra porta e ido embora. Relatei o fato a um amigo, que se indignou e disse que sabia quem mandava nele e que ele teria que me receber. Meu amigo telefonou para o dono do conselheiro, que telefonou para ele, que abaixou o topete imaginário e humildemente me recebeu. O constrangimento era recíproco. Fui à audiência para lhe mostrar que sabia quem mandava nele e que independência funcional somente a tem quem ocupa o cargo por mérito, e não por politicagem e espetacularizações de quem coloca o carreirismo acima de valores e princípios”.

Plagiando o ministro José Eduardo Cardozo, que implementou repressão aos movimentos sociais e conseguiu, em 12/07/2014, a prisão de estudantes no Rio para não se manifestarem no final da Copa do Mundo, o ministro Alexandre de Moraes — criminalizando condutas antecipadamente — conseguiu a prisão de jovens que desabafavam pela internet suas frustrações. Irresponsavelmente, o ministro disse tratar-se de uma organização terrorista vinculada ao Estado Islâmico capaz de atos de terrorismo durante a Olimpíada.

Com estética capilar semelhante à de Mussolini, o ministro tem história, a começar pelo tangenciamento à máfia da merenda. Na ópera-bufa encenada, não faltaram fantasias pueris. Em entrevista, disse ter rastreado conversas pelo WhatsApp, apesar de serem criptografadas de ponta a ponta e de impossível interceptação. Apelidos dos presos podem ter confundido jovens de periferia com árabes criminalizáveis pelo racismo: Orelha, Trek do Amor, Pão com Ovo, Pixote, Sapinho, Leitão, Bamba e Chapoca, dentre outros.

O juiz abdicou do papel de garantista da liberdade. Prendeu por antecipação ao crime, mas para investigação. E descartou se tratar de terroristas. O ministro insistiu, chamou a imprensa e divulgou a fantasia da insegurança com a qual se justificam as truculências do Estado Policial. O resultado foram milhares de cancelamentos de viagens e hospedagens de turistas traumatizados com terrorismo em lugares onde ele realmente existe.

Conheço o ministro. Por indicação do DEM e do senador Renan Calheiros, foi conselheiro do CNJ em sua primeira composição, em 2005. Em Brasília, para tratar de questão coletiva da magistratura, pedi a ele audiência. Ele apenas solicitou que eu o aguardasse. A hora passou, e ele tinha saído por outra porta e ido embora. Relatei o fato a um amigo, que se indignou e disse que sabia quem mandava nele e que ele teria que me receber. Meu amigo telefonou para o dono do conselheiro, que telefonou para ele, que abaixou o topete imaginário e humildemente me recebeu. O constrangimento era recíproco. Fui à audiência para lhe mostrar que sabia quem mandava nele e que independência funcional somente a tem quem ocupa o cargo por mérito, e não por politicagem e espetacularizações de quem coloca o carreirismo acima de valores e princípios.


Publicado originariamente no jornal O DIA em 30/07/2016, pag. 16. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2016-07-30/joao-batista-damasceno-um-ministro-trapalhao.html

 

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Justiça com as próprias mãos? Nunca vamos saber

"Se os agentes de segurança do posto exigiram, mediante o emprego de arma de fogo, valor devido em razão de danos causados podem ter praticado o  crime de exercício arbitrário das próprias razões. É o que dispõe o art. 345 do Código Penal. Se constrangeram o nadador e seus amigos, mediante grave ameaça com emprego de arma de fogo, visando a obter para si ou para seus "empregadores" indevida vantagem econômica, podem ter cometido o crime de extorsão. É o que dispõe o art. 158 do Código Penal. Mas, se subtraíram o dinheiro, mediante ameaça, para si ou para seus "empregadores", estaríamos diante do crime de roubo, descrito no art. 157 do Código Penal, com a qualificadora do emprego da arma de fogo".
Pouco sei sobre as ocorrências envolvendo o nadador estadunidense Ryan Lochte e demais atletas envolvidos em confusão na Barra da Tijuca em posto de gasolina. As informações são desencontradas, a mídia não ajuda no esclarecimento, a policia mais confunde que esclarece e a xenofobia não nos permite olhar um estrangeiro com isenção numa situação destas. Ainda mais alguém oriundo dos EUA, país que a maioria da população brasileira ama, inveja e odeia alternadamente.
Sempre respeito um  estadunidense que encontro fora dos EUA. Deve ser alguém com ciência de que o mundo não se limita ao seu país. Maior respeito tenho quando os encontro em países periféricos e não na Europa. Isto porque os estadunidenses se bastam e dois terços dos congressistas dos EUA nunca saíram do país e metade não tem sequer passaporte. Fora dos EUA em mais de uma oportunidade já vi estadunidenses com dificuldades de comunicação se perguntando porque as pessoas não falam inglês por onde eles passam. Os estadunidenses que viajam pelo mundo esperam que os povos originários aprendam a língua deles para lhes facilitar a comunicação. E o problema no posto de gasolina pode ter sido de comunicação. Assim, como as versões do nadador e de seus amigos.
Se alguém me aponta uma arma para receber o que devo considerarei tal fato crime de exercício arbitrário das próprias razões. Mesmo que eu seja devedor de determinada quantia a lei não autoriza que meu credor obtenha seu direito fazendo justiça com as próprias mãos. Diz o art. 345 do Código Penal que fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite, é fato punível. E são poucos os casos em que o Direito o permite. Uma das exceções é a legítima defesa.
Ao longo de 8 anos de exercício de advocacia e 23 anos de magistratura aprendi a desconfiar de muitas das investigações policiais. O caso da Escola Base em São Paulo é emblemático e expressa o que o consórcio mídia-polícia-opinião pública pode provocar.
Em momento no qual o juiz Sérgio Moro avoca para si todos os feitos relacionados às relações políticas do partido no qual se desfere golpe de Estado parlamentar-midiático-judicial, por considerar existente conexão em todos os fatos e relações, causa estranheza o indiciamento da jornalista que acusa o deputado Marcos Feliciano de assédio sexual pela polícia de São Paulo. Se o crime de assédio sexual há de ser apurado com autorização do STF, por ter o deputado foro privilegiado, pelas razões invocadas pelo juiz Sérgio Moro nos milhares de processos da operação Lava Jato, há de ser reconhecida a conexão de eventual falsa comunicação de crime praticado pela jornalista. O desmembramento da apuração criminaliza a possível vítima e isenta o deputado de possível crime de assédio sexual, cujos indícios se expressam pela troca de mensagens nas redes sociais com a assediada.
Já vivenciei situação na qual um empregado de empresa do pool da maior igreja neopentecostal do Brasil foi torturado no interior de um templo suburbano para assinar rescisão de contrato de trabalho e devolver no mesmo dia do recebimento do aviso prévio o apartamento funcional que ocupava e o carro no qual se transportava. Na 44a Delegacia Policial um dos inspetores falava ao rádio com os milicianos torturadores. O delegado autuou a vítima de tortura por apropriação indébita do carro, por não o ter devolvido imediatamente no momento da notificação do aviso prévio, quando tinha direito aos salários direto e indireto até o dia da efetiva rescisão contratual, e nenhuma diligência promoveu para identificar quem eram os milicianos com quem seu auxiliar falava por rádio. O fato custou à igreja o pagamento judicial de uma indenização de cerca de R$ 300.000,00. A vítima não foi processada porque um membro do Ministério Público entendeu a farsa que se montou na delegacia em conluio com a marginalidade religiosa. O Ministério Público e o Poder Judiciário podem atuar como garantidores dos direitos e efetivação da ordem jurídica, quando em prol da justiça atuam seus membros.
No Brasil morrem cerca de 60.000 pessoas por ano em razão de violência. E não se vê a eficiência policial para apurar tais ocorrências. Muitas delas são decorrentes de execuções por agentes públicos e a farsa dos autos de resistência legitimam tais homicídios.
Mesmo quando se tem algum tipo de apuração não faltam farsas nas perícias. No Caso Juan, criança assassinada pela policia que desapareceu com o corpo, a perícia oficial chegou a atestar que não se tratava da vítima. Mas, de um corpo do sexo feminino. O Caso RioCentro é o mais emblemático da farsa oficial e serve de paradigma para a atuação do Estado brasileiro.  
A versão de que houvera destruição da loja de conveniência não se comprovou. A versão da polícia de que o banheiro tenha sido depredado não se confirmou. Sequer que um espelho fora quebrado. As imagens mostram o nadador rasgando um cartaz no posto. Não poderia fazê-lo. Mas, a atuação de agentes estatais armados, atuando fora do exercício de suas funções oficiais, é preocupante.
Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia é crime de dano. Está tipificado no art. 163 do Código Penal. Diante de eventual crime de dano poderiam os funcionários do posto ou mesmo os "seguranças" ter dado voz de prisão aos autores do fato. Tal permissão está contida no art. 301 do Código de Processo Penal. Qualquer um do povo pode prender em flagrante e as autoridades e seus agentes devem. Mas, não podem fazer justiça com as próprias mãos. Deveriam ter chamado a polícia ou conduzido os autores do crime para a delegacia policial mais próxima.
Assim como as versões dos atletas, mídia e policia também apresentaram versões variadas. O chefe da polícia, o mesmo que negou a existência de estupro coletivo de uma adolescente em data recente, declarou que não sabe se houve extorsão por partes dos "seguranças" no posto. Eu não sei distinguir "segurança" de "miliciano", salvo quando a segurança é regularmente contratada. Tenho adotado o critério de que segurança privada é atividade regulamentada e demanda contratação regular do serviço para receber tal qualificação. Considero a atuação privada de agentes públicos da área de segurança, sem regular e formal contratação pelos tomadores do serviço privado, como atividade miliciana ou paramilitar. E é a existência deste tipo de atividade na Barra da Tijuca que foi negligenciada no caso, enquanto se acusava o "gringo" de haver ferido o orgulho nacional.
Se os agentes de segurança do posto exigiram, mediante o emprego de arma de fogo, valor devido em razão de danos causados podem ter praticado o  crime de exercício arbitrário das próprias razões. É o que dispõe o art. 345 do Código Penal. Se constrangeram o nadador e seus amigos, mediante grave ameaça com emprego de arma de fogo, visando a obter para si ou para seus "empregadores" indevida vantagem econômica, podem ter cometido o crime de extorsão. É o que dispõe o art. 158 do Código Penal. Mas, se subtraíram o dinheiro, mediante ameaça, para si ou para seus "empregadores", estaríamos diante do crime de roubo, descrito no art. 157 do Código Penal, com a qualificadora do emprego da arma de fogo.
Não se pode descartar a possibilidade de que tanto a polícia quanto os atletas tenham ou estejam fabricando versões para as ocorrências. Com a embriaguez dos atletas e a barreira linguística não é pouco razoável supor que os atletas tenham interpretado tal ocorrência como roubo ou extorsão. Um deles, ao retornar aos EUA, chegou a postar que entendeu que a exigência de dinheiro lhes formulada por homens armados em trajes civis teria sido uma condição para serem postos em liberdade. Um dos nadadores diz que um dos "seguranças" chegou a mostrar distintivo. Isto lhe teria causado a impressão de falsidade de tal signo da atuação estatal. Somente a compreensão do que seja o patrimonialismo ajuda a esclarecer a prática comum no Brasil, onde se confundem a atuação de agentes públicos e os interesses privados em proveito particular, em prejuízo da república.
A cobertura da mídia foi desproporcional à relevância do fato. A atuação policial e o seu esforço despendido são risíveis considerando que no período das Olimpíadas 23 (vinte e três) agentes da área de segurança foram baleados, sendo dezenove (19) policiais militares, três (03) policiais civis e um (01) policial rodoviário federal, do que resultou na morte de seis (06) agentes. Treze (13) das ocorrências envolveram agentes no exercício de suas funções e sete (07) foram em favelas tidas como "pacificadas".
Tomara que o caso, independentemente da responsabilidade dos atletas, chame a atenção para problemas reais a serem enfrentados. É bom que tal fato tenha acontecido envolvendo atletas olímpicos oriundos dos EUA. Isto chama a atenção para a atuação de "segurança" privada admitida sem regular contratação e sem controle estatal e que se denomina, em muitos casos, como o atuação paramilitar ou milícias. Fosse na periferia, com jovens negros ou pobres, certamente não estariam vivos para suscitar a polêmica e expor parte do Brasil que subsiste sob a indiferença do sistema de justiça e da mídia.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

A morte de Ferreira Gullar


“O poeta morreu. Mas segue insepulto esbravejando contra a esperança. Talvez porque não lhe avisaram do seu falecimento. A noite nos trópicos não lhe tem sido veloz, e ele se arrasta pela escuridão ao lado do passado, também insepulto, que insiste ser presente. O assassinato de índios, de sem-terra e de seus advogados, pelo latifúndio, e a morte de homens analfabetos e negros de vida curta não o sensibilizam mais. O poeta morreu! Um clone seu passeia entre crônicas e colunas, sem querer saber de onde vem a farinha com a qual são feitas coxinhas ou o óleo na qual são fritas”.
Folheando livro presenteado pelo historiador Rubin Aquino por ocasião dos 80 anos de fundação do PCB, na contracapa encontrei poema de Ferreira Gullar, onde dizia que “eles eram poucos e nem puderam cantar alto a Internacional naquela casa de Niterói em 1922. Mas cantaram e fundaram o partido. O PCB não foi o maior partido do Ocidente, nem mesmo do Brasil. Mas quem contar a história de nosso povo e seus heróis tem que falar dele. Ou estará mentindo”. No rádio, Adriana Calcanhotto cantava ‘Vambora’ e falava da noite veloz. Fui à estante procurar Ferreira Gullar, poeta que a inspirara. Ele estava lá, dentro do livro.
Fui apresentado à história por Aquino. Estive no seu funeral. Tenho saudade tanto dele quanto do poeta Ferreira Gullar, para quem “se morro, o universo se apaga como se apagam as coisas deste quarto, se apago a lâmpada”, e que no poema ‘Não há vagas’ disse que o preço do feijão não cabe num poema, nem o funcionário público com seu salário de fome e sua vida fechada em arquivos, nem o operário que esmerilha seu dia de aço e carvão nas oficinas escuras.
Mas no mundo há muitas armadilhas capazes de matar até um poeta. E o que é armadilha pode ser refúgio, e o que é refúgio pode ser armadilha. E o poeta, que era homem comum de carne e memória, de osso e esquecimento, que andava a pé, de ônibus, de taxi, de avião e tinha a vida soprando dentro de si, pânica, feito a chama de um maçarico, perdeu a memória e morreu. Ele escrevera que o açúcar branco adoça o café e Ipanema, sem ser fabricado por quem o consume, vende ou pelo dono da usina. Mas, em instalações escuras, por homens escuros de vida amarga, que não sabem ler e morrem de fome nos canaviais aos 27 anos.
O poeta morreu. Mas segue insepulto esbravejando contra a esperança. Talvez porque não lhe avisaram do seu falecimento. A noite nos trópicos não lhe tem sido veloz, e ele se arrasta pela escuridão ao lado do passado, também insepulto, que insiste ser presente. O assassinato de índios, de sem-terra e de seus advogados, pelo latifúndio, e a morte de homens analfabetos e negros de vida curta não o sensibilizam mais. O poeta morreu! Um clone seu passeia entre crônicas e colunas, sem querer saber de onde vem a farinha com a qual são feitas coxinhas ou o óleo na qual são fritas.