quarta-feira, 22 de novembro de 2017

PM E PRISÕES ADMINISTRATIVAS

“O projeto em tramitação é inconstitucional e, portanto, demagógico. Mas os deputados podem fazer gestão junto ao governador para que tenha a iniciativa”
Tramita na Alerj projeto de decreto legislativo pretendendo revogar o decreto estadual que instituiu o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar (RDPM). O fim da prisão administrativa de policiais militares será a dignificação dos praças, sujeitos ao arbítrio, e o primeiro passo para a desmilitarização da Segurança Pública. Sem o reconhecimento da qualidade de cidadãos aos policiais militares, não é possível que deem tratamento de cidadãos às demais pessoas.
A hierarquia e disciplina não são características da militarização, pois toda a função executiva do Estado deve estar sujeita a tais princípios. O que caracteriza a militarização das polícias é a forma como atuam, em estado de beligerância contra a sociedade tal como se fosse sua inimiga a ser combatida e abatida. Uma polícia cidadã prestará adequadamente serviço à cidadania.
A prisão administrativa de policial militar é autorizada por lei estadual e regulamentada por decreto. O Estado tem competência para organizar seus serviços e pode revogar tais dispositivos. Isto decorre de sua autonomia política. Mas não por decretos legislativos. Estes são atos normativos, com eficácia similar a lei, e somente podem ser expedidos pelas casas legislativas quando tiverem competência exclusiva para a matéria.
Dispõe a Constituição Federal que o presidente da República pode editar medidas provisórias, as quais perderão eficácia se não convertidas em lei no prazo que estipula e que o Congresso Nacional deve disciplinar, por decreto legislativo, os atos praticados durante a vigência da medida provisória que tiver perdido a eficácia. Este é um caso de expressa autorização constitucional para expedição de decreto legislativo. Decreto legislativo não pode ser expedido sempre que os deputados quiserem; é preciso que conheçam as competências e limites.
Em se tratando de norma organizadora de serviço público, a iniciativa deve ser do governador. É o que dispõe a Constituição. O projeto em tramitação é inconstitucional e, portanto, demagógico. Mas os deputados podem fazer gestão junto ao governador para que tenha a iniciativa. Além disto, é preciso pensar o tipo de retribuição administrativa positiva (prêmio), para o policial que executar dignamente suas funções, e negativa (sanção), para o policial que cometer infrações administrativas.


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 18/11/2017, pag. 7. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-11-18/joao-batista-damasceno-pm-e-prisoes-administrativas.html



A AMEAÇA DE SÉRGIO CABRAL AO JUIZ


 “As declarações do ministro da Justiça, Torquato Jardim, nesta semana, sobre critério para escolha de comandantes de batalhões, devem nos preocupar”
Em audiência com Marcelo Bretas, o ex-governador Sérgio Cabral fez referências às atividades comerciais da família do juiz. No filme 'O Poderoso Chefão 3', o mafioso Michael Corleone pergunta ao sobrinho: "O que você está fazendo com minha filha?". E emenda: "É perigoso demais!" Vincenzo pensa que o problema está em namorar a prima, filha do mafioso. Mas conclui: "Vincenzo, quando eles atacarem, atacarão o que você ama".
No início dos anos 80, estudante secundarista que pouco conhecia o Rio, tive um 'amigo' boa-praça, policial militar cordato e educado, acusado de pertencer ao 'Esquadrão da Morte'. Considerei uma injustiça. Fui ao seu julgamento no tribunal do júri e sentei-me ao lado do pai de seu advogado, que de algum modo se tornara amigo das testemunhas de acusação. Mas não ostentava esta qualidade.
Quando a irmã da vítima chegou, ele a abraçou e chamando-a de "minha filha", pediu-lhe que fosse cuidadosa no depoimento, que o réu era bom e não lhe faria mal. Mas os seus amigos poderiam fazer. E concluiu: "Eu não quero que nenhum mal lhe aconteça". A moça, chorando, não fez o reconhecimento do acusado, que foi absolvido. Ninguém que presenciasse a cena poderia imaginar que aquilo era uma ameaça. Mas era.
Afastei-me do 'amigo', mas mantive-me informado sobre o que ele e seus companheiros faziam, contratados por empresários e políticos ou por vezes extorquindo-lhes. Pude compreender o que é a violência policial e seu viés institucional. Mas, naquele tempo, tais grupos era mistos. Incluíam policiais, ex-policiais, bombeiros, militares das Forças Armadas e até civis.
A estatização da violência ilegítima no Rio ocorreu em meados dos anos 90, quando os grupos privados foram presos e eliminados. O tal policial trabalhou por anos na sala de operações do batalhão onde servia, sob acusações de pertencer a grupo de extermínio, mas protegido por seus superiores. Ao fim, foi executado por um colega da corporação, numa disputa por 'área de segurança'.
Em 1995, quando juiz eleitoral em Magé, uma deputada da Baixada Fluminense visitou a casa da minha avó em Minas Gerais e foi ao Fórum me dizer que a conhecera. Minha avó, que faleceu de causa natural no mesmo ano aos 86 anos, ficou encantada com a visita ilustre que tão bem falara do neto. No mesmo período, um político de família conhecida em Magé foi ao meu gabinete e me falou de sua amizade com um desembargador a quem doara um cavalo.
Ao encontrar o desembargador, ele se antecipou dizendo que o tal político era um maluco, que era afilhado de outro desembargador da Administração do Tribunal, e que chegara em sua fazenda com um cavalo de raça, "com certificado e tudo" e lhe presenteara. O que o político me disse, veladamente, era que tinha proteção dentro do tribunal. Não percebi que ambos me ameaçavam. Mas fatos posteriores demonstraram que o faziam.
A atividade comercial da família do juiz Marcelo Bretas, numa loja popular de miçangas, não se relaciona com o comércio de joias valiosas como as adquiridas pelo ex-governador. Da referência se denota que a rotina do juiz e de sua família pode estar sendo rastreada ou monitorada. Quem conhece ou estuda as práticas do submundo é capaz de decodificar seus códigos de comunicação.
O ministro Gilmar Mendes, do STF, deferiu liminar suspendendo a transferência de Sérgio Cabral para outro estado. Efetivamente a transferência pode não implicar maior segurança para o juiz Marcelo Bretas e sua família. As organizações, de diversas naturezas, têm tentáculos e ramificações e a ameaça pode não ser apenas o acusado.
As declarações do ministro da Justiça, Torquato Jardim, nesta semana, sobre critério para escolha de comandantes de batalhões, devem nos preocupar. Não houve referência às titularidades de delegacia de polícia. Nem mesmo de juízes eleitorais. Mas o ministro atua com os órgãos de inteligência e deve saber mais do que falou, contendo-se para não violar sigilos indispensáveis.

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 04/11/2017, pag. 8. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-11-04/joao-batista-damasceno-a-ameaca-de-sergio-cabral-ao-juiz.html



AGENTES DO CAOS E SEGURANÇA PÚBLICA

“O discurso sem a prática correspondente é mera retórica. Quem nunca ocupou cargos pode dizer o que faria ou fará; mas, de quem já os ocupou ou ocupa, não vale o discurso”
Um ciclo de debates sobre a crise no Rio começou dia 16 no campus da Uerj. O seminário inicial foi sobre 'Política de Segurança Pública', tendo na mesa a delegada e deputada Martha Rocha, o ex-comandante da PM e coronel Íbis Pereira e o professor Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da universidade. O seminário pretendia apresentar alternativas para o Rio na área de segurança pública. Mas o caos tem as digitais dos membros da mesa, pois foram partícipes da implementação do modelo falido.
A deputada-delegada Martha Rocha era a chefe da Polícia Civil no governo Cabral. Foi sob sua gestão que os manifestantes das 'Jornadas de Junho de 2013' foram criminalizados, autuados e presos. No dia 20 de junho de 2013, quando a Polícia Militar empreendeu severa repressão a mais de um milhão de pessoas na Avenida Presidente Vargas, dezenas de manifestantes foram presos. O delegado da 5ª DP identificava os manifestantes e os liberava até receber uma visita da hoje deputada. A partir da visita da chefe de Polícia, ninguém mais foi liberado e todos foram autuados por associação criminosa. Não se sabe o que aconteceu no encontro. Registre-se a coincidência.
O coronel Ibis Pereira tem boa formação democrática e bom discurso. Mas comandou a PM também no governo Cabral e não se tem notícia de postura ostensiva contra a política de extermínio e confronto implantada em 2007 e que já vitimou, neste ano, mais de 600 cidadãos e mais de 100 policiais.
O professor Ignácio Cano é um dos ideólogos das UPPs, modelo de ocupação militar e desrespeito aos direitos humanos, que acentuou o confronto e vitima policiais. As UPPs, desde o nascedouro fadadas ao fracasso, consumiram R$ 50 milhões por ano, totalizando cerca de meio bilhão de reais desde a implantação. O projeto caro, ineficaz e promotor da escalada da violência teve orçamento superior ao da Saúde, Educação e saneamento básico.
Só faltaram na mesa o deputado-delegado Zaqueu Teixeira, que foi o secretário de Direitos Humanos de Sérgio Cabral, e Beltrame, que não se sabe por onde anda e aparenta não ter qualquer relação com o atual secretário, que era seu assessor e mantém as políticas em sua gestão estabelecidas.
Se o campo democrático e popular quiser pensar saída para a crise na área de segurança pública, precisa buscar alternativas em outras correntes de pensamento. O Rio precisa responder de maneira eficiente e democrática à crise que se agrava no atual desgoverno, continuidade do governo anterior. Quem ocupa os cargos tem a possibilidade de mostrar o que pensa por meio de ações.
O discurso sem a prática correspondente é mera retórica. Quem nunca ocupou cargos pode dizer o que faria ou fará; mas, de quem já os ocupou ou ocupa, não vale o discurso. O que interessa é que se faz concretamente. E aqueles que construíram o caos na segurança pública não estão legitimados a apresentar qualquer solução, salvo se começarem pela autocrítica e reconhecimento de seus erros.


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 21/10/2017, pag. 8. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-10-21/joao-batista-damasceno-agentes-do-caos-e-seguranca-publica.html



PERÍMETRO DE SEGURANÇA

“Assim como nas ruas laterais à Cidade do Vaticano, os logradouros que ladeiam os órgãos públicos não estão sujeitos à ingerência dos seus 'síndicos'”
A derrocada do Império Romano implicou o fortalecimento do Bispo de Roma, que assumiu poderes e títulos imperiais, dentre os quais o de Sumo Pontífice. Para a reunificação da Itália em 1870 foram anexados, em 1861, os Estados Pontifícios, governados pela Igreja Católica. Em 1929, o fascismo e a Igreja se conciliaram e celebraram o Tratado de Latrão. Foram reconhecidos reciprocamente o Estado da Itália e o Estado da Santa Sé, circunscrito à Cidade do Vaticano.
Mesmo as ruas que a ladeiam e compõem o seu 'perímetro de segurança' estão sujeitas à soberania romana e insuscetíveis de atuação da guarda do Vaticano. Por outro lado, o Estado Italiano nela não adentra, e a Justiça italiana recusa julgar crimes praticados no interior do 'Santo Território'.
Em 1943, com o esfacelamento do fascismo, a Igreja tentou de novo expandir seus domínios. Mas Roma foi ocupada pelos nazistas, e um general alemão informou ao Papa Pio XII que os limites da Cidade do Vaticano não seriam violados e pintou uma faixa no entorno da Cidade do Vaticano.
Um assessor do Papa comentou sobre as boas intenções do militar e ouviu do Papa que aquilo não era um limite que impediria a entrada de soldados, mas um limite territorial ao poder da Igreja. Era limite para quem os queria expandir.
Delimitar zonas de atuação é fundamental para evitar conflitos. Dispõe a Constituição que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Aos particulares é lícito tudo o que a lei não proíbe, assim como estão obrigados a tudo o que a lei manda. É o Estado de Direito. As ruas, praças, estradas e praias são bens de uso comum do povo. Nelas todos podem ir e vir. E até ficar. E, qualquer ordem em contrário, por agente público, caracteriza crime de abuso de autoridade. Com o interior de prédios públicos é diferente, pois estão vinculados à sua finalidade e sujeitos ao domínio direto da Administração Pública.
Assim como nas ruas laterais à Cidade do Vaticano, os logradouros que ladeiam os órgãos públicos não estão sujeitos à ingerência dos seus 'síndicos', qualquer ordem para deles se sair é ilegal, o desatendimento da ordem não é crime de desobediência e ainda caracteriza crime de abuso de autoridade do agente público que a ordenar. O 'perímetro de segurança' a ser defendido é o da segurança jurídica constante na Constituição e que não pode ser violado pelos agentes públicos.



Publicado originariamente no jornal O DIA, em 07/10/2017, pag. 8. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-10-07/joao-batista-damasceno-perimetro-de-seguranca.html

O CONFLITO NA ROCINHA

“Todos os condenados que não morrerem na prisão, assassinados ou de tuberculose, terão que ser libertados um dia”
Em 21 de agosto de 2010, traficantes da Rocinha foram a um baile no Vidigal. Para sua segurança, contrataram os serviços de policiais que se postaram em guarda na Avenida Niemeyer. Ao amanhecer, uma guarnição policial achou estranha a presença dos 'colegas'. Desconfiados, aguardaram a volta dos festeiros e tentaram prendê-los. Contabilidade do tráfico não se guarda em cofre.
Anda em mochila de quem faz a escritura. Assim, os traficantes e seus acompanhantes, acossados pela polícia, entraram no Hotel Intercontinental e buscaram o forno, onde queimaram as provas das atividades. Aí, renderam-se.
Encarcerados em presídio de segurança máxima, não eram apresentados ao Judiciário para julgamento. Após sucessivos adiamentos das audiências, em 19 de dezembro de 2011 foi deferida liminar em habeas corpus aos que não tivessem outro motivo para permanecer presos. Em 13 de março de 2012, a 7ª Câmara Criminal, por unanimidade, referendou a liminar. O major que comandava a UPP da Rocinha protestou e falou de aumento da criminalidade. Notificado a demostrar a relação, culpou o jornalista e, no ano seguinte, foi preso por tortura, morte e desaparecimento do Amarildo.
Um dos soltos naquela ocasião foi Rogério 157, atualmente apontado pela mídia como autor de conflito na Rocinha. Mas, ao tempo da decisão, não respondia a outro processo e era primário. E continua, pois não foi preso, processado ou condenado no período, e o acórdão que o condenou não transitou em julgado.
A mídia, com apoio de fontes internas do Tribunal, atribui o conflito na Rocinha àquela soltura. Mas o que fazer? Não existe prisão perpétua no Brasil, e há prazos a serem cumpridos pelos juízes. Todos os condenados que não morrerem na prisão, assassinados ou de tuberculose, terão que ser libertados um dia.
O que precisa ser explicado é por que a Rocinha, que sempre foi controlada por uma única facção, depois da instalação da UPP passou a ter duas, possibilitando confronto? Por que o magistrado que é fonte do jornalista não debate abertamente o tema, pois foi policial e, quando juiz substituto, se orgulhava da forma como tratava pessoas presas?
Qual o papel da mídia, que apoiou a versão fantasiosa da polícia sobre Amarildo e não questiona o porquê de a polícia não ter prendido Rogério 157 por outro motivo desde sua soltura em 2011? Não teria cometido outro crime? Houve conivência da polícia ou não se trata de pessoa tão perigosa quanto se alardeia?



Publicado originariamente no jornal O DIA, em 23/09/2017, pag. 8. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-09-23/joao-batista-damasceno-o-conflito-na-rocinha.html

ASCENSÃO DO FASCISMO

“No Brasil, a pretexto de combater a corrupção e restabelecer a moralidade, se convulsiona o país, promove-se uma das maiores crises de nossa História e avolumam-se os desempregados e excluídos”
O Brasil vivencia a ascensão do fascismo ou de algo similar que o caracterizava. Mas naquele regime totalitário que suprimia liberdades, tratava os opositores como dissidentes a serem eliminados e aplicava o Direito Penal aos desafetos como se fossem inimigos, o Estado autoritário tinha diretrizes e objetivos nacionais.
No Brasil, a pretexto de combater a corrupção e restabelecer a moralidade, se convulsiona o país, promove-se uma das maiores crises de nossa História, avolumam-se os desempregados e excluídos, as instituições desempenham atividades diversas das suas atribuições legais, e grupos violentos assumem papel de controle social. O país está sem rumo, e o caminho que trilha é o da sua decadência.
No Rio Grande do Sul, uma exposição de artes plásticas foi encerrada antes do prazo previsto, ante manifestação de religiosos e grupos reacionários que vilipendiam a liberdade de manifestação do pensamento.
Intolerantes, avançam sobre as liberdades públicas e pretendem pelo terror impor suas visões retrógradas. Se tais ignorantes do papel da arte visitassem a Capela Sistina, na Cidade do Vaticano, a Galeria Uffizi, em Florença, ou o Museu d'Orsay, em Paris, ficariam horrorizados com o que a humanidade já produziu artisticamente. O caso remonta ao conceito de "arte degenerada" que o nazismo produziu.
No Rio, traficantes obrigam líderes de cultos afros a destruir seus objetos religiosos e a demolir seus terreiros, sob ameaça de morte. Os 'traficoprotestantes' eram estranhos às relações sociais, mas foram muito atuantes na última eleição municipal, quando impediram certos candidatos e partidos de fazer propaganda em determinadas localidades. Na ausência de um poder constituído que garanta a liberdade religiosa, facção rival já anunciou que a garantirá.
Enquanto o Brasil está sendo desmontado, suas riquezas, entregues ao capital internacional, e os direitos trabalhistas e previdenciários revogados, o presidente da República foi denunciado, por formar organização criminosa e atuar para a obstrução da justiça. Além do presidente, seus principais ministros também foram denunciados. O despreparo e indiferença com que os golpistas tratam os direitos do povo pode ser uma bomba-relógio de efeito imprevisível. Mas vai explodir!

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 16/09/2017, pág. 7. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-09-16/joao-batista-damasceno-ascensao-do-fascismo.html



segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Pacto de Caxias



A gravação de conversa com o senador Renan Calheiros, do PMDB, pelo ex-senador Sérgio Machado, do PSDB, registrou proposta de pôr fim às investigações que incriminam até o presidente da República e a formulação de um “Pacto de Caxias”.


Duque de Caxias, patrono do Exército Brasileiro, se notabilizou durante o Império por sufocar rebeliões populares e promover pactos com as oligarquias. Theófilo Otoni, num acordo, foi batido por Caxias na Batalha de Santa Luzia na Revolução Liberal de 1842. A Revolução Farroupilha dos latifundiários gaúchos terminou em acordo em 1845.


Diferentemente, revoltosos populares foram exterminados por Caxias. A imprensa no século 19 saudou o militar quando partiu para a Vila de Iguassu a fim de combater quilombolas.


A criação de Editoria de Guerra por um jornal fluminense para cobrir os confrontos armados envolvendo agentes do Estado e praticantes de crimes, ao invés de ajudar a compreender o processo pelo qual passa a segurança pública no Rio de Janeiro mais serve para encobrir a realidade que permeia tais relações. O que o Rio de Janeiro vivencia não é guerra. Guerra é a condição legal que permite a dois ou mais grupos hostis continuar um conflito pela força armada; guerra é um ato de violência cujo objetivo é forçar o adversário a executar a sua vontade, estabelecendo dominação.


Não é o caso.


Não há guerra, não falta polícia, e esta não está despreparada. As mortes provocadas pela política de confronto não decorrem de falta de polícia. Ao contrário, é presença excessiva de polícia. Não são as drogas, em nome das quais se implementam política de confronto, que matam; são os tiros disparados em seu nome. Pouco se ouve falar em overdose e muito das mortes provocadas pela política de extermínio.


Não há guerra. Há crimes, cujo conceito precisa ser compreendido, assim como as razões pelas quais o Estado se prontifica a combater apenas alguns deles, nas favelas e bairros da periferia.


Nada mais emblemático que, na Semana de Caxias, que agiu contra quilombolas, que o Exército do qual é patrono seja empregado contra seus descendentes nas favelas, para Garantia da Lei e da Ordem. A imprensa, que saudava o patrono naquela época, saúda seu Exército hoje. “Pacto de Caxias” é sinônimo de pacto entre as elites e massacre do povo.


 



Publicado originariamente no jornal O DIA em 26/08/2017, pag. 8. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-08-25/joao-batista-damasceno-pacto-de-caxias.html

Deus, pátria e família


As fundamentações apresentadas por deputados para a autorização de abertura de processo de impeachment da presidenta Dilma, por acusação de ‘pedalada fiscal’, e negativa de autorização para recebimento, no STF, da denúncia apresentada pelo MP contra o acusado Temer, por corrupção, por mais absurdas que pareçam, são adequadas.

Deputados votavam em nome de Deus, da família, da nação, da pátria, do Brasil, do crescimento econômico, além de outros conceitos abstratos e indeterminados. Conceituações abstratas escondem a situação concreta: o presidente nomeou intermediário para receber propina. O intermediário foi flagrado recebendo mala com R$ 500 mil, teve o mandato cassado, devolveu o dinheiro e está preso. Os deputados deveriam analisar, objetivamente, se o fato narrado é crime capaz de justificar processo. Mas a maioria optou por considerações subjetivas.

Justificativas em nome de Deus podem ser sinceras. Afinal, cada um constrói uma imagem de Deus a sua imagem e semelhança. Muitos deputados devem imaginar Deus tão amoral quanto o são.

Os que invocaram a ordem econômica também devem estar certos. Afinal, com a liberação do pagamento da verba das emendas, o que não podem reclamar é do crescimento de seus patrimônios. Se os excluídos continuarão excluídos e faltará dinheiro para programas, como o Bolsa Família, para a Educação ou para os hospitais, pouco lhes importa. Suas economias estarão mais robustas a partir do alinhamento com o Planalto.

Nada mais sincero que o discurso de um parlamentar quando vota em nome da família. Claro que não é de todas as famílias. Mas de suas famílias. O patrimonialismo se caracteriza por processo de apropriação do bem público e somente a ganância e o desejo de propiciar adequada qualidade de vida aos aos familiares e descendência justificam a acumulação pessoal. Mas, também, vagos são os votos em nome do Brasil.

Afinal, que Brasil? O que tem sede ou o que vive da seca? O que tem talher de prata ou o que voltou a passar fome? O dos trens da alegria em Brasília ou o dos trens da SuperVia? O que aconteceu é que uns milionários cansaram de brincar de democracia e pagaram aos deputados para fazer uma estúpida classe média de pato, com direito à camisa amarela da CBF.



Publicado originariamente no jornal O DIA em 12/08/2017, pag. 8. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-08-11/joao-batista-damasceno-deus-patria-e-familia.html

 

O que é ‘Lawfare’?


Em 1898, Campos Sales assumiu a Presidência da República e formulou o arranjo institucional pelo qual o poder central apoiaria as oligarquias estaduais, e estas apoiariam o poder central. A ‘Política dos Governadores’ ou ‘Pacto Coronelista’ durou até 1930. O Poder Judiciário era estadual e servil às oligarquias. Mas Campos Sales contava com um juiz federal por estado, sem vitaliciedade e removível: o “juiz seccional”, responsável pelas questões eleitorais e por pedidos de intervenção quando as oligarquias estaduais bandeassem para a oposição. A polícia era o braço forte da política. A maioria dos chefes de polícia do Distrito Federal do início do século 20 foi nomeada para o STF pelos bons serviços prestados ao poder.

Para perseguir os inimigos, Campos Sales criou o Ministério Público. Até 1988 seus chefes institucionais eram demissíveis pelo chefe do poder a que estivessem vinculados, nem sempre ao Poder Executivo. Sua atuação se traduzia em ‘lawfare’ e chegava a perseguir seus próprios membros se contrariassem interesses das oligarquias, como fez com João Baptista Martins, processado por ter se oposto às bandalheiras de um coronel governista.

‘Lawfare’ é a utilização da lei e dos procedimentos legais pelos agentes do sistema de justiça para perseguir quem seja declarado inimigo. Assim, o sistema jurídico é manipulado para dar aparência de legalidade às perseguições aos adversários. Ao oponente são formuladas acusações frívolas, por vezes apenas para intranquilizar.

Abusa-se do direito para danificar a imagem, deslegitimar as pretensões e desacreditar as afirmações do ‘inimigo’. Ataca-se quem defende a universalização dos direitos comuns a toda pessoa humana e reconhece-se sua titularidade apenas aos ‘cidadãos de bem’ ou aos ‘humanos direitos’. Para o ‘lawfare’, a imprensa é fundamental, e agentes públicos se tornam fontes jornalísticas e, por meio de notas ou vazamentos, buscam influenciar a opinião pública e promover publicidade negativa ou opressiva dos ‘inimigos’.

Mas o que promotores fizeram com a professora Luciana Boiteux e com o diretor de redação do site ‘Justificando’, Brenno Tardelli, por terem criticado abordagem grotesca do tema segurança pública não é caso de ‘lawfare’. É uso indevido das redes sociais para a difusão da cultura do ódio incompatível com o, atual, papel institucional do MP, bem desempenhado por muitos de seus membros.


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 29/07/2017, pag. 8. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-07-28/joao-batista-damasceno-o-que-e-lawfare.html

 

Remição pela leitura


Está em andamento no Estado do Rio projeto de remissão da pena dos condenados a privação de liberdade pela leitura. A exemplo do que ocorre com a remição pelo trabalho, o preso poderá descontar da sua pena dias ocupados com leitura. O projeto é ambicioso e já é executado com êxito em outros estados.

A existência de uma pessoa é finita, assim como são finitas as possibilidades de experiências humanas. Mas a possibilidade de compartilhamento das experiências alheias por meio da literatura é infinita, tanto quanto uma pessoa se disponha a explorar o universo do outro.

O projeto de remissão da pena pela leitura tem várias possibilidades de recuperação. Um traficante da Zona Sul perguntou a um professor se ele lesse Machado de Assis seria uma pessoa melhor. O professor, filho de banqueiro, se dispôs a financiar a leitura das obras pelo traficante, desde que ele se ausentasse do país para fazê-lo. Assim foi feito.

Mas a polícia descobriu que o filho do banqueiro mandava dinheiro para o exterior para custeio do traficante e o indiciou pela assistência material. O traficante foi trazido para o Brasil, preso para cumprimento da pena e posteriormente morto por uma facção rival no Complexo Penitenciário de Bangu.

A leitura pelo preso pode lhe diminuir a ansiedade, pode lhe descortinar novos horizontes; em relação aos presos analfabetos, pode gerar a socialização para a compreensão da história, ao invés da interação para a cogitação ou prática de crimes de dentro do presídio; pode ainda estimular aqueles que não sabem ler, ou não têm o hábito da leitura, a aprender.

Num mundo no qual tudo se tornou veloz e não é possível acompanhar as ocorrências, tampouco as inúmeras informações dos noticiários, a ansiedade e o mal-estar são permanentes. Esta é uma das causas do consumo de drogas variadas, lícitas e ilícitas.

Mas a literatura, além de todos os seus benefícios, pode ser terapêutica. Pode ser meio de convivência com o universo narrado. A literatura pode ser a alma de um mundo sem alma; o coração de um mundo sem coração.

A leitura pelos presos, como forma de remissão da pena, pode ser meio que o sistema carcerário encontrou para devolver à sociedade os presos em melhores condições que da entrada no sistema.



Publicado originariamente no jornal O DIA, em 15/07/2017, pag. 9. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-07-15/joao-batista-damasceno-remissao-pela-leitura.html

terça-feira, 4 de julho de 2017

Sarney e Temer: Sem comparação


Sarney e Temer: Sem comparação

 

O imbróglio no qual os setores mais tacanhos da classe dominante brasileira meteram o Brasil não tem precedente na história. Com o barco afundando, analistas regiamente pagos fazem comparações justificadoras com outros momentos de crise e traçam paralelo com a Era Sarney. Embora somente a palavra ‘lástima’ possa qualificar ambas as gestões, não há paralelo. O único talvez seja o passível de apuração em sede criminal.

 

Sarney começou a vida política na bancada nacionalista e era um dos jovens barulhentos da ‘banda de música’ da UDN. Com o golpe militar-empresarial, fez carreira sob as hostes dos generais. Sobreviveu, cresceu e se reproduziu politicamente. Chegou a presidente do partido do governo e, após seu grupo perder a convenção no PDS para indicação do último candidato a presidente escolhido indiretamente, bandeou para a oposição e se tornou candidato a vice de Tancredo Neves.

 

Seu governo se caracterizou pelo ‘toma-lá-dá-cá’, inclusive de canais de rádio e TV para parlamentares. O país viveu crise intensa e chegou a declarar moratória, ou seja, decretar-se falido.

 

Com base no Plano Cruzado, apoiou candidatos e elegeu governadores, dentre os quais Moreira Franco, no Rio, que — passado o efeito da fraude eleitoral — se afastou, atacando o ministro da Fazenda, Dilson Funaro.

 

Mas, mesmo tibiamente, cumpriu os compromissos assumidos por Tancredo e que não eram seus. Fez a transição. O decano do STF, ministro Celso de Mello, foi indicado em sua gestão; não nomeou amigos ou cúmplices.

 

Diversamente, o presidente Temer é decorativo. Sua vida política é inexpressiva. Sempre foi político sem importância e somente foi eleito deputado federal pelo quociente eleitoral.

 

Ao vilipendiar a Constituição e rasgar o capítulo dos direitos sociais, demonstra que é um golpista que não tem compromisso com acordos firmados, nem com a pauta da eleição que disputou como vice. Com o uso de linguagem empolada, Temer foi capaz de fazer Luana Piovani acreditar que ‘estagnar a economia’ era coisa boa.

 

A história somente se repete como farsa. No caso, não há qualquer semelhança. Sarney guiava um barco avariado para o porto, ante a morte do capitão. O outro assassinou o comandante da embarcação na tempestade e leva o barco para o meio da tormenta.

 


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 01/07/2017, pag. 9. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-06-30/joao-batistas-damasceno-sarney-e-temer-sem-comparacao.html

 

Coronelismo eletrônico


Coronelismo eletrônico
 
Entrevistando um político local, um jovem profissional passou a palavra ao interlocutor e lhe disse que o microfone era todo seu. O entrevistado, tal como um coronel do Brasil rural, retrucou dizendo o microfone era seu, assim como toda a rádio.
 
Diante de um espectro de ondas limitado, os serviços de radiodifusão e TVs são delegados pelo poder público a particulares, sob certas condições. Jornais impressos e blogs não existem sob concessão estatal, e o Estado não lhes pode regulamentar a existência. Sequer o papel para impressão de jornal pode ser tributado.
 
Trata-se de imunidade tributária, limitação constitucional ao poder de tributar. Neste sentido, a liberdade de imprensa é e há de ser absoluta. Mas, em se tratando de serviço delegado pelo poder público, como rádio e TV, a sociedade tem o direito de ver tais serviços regulamentados e exercidos sob controle social.
 
A concessão de rádios e canais de TVs foi meio pelo qual o presidente José Sarney atraiu o Centrão para seu apoio político e garantiu um quinto ano de mandato, quando os constituintes queriam deliberar por quatro anos.
 
A partir de então, o Brasil vive uma farra na concessão de canais de TV e rádio. Apresentadores de rádio e de programas de TV alçaram-se a mandatos graças à visibilidade que tais meios de comunicação de massa lhes possibilitam, e políticos eleitos cuidaram de obter, mediante negociatas envolvendo a atividade parlamentar, concessões para o uso político-eleitoral.
 
Igualmente grupos religiosos em disputa pelo mercado da fé cuidaram de obter concessões de tal serviço público e, por vezes, fazem delas uso não republicano.
 
Há delegatários que jamais entraram numa rádio ou TV, que alugam para terceiros que as exploram economicamente. Empresas deficitárias acabam por depender de custeio público ou de empresários “chantageados para a colaboração”, mediante contratação de tempo ou difusão de comerciais.
 
Grupos que se apoderam de meios de comunicação de massa e os tratam como quintais de suas casas são tão perniciosos à democracia quanto o são os apropriadores dos latifúndios improdutivos mantidos com o apoio de capangas e trocas ilegítimas com o poder político, típicas do fenômeno que caracterizou o pacto coronelista da República Velha.
 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 17/06/2017, pag. 8. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-06-17/joao-batista-damasceno-coronelismo-eletronico.html
 

Diretas já!


Diretas já!

 

A ingovernabilidade e a crise agravadas pelo indiciamento do presidente Michel Temer e da perda da capacidade de sustentação pelo partido do senador Aécio Neves impõem sua renúncia ou impeachment.

 

Outra opção é a perda do mandato por decisão do TSE. Sem base política, indiciado por corrupção e sem aprovação popular, vã será a tentativa de governar. Temer perdeu a capacidade governativa, e o Centrão, bloco de partidos fisiológicos, formado por políticos oportunistas, não será capaz de lhe dar qualquer sustentação.

 

A bravata de que não renunciará demonstra incapacidade de compreensão do cenário político, apego injustificado ao poder e falta de senso de oportunidade de encontrar a melhor e inevitável saída. O noticiário das empresas de comunicação denuncia o presidente decorativo, tal como se fosse um bufão de uma ópera mambembe.

 

A Constituição, ao tratar de impeachment ou renúncia do presidente e do vice-presidente, nos dois anos finais do mandato, dispõe sobre eleição indireta. Mas o afastamento pela justiça eleitoral há de obedecer ao Código Eleitoral, que prevê eleição indireta se a perda do cargo ocorrer nos últimos seis meses. É a redação do Art. 244 do Código Eleitoral discutido no STF em Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo procurador-geral da República.

 

Tal como o programa de governo rejeitado nas urnas, que se pretende implementar, as eleições indiretas são ilegítimas, assim como o Congresso Nacional para este fim, porque emporcalhado pela bandalheira que o ilegitima e lhe retira representatividade para isto.

 

Trata-se do Congresso que cassou uma presidenta eleita sem comprovação de crime de responsabilidade, com membros afastados, presos ou investigados e que protege os seus pares conspurcados por atos de improbidade.

 

Eleição indireta é o triunfo dos interesses ilegítimos que patrocinaram o golpe, notadamente o capital financeiro internacional, e mais um golpe na soberania popular.

 

A saída democrática e legitimadora do governo, seja em caso de impeachment, renúncia ou cassação pelo TSE é a antecipação do pleito de 2018 e realização de eleições diretas gerais e já, reconhecendo o princípio da soberania popular e devolvendo ao povo o poder que dele emana. Mas, o importante mesmo é impedir as reformas que visam a subtrair os direitos dos trabalhadores.

 


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 03/06/2017, pag. 9. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-06-03/joao-batista-damasceno-diretas-ja.html

 

Falando de Direito


Falando de Direito

 

Decorridos 2400 anos da injusta condenação de Sócrates e 2000 anos da de Cristo, ainda não aprendemos que justiça não se confunde com vingança e que a sanha punitiva das massas não é a melhor maneira de fazer julgamentos. Sob a fúria da multidão, muitos inocentes foram mortos ou presos ao longo da história.

 

As fogueiras que se acendiam no final da Idade Média queimaram vivas mulheres sob acusação de feitiçaria. Com o sacrifício da vida alheia, parcela da sociedade expiava seus sentimentos de pecado. Quando a vida média era de 30 anos, idosos eram vistos com desconfiança, pois se acreditava terem pactuado com o diabo.

 

O sentimento momentâneo da população, seja o mesquinho da vingança ou o louvável da ética radical, nem sempre contempla a justiça. Por isso o sistema constitucional instituiu garantias contra a arbitrariedade e limitou a ação do Estado contra os indivíduos. Toda pena somente pode ser imposta após regular processo e ninguém há de ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença condenatória.

 

Afinal, é melhor errar absolvendo um culpado que condenando um inocente. Mas, em momento de irracionalidade fascista, o Estado não só mata, como condena sem prova “porque crimes são cometidos por aí” e alguém há de pagar por eles.

 

Estão na moda as prisões provisórias. São mais de 200 mil no Brasil. Para prender, há juízes que prolatam decisões de dois parágrafos; para não prender, de 10 páginas. É preciso justificar o que deveria ser regra. A racionalidade judicial, com seu sistema de “alegado e provado”, foi substituída pela retórica para justificar o injustificável. A fundamentação das decisões foi substituída por argumentação para convencer, quando o único convencimento visado deve ser o do julgador.

 

Processos midiáticos nos quais se acusam, processam, julgam, condenam e executam sem defesa são incompatíveis com o Estado de Direito. A situação é pior quando a “brincadeira juvenil” é patrocinada por juízes e membros do Ministério Público, como disse um ministro do STF.

 

Mas, até prisão para obrigar colaboração se tem feito no Brasil. Subordinar uma pessoa à prisão para que ela “colabore”, confessando ou delatando, somente tem equivalência com o “pau de arara” praticado por quem não tem o poder de decretar prisão.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 13/05/2017, pag. 9. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-05-13/joao-batista-damasceno-falando-de-direito.html