terça-feira, 4 de julho de 2017

Sarney e Temer: Sem comparação


Sarney e Temer: Sem comparação

 

O imbróglio no qual os setores mais tacanhos da classe dominante brasileira meteram o Brasil não tem precedente na história. Com o barco afundando, analistas regiamente pagos fazem comparações justificadoras com outros momentos de crise e traçam paralelo com a Era Sarney. Embora somente a palavra ‘lástima’ possa qualificar ambas as gestões, não há paralelo. O único talvez seja o passível de apuração em sede criminal.

 

Sarney começou a vida política na bancada nacionalista e era um dos jovens barulhentos da ‘banda de música’ da UDN. Com o golpe militar-empresarial, fez carreira sob as hostes dos generais. Sobreviveu, cresceu e se reproduziu politicamente. Chegou a presidente do partido do governo e, após seu grupo perder a convenção no PDS para indicação do último candidato a presidente escolhido indiretamente, bandeou para a oposição e se tornou candidato a vice de Tancredo Neves.

 

Seu governo se caracterizou pelo ‘toma-lá-dá-cá’, inclusive de canais de rádio e TV para parlamentares. O país viveu crise intensa e chegou a declarar moratória, ou seja, decretar-se falido.

 

Com base no Plano Cruzado, apoiou candidatos e elegeu governadores, dentre os quais Moreira Franco, no Rio, que — passado o efeito da fraude eleitoral — se afastou, atacando o ministro da Fazenda, Dilson Funaro.

 

Mas, mesmo tibiamente, cumpriu os compromissos assumidos por Tancredo e que não eram seus. Fez a transição. O decano do STF, ministro Celso de Mello, foi indicado em sua gestão; não nomeou amigos ou cúmplices.

 

Diversamente, o presidente Temer é decorativo. Sua vida política é inexpressiva. Sempre foi político sem importância e somente foi eleito deputado federal pelo quociente eleitoral.

 

Ao vilipendiar a Constituição e rasgar o capítulo dos direitos sociais, demonstra que é um golpista que não tem compromisso com acordos firmados, nem com a pauta da eleição que disputou como vice. Com o uso de linguagem empolada, Temer foi capaz de fazer Luana Piovani acreditar que ‘estagnar a economia’ era coisa boa.

 

A história somente se repete como farsa. No caso, não há qualquer semelhança. Sarney guiava um barco avariado para o porto, ante a morte do capitão. O outro assassinou o comandante da embarcação na tempestade e leva o barco para o meio da tormenta.

 


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 01/07/2017, pag. 9. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-06-30/joao-batistas-damasceno-sarney-e-temer-sem-comparacao.html

 

Coronelismo eletrônico


Coronelismo eletrônico
 
Entrevistando um político local, um jovem profissional passou a palavra ao interlocutor e lhe disse que o microfone era todo seu. O entrevistado, tal como um coronel do Brasil rural, retrucou dizendo o microfone era seu, assim como toda a rádio.
 
Diante de um espectro de ondas limitado, os serviços de radiodifusão e TVs são delegados pelo poder público a particulares, sob certas condições. Jornais impressos e blogs não existem sob concessão estatal, e o Estado não lhes pode regulamentar a existência. Sequer o papel para impressão de jornal pode ser tributado.
 
Trata-se de imunidade tributária, limitação constitucional ao poder de tributar. Neste sentido, a liberdade de imprensa é e há de ser absoluta. Mas, em se tratando de serviço delegado pelo poder público, como rádio e TV, a sociedade tem o direito de ver tais serviços regulamentados e exercidos sob controle social.
 
A concessão de rádios e canais de TVs foi meio pelo qual o presidente José Sarney atraiu o Centrão para seu apoio político e garantiu um quinto ano de mandato, quando os constituintes queriam deliberar por quatro anos.
 
A partir de então, o Brasil vive uma farra na concessão de canais de TV e rádio. Apresentadores de rádio e de programas de TV alçaram-se a mandatos graças à visibilidade que tais meios de comunicação de massa lhes possibilitam, e políticos eleitos cuidaram de obter, mediante negociatas envolvendo a atividade parlamentar, concessões para o uso político-eleitoral.
 
Igualmente grupos religiosos em disputa pelo mercado da fé cuidaram de obter concessões de tal serviço público e, por vezes, fazem delas uso não republicano.
 
Há delegatários que jamais entraram numa rádio ou TV, que alugam para terceiros que as exploram economicamente. Empresas deficitárias acabam por depender de custeio público ou de empresários “chantageados para a colaboração”, mediante contratação de tempo ou difusão de comerciais.
 
Grupos que se apoderam de meios de comunicação de massa e os tratam como quintais de suas casas são tão perniciosos à democracia quanto o são os apropriadores dos latifúndios improdutivos mantidos com o apoio de capangas e trocas ilegítimas com o poder político, típicas do fenômeno que caracterizou o pacto coronelista da República Velha.
 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 17/06/2017, pag. 8. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-06-17/joao-batista-damasceno-coronelismo-eletronico.html
 

Diretas já!


Diretas já!

 

A ingovernabilidade e a crise agravadas pelo indiciamento do presidente Michel Temer e da perda da capacidade de sustentação pelo partido do senador Aécio Neves impõem sua renúncia ou impeachment.

 

Outra opção é a perda do mandato por decisão do TSE. Sem base política, indiciado por corrupção e sem aprovação popular, vã será a tentativa de governar. Temer perdeu a capacidade governativa, e o Centrão, bloco de partidos fisiológicos, formado por políticos oportunistas, não será capaz de lhe dar qualquer sustentação.

 

A bravata de que não renunciará demonstra incapacidade de compreensão do cenário político, apego injustificado ao poder e falta de senso de oportunidade de encontrar a melhor e inevitável saída. O noticiário das empresas de comunicação denuncia o presidente decorativo, tal como se fosse um bufão de uma ópera mambembe.

 

A Constituição, ao tratar de impeachment ou renúncia do presidente e do vice-presidente, nos dois anos finais do mandato, dispõe sobre eleição indireta. Mas o afastamento pela justiça eleitoral há de obedecer ao Código Eleitoral, que prevê eleição indireta se a perda do cargo ocorrer nos últimos seis meses. É a redação do Art. 244 do Código Eleitoral discutido no STF em Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo procurador-geral da República.

 

Tal como o programa de governo rejeitado nas urnas, que se pretende implementar, as eleições indiretas são ilegítimas, assim como o Congresso Nacional para este fim, porque emporcalhado pela bandalheira que o ilegitima e lhe retira representatividade para isto.

 

Trata-se do Congresso que cassou uma presidenta eleita sem comprovação de crime de responsabilidade, com membros afastados, presos ou investigados e que protege os seus pares conspurcados por atos de improbidade.

 

Eleição indireta é o triunfo dos interesses ilegítimos que patrocinaram o golpe, notadamente o capital financeiro internacional, e mais um golpe na soberania popular.

 

A saída democrática e legitimadora do governo, seja em caso de impeachment, renúncia ou cassação pelo TSE é a antecipação do pleito de 2018 e realização de eleições diretas gerais e já, reconhecendo o princípio da soberania popular e devolvendo ao povo o poder que dele emana. Mas, o importante mesmo é impedir as reformas que visam a subtrair os direitos dos trabalhadores.

 


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 03/06/2017, pag. 9. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-06-03/joao-batista-damasceno-diretas-ja.html

 

Falando de Direito


Falando de Direito

 

Decorridos 2400 anos da injusta condenação de Sócrates e 2000 anos da de Cristo, ainda não aprendemos que justiça não se confunde com vingança e que a sanha punitiva das massas não é a melhor maneira de fazer julgamentos. Sob a fúria da multidão, muitos inocentes foram mortos ou presos ao longo da história.

 

As fogueiras que se acendiam no final da Idade Média queimaram vivas mulheres sob acusação de feitiçaria. Com o sacrifício da vida alheia, parcela da sociedade expiava seus sentimentos de pecado. Quando a vida média era de 30 anos, idosos eram vistos com desconfiança, pois se acreditava terem pactuado com o diabo.

 

O sentimento momentâneo da população, seja o mesquinho da vingança ou o louvável da ética radical, nem sempre contempla a justiça. Por isso o sistema constitucional instituiu garantias contra a arbitrariedade e limitou a ação do Estado contra os indivíduos. Toda pena somente pode ser imposta após regular processo e ninguém há de ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença condenatória.

 

Afinal, é melhor errar absolvendo um culpado que condenando um inocente. Mas, em momento de irracionalidade fascista, o Estado não só mata, como condena sem prova “porque crimes são cometidos por aí” e alguém há de pagar por eles.

 

Estão na moda as prisões provisórias. São mais de 200 mil no Brasil. Para prender, há juízes que prolatam decisões de dois parágrafos; para não prender, de 10 páginas. É preciso justificar o que deveria ser regra. A racionalidade judicial, com seu sistema de “alegado e provado”, foi substituída pela retórica para justificar o injustificável. A fundamentação das decisões foi substituída por argumentação para convencer, quando o único convencimento visado deve ser o do julgador.

 

Processos midiáticos nos quais se acusam, processam, julgam, condenam e executam sem defesa são incompatíveis com o Estado de Direito. A situação é pior quando a “brincadeira juvenil” é patrocinada por juízes e membros do Ministério Público, como disse um ministro do STF.

 

Mas, até prisão para obrigar colaboração se tem feito no Brasil. Subordinar uma pessoa à prisão para que ela “colabore”, confessando ou delatando, somente tem equivalência com o “pau de arara” praticado por quem não tem o poder de decretar prisão.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 13/05/2017, pag. 9. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-05-13/joao-batista-damasceno-falando-de-direito.html

Propaganda enganosa governamental


Propaganda enganosa governamental
 
Dispõe o Código de Defesa do Consumidor que a propaganda faz parte do contrato e obriga o fornecedor. Mas inexiste igual regra no Código Eleitoral. Daí é que a maior das fraudes eleitorais a ilegitimar o processo político brasileiro é a diversidade do que se fala em campanha eleitoral e em propaganda institucional e o que se faz com os direitos dos cidadãos.
 
Em 2002, Lula foi eleito para um programa de governo diferente do que executou quando nomeou o deputado eleito pelo PSDB e ex-presidente do Bank of Boston, Henrique Meirelles, para a Presidência do Banco Central visando a executar política neoliberal derrotada nas urnas.
 
Em 7 de abril de 1931, Dom Pedro II, por contrariar interesses dos brasileiros, sofreu golpe e teve que abdicar. Em 17 de abril de 2016, o golpe na presidenta Dilma foi dado por forças oligárquicas reacionárias e corruptos insatisfeitos com a mão de ferro da presidenta, que se equilibrava entre compromissos políticos, miopia institucional e rigor em desfavor da ‘gatunagem’. O resultado não poderia ser outro. Os interesses ilegítimos se articularam e promoveram o ‘impeachment’.
 
Ainda que se considere o vice-presidente legítimo para suceder em tal circunstância o programa governamental a ser executado, teria que ser o aprovado nas urnas. O que o governo Temer faz é um estelionato político, por estar governando com a base política derrotada nas urnas e implementando projetos rejeitados no processo eleitoral.
 
A Reforma da Previdência, que pretende subtrair dos brasileiros o direito à aposentadoria, a Reforma Trabalhista, que será capaz de precarizar as relações de trabalho e que reduzirá os direitos dos trabalhadores em favor do capital, a entrega do pré-sal às petrolíferas internacionais e a entrega das riquezas das terras indígenas a exploradores inescrupulosos são fatos atentatórios aos direitos do povo brasileiro. Mas o governo mente, a começar por dizer que a CLT é cópia da Carta Del Lavoro de Mussolini. Uma breve consulta na internet mostra a diversidade. As terras indígenas e suas riquezas naturais não são propriedades individuais dos índios que nelas habitam. São terras públicas, titularizadas pela União, e pertencem a todo o povo brasileiro. A propaganda do governo decorre de ignorância ou de fraude.
 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 22/04/2017, pag. 9. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-04-21/joao-batista-damasceno-propaganda-enganosa-governamental.html

Mito, judeu pobre e holocausto






Mito, judeu pobre e holocausto
 
A palestra na Hebraica de deputado cuja atuação expressa a incivilidade e a negação dos valores que nos caracterizam como humanos nos remeteu ao que foi feito com os judeus no nazismo.
 
Que aqueles que patrocinaram o genocídio dos indígenas e dos quilombolas tenham o deputado como mito é compatível com suas crenças intolerantes e seus interesses. Mas o que dizer de um povo cuja perseguição no nazismo será marcada na humanidade como evento que não pode se repetir e que mudou o parâmetro pelo qual se legitimam as atuações dos Estados Nacionais?
 
Por causa deles não se admite soberania nacional ilimitada capaz de negar os direitos mínimos de toda pessoa humana ou grupos minoritários. A maioria já não pode tudo.
 
O deputado apregoa que “bandido bom é bandido morto”. E mesmo quando o Estado mata quem não é bandido a história da pessoa é falsificada para justificar o homicídio.
 
Foi assim com Amarildo. Muitas mães que têm seus filhos mortos buscam na Justiça não a punição dos agentes do Estado que os assassinaram, mas declaração de que seus filhos não tinham envolvimento com crime. Isto porque depois de matar a pessoa a corja desumana mata a dignidade da vítima.
 
A tortura, a morte e o desaparecimento de Amarildo coincidiu com a colocação numa sala do Tribunal de Justiça de um quadro, do cartunista Carlos Latuff, com um homem negro crucificado e assassinado por um agente do Estado. O filho do “deputado hebraico” pediu à presidenta do TJ abertura de procedimento disciplinar contra o juiz.
 
Ela, também filha de policial cuja ficha funcional desconhecemos, atendeu prontamente. Karl Marx, que era judeu, escreveu sobre a questão judaica. Para ele, seu povo não deveria buscar apenas sua libertação, em prejuízo de outros povos.
 
Sob o nazismo, os perseguidos foram os judeus pobres, socialistas e comunistas. Judeus ricos chegaram a obter, por meio de pagamento, certificado de “raça pura” e tratados como arianos. O genocídio foi contra os pobres.
 
No nazismo, o Estado matava judeus pobres e não relacionados. No Brasil matam-se negros pobres não relacionados. Por isso, judeus de classe média, que se acreditam dominantes, são alheios às suas dores e aclamam como mito quem prega a exclusão.
 

Publicado originariamente no jornal O DIA em 08/04/2017, pag. 12. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-04-08/joao-batista-damasceno-mito-judeu-pobre-e-holocausto.html