domingo, 29 de abril de 2018

Marielle: executada por profissionais

Incapaz de solucionar a execução da vereadora Marielle Franco, o Estado opta pelas operações midiáticas. Entrar em favela, deixar corpo no chão ou promover prisões em massa para aparição no noticiário é a especialidade. Causa estranheza que prisão em massa de supostos milicianos não haja entre eles agentes do Estado. A atuação do Estado à margem da lei é o ingrediente principal na produção de justiceiros ou milicianos. O primeiro grupo de homens autorizados a matar, designado 'esquadrão da morte', foi montado em 1957 no Rio de Janeiro e tinha um general no comando. O grupo foi ampliado e o governador Carlos Lacerda o condecorou como 'Homens de ouro da polícia'. Difundiram-se para a repressão política e formaram outros grupos: mãos brancas, grupos de extermínio e justiceiros. Este foi o processo de desenvolvimento do terror paramilitar que hoje se denomina milícia.
Milícia é grupo privado em associação com agentes públicos. A partir de 1995 os grupos privados foram combatidos e ampliada a estatização. Até então "matadores privados" usavam armas apreendidas e acauteladas em cartórios criminais e, para um toque de oficialidade, alguns tinham carteira de oficial de justiça 'ad hoc' que garantia porte de arma. Em tempo anterior, na Baixada Fluminense, um promotor do júri era sócio de um comandante de batalhão de policia numa distribuidora de bebidas. Policiais e ex-policiais faziam a segurança do depósito e nos caminhões de entrega.
Marielle se opunha à truculência do Estado e dos grupos tacitamente legitimados a praticar ilegalidades a pretexto de prestar segurança. Ela não foi vítima de uma bala perdida, atingida durante um assalto ou vitima de feminicídio. Marielle foi executada por mãos profissionais. Somente a interface de agentes do Estado com ex-agentes ou a indústria da morte seria capaz de tal atrocidade.
Numa sociedade marcada pela contraposição do ódio à generosidade, da dieta à fome, da riqueza à pobreza, do latifúndio improdutivo ao sem terra, da especulação urbana imobiliária ao sem teto, Marielle difundia o desejo de viver com abundância. Ela se dispôs a ocupar um lugar que somente numa democracia poderia ser por ela almejado. Os donos das coisas e seus capangas não permitiram o sonho coletivo que ela sintetizava.



Publicado originariamente no jornal O DIA, em 28/04/2018, pag. 11. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2018/04/5535357-marielle-executada-por-profissionais.html#foto=1

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Resistência Lírica: Fascistas sem limites

Resistência Lírica: Fascistas sem limites: As ocorrências violentas contra a caravana do ex-presidente Lula somente têm precedente nos piores momentos da nossa história. Parcel...

Fascistas sem limites



As ocorrências violentas contra a caravana do ex-presidente Lula somente têm precedente nos piores momentos da nossa história. Parcela da mídia corporativa minimiza as ocorrências. Mas, é grave. Quando trabalhadores rurais sem-terra fazem caminhadas com seus instrumentos de trabalho são tratados como grupo violento e armado e o assunto, noticiado ao lado de crimes. Mas, os senhores rurais e do "mercado de terra" obstruem as vias públicas com seus tratores e caminhonetes financiadas por crédito rural público, atiram objetos na caravana e são tratados como manifestantes. Uma senadora sulista parabenizou os vândalos e no dia seguinte a caravana foi alvejada por tiros.
Em sua campanha abolicionista, Silva Jardim não podia falar em algumas cidades. Em outras conseguia falar, mas não ficar, sob pena de incêndio da casa que o hospedasse. A abolição da escravatura e a proclamação da República não resolveram os problemas e Silva Jardim, desgostoso, viajou para a Itália e caiu no vulcão Vesúvio. Para mim, foi suicídio.
É preciso viver para resistir à ressurreição do fascismo. Não passarão! E não serão as flores que vencerão as milícias rurais. Será preciso opor-lhes a força com a legalidade. Os que se assenhoraram das terras não desejam a felicidade e a paz. O que querem é impor a quietude dos cemitérios, a fim de manterem o país da desigualdade. Não são nacionalistas. Se agarram à bandeira do Brasil, mas entregam as riquezas nacionais ao capital internacional; odeiam o povo brasileiro e têm Miami como referência de vida; falam que o país é pacífico, mas são os patrocinadores das execuções no campo e na cidade. A execução de Marielle é parte desta truculência de classe.
O atentado à democracia e rejeição à vontade popular estava expresso no noticiário televiso em 2010. A propaganda eleitoral em forma de jornalismo foi escancarada naquele ano. Nos dias 20 a 22 de outubro de 2010, um casal televisivo, com caras e bocas, promoveu narrativas sobrepondo imagens de um conflito de rua no qual o candidato José Serra teria sofrido um atentado por militantes do PT. Após esclarecimento que eram funcionários da Funasa que protestavam e atiraram uma bolinha de papel no candidato, o noticiário não mais tratou da questão a partir do dia 23. Omitir, ampliar ou minimizar ocorrências é parte do padrão de manipulação da mídia corporativa.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 31/03/2018. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2018/03/5526999-fascistas-sem-limites.html