“O Parlamento, em nome da sua grandeza, não pode admitir que suas
tribunas sejam usadas para o vilipêndio à dignidade humana. As filhas solteiras
de militares hão de eleger pessoa mais qualificada para lhes defender a
indecência do pensionamento para a solteirice. Se do fato não resultar
reconhecimento de falta de decoro, o Congresso estará inabilitado para qualquer
cassação futura sob este fundamento”.
Parlamentar cuja
atuação se destaca pela homofobia, proselitismo contra os direitos da pessoa
humana, defesa das truculências da ditadura empresarial-militar e discurso pela
manutenção do pensionamento para as filhas solteiras de militares protagonizou
esta semana apologia de violência contra mulheres enquanto ocupava a tribuna da
Câmara dos Deputados.
O tribuno disse que
não estupraria sua colega parlamentar por ela não merecer, naturalizando a
violência contra as mulheres e demonstrando que seu limite para a transgressão
é a falta de reconhecimento de atributo da pessoa a agredir. Faltou ao
deputado, também, o reconhecimento dos limites éticos da convivência humana e
dos parâmetros do Estado de Direito.
Milhões de mulheres
sofrem violência diariamente, por desqualificação, agressão, tortura e estupro.
O Estado brasileiro é signatário de diversos tratados para combate à violência
contra as mulheres. Na ordem interna muitos têm sido os esforços para buscar o
fim das violações, como a Lei Maria da Penha.
Rusgas de
parlamentares pelos corredores ou nas ruas durante campanhas eleitorais podem
não constituir fato significativo de comportamento exigido de parlamentar,
ainda que urbanidade de todos seja exigível. Mas a ocupação da tribuna da
Câmara para a pregação da violência não é outra coisa senão quebra de decoro
parlamentar.
A ocupação de cargo
político exige responsabilidade e comportamento compatível. Daí é que a
cassação por falta de decoro é imperativa. Não se trata de punição, tal como as
decorrentes de condutas aferidas em processos criminais. Mas responsabilização
por inadequação de conduta para o cargo. Um médico que sonega imposto pode
continuar sendo um grande médico, e a cobrança do tributo ser feita em esfera
distinta da atividade profissional. Mas um fiscal da Receita que faz a mesma
coisa se inabilita para a função que desempenha.
O Parlamento, em
nome da sua grandeza, não pode admitir que suas tribunas sejam usadas para o
vilipêndio à dignidade humana. As filhas solteiras de militares hão de eleger
pessoa mais qualificada para lhes defender a indecência do pensionamento para a
solteirice. Se do fato não resultar reconhecimento de falta de decoro, o
Congresso estará inabilitado para qualquer cassação futura sob este fundamento.
Fonte: Publicado
originariamente no jornal O DIA, em 13/12/2014, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-12-14/joao-batista-damasceno-decoro-parlamentar.html