Existe algo chamado Lei Orgânica da Magistratura Nacional/LOMAN (Lei Complementar 35/79, editada no dia 14/03/1979). Foi a última lei editada pelo general-presidente Ernesto Geisel. Existe também o Estatuto da Magistratura. Ambos impõem normas de comportamento aos juízes. Mas, nem sempre são direcionados a todos e, por vezes, são instrumentos da seletividade persecutória. Eu posso atestar isto. A ex-esposa do ex-procurador geral de justiça do Estado do Rio de Janeiro, MARFAN MARTINS VIEIRA, nomeada desembargadora do tribunal de justiça do Rio de Janeiro pelo Quinto Constitucional, perdeu a oportunidade de pensar antes de lançar aleivosias nas redes sociais. Não se trata de desembargadora de carreira. Não fez concurso para a magistratura. Foi nomeada pelo governador, pelo Quinto Constitucional, quando seu ex-marido MARFAN MARTINS VIEIRA era Procurador Geral de Justiça do Rio de Janeiro (chefe institucional do Ministério Público fluminense).
Se não tivesse a obrigação de conhecer o ordenamento jurídico deveria ter a civilidade necessária para respeitar a memória da vitima de uma bárbara execução, bem como os seus familiares e amigos. Esta senhora foi promotora de justiça. Não sei que tipo de trabalho ela fez. A acusação constitui crime contra a honra da Marielle. Dizer que ela "foi eleita pelo Comando Vermelho" é imputação de fato falso e criminoso. O art. 138, § 2º do Código Penal tipifica a calúnia contra os mortos. Os familiares podem demandar criminalmente e civilmente. Caberá à desembargadora provar o que afirma.
IMPETRANTE:
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (NÚCLEO DE DEFESA DOS DIREITOS
HUMANOS/NUDEDH, NÚCLEO CONTRA A DESIGUALDADE RACIAL/NUCORA e COORDENAÇÃO DE
DEFESA CRIMINAL).
PACIENTES: Cidadãos
e cidadãs domiciliados nas favelas do JACAREZINHO (nas localidades conhecidas
como Vasco, Azul, Fundão, Esperança, Cruzeiro, Praça XV, Estuba, Concórdia,
Pontilhão e Abóbora), MANGUINHOS, MANDELA, BANDEIRA 2 e Conjunto Habitacional
Morar Carioca/Triagem.
AUTORIDADE COATORA:
JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU DO PLANTÃO NOTURNO DA COMARCA DA CAPITAL/RJ DO DIA
16/08/2017.
DECISÃO
A DEFENSORIA PÚBLICA DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO (NÚCLEO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS/NUDEDH, NÚCLEO
CONTRA A DESIGUALDADE RACIAL/NUCORA e COORDENAÇÃO DE DEFESA CRIMINAL) impetra habeas
corpus, com pedido de liminar, em favor dos Cidadãos e cidadãs
domiciliados nas favelas do JACAREZINHO (nas localidades conhecidas como
Vasco, Azul, Fundão, Esperança, Cruzeiro, Praça XV, Estuba, Concórdia,
Pontilhão e Abóbora), MANGUINHOS, MANDELA, BANDEIRA 2 e Conjunto
Habitacional Morar Carioca/Triagem apontando como autoridade coatora o JUÍZO
DE PRIMEIRO GRAU DO PLANTÃO NOTURNO DA COMARCA DA CAPITAL/RJDO DIA 16/08/2017.
Alega que
no dia 11/08/2017 cerca de 200 homens da Delegacia de Combate às Drogas e de
outras especializadas, além da Força Nacional buscavam cumprir dois mandados de
prisão, além de impactar o tráfico de drogas.
Que de uma
troca de tiros resultou a morte de um policial.
Que
comentário em rede social “Facebook” provocou a ira e a indignação de policiais
e narra entrevistas concedidas por autoridades policiais no sentido da vingança
da ocorrência.
Que no dia
11/08/2017, “com surpreendente celeridade” os Delegados de Polícia da DCOD
submeteram ao plantão noturno pedido de prisão temporária dos suspeitos do
homicídio, bem como pedido de busca e apreensão domiciliar generalizada no
Jacarezinho, Bandeira 2 e Conjunto Habitacional Morar Carioca de Triagem.
Que o
Ministério Público opinou no sentido de que as áreas nas quais se pretendiam a
busca e apreensão eram “relativamente
grandes e densamente povoadas”. No mesmo sentido decidiu a juíza de plantão
naquela data, ressaltando o risco para os moradores das referidas áreas.
O feito
0204906-51.2017.8.19.0001 foi distribuído ao juízo da 39ª Vara Criminal em
14/08/2017.
No dia
16/08/2017, pela terceira vez, a autoridade policial buscou junto ao plantão
noturno o deferimento de mandado de busca e apreensão genérico, o que
finalmente foi deferido.
Que “as
ações de vingança pela morte do policial do CORE contabilizam-se pelo menos sete
civis mortos, dentre as quais três pessoas comprovadamente não
envolvidas nos conflitos com os agentes da lei”.
Que durante
os últimos 12 dias milhares de alunos de escolas na região tiveram as aulas
suspensas (mais precisamente 26.975 ficaram sem aulas e 64 unidades escolares
fecharam) e outros serviços como a coleta de lixo, postos de saúde e transporte
foram afetados.
Que o
plantão noturno de 2º grau é competente para apreciar o pedido de habeas corpus e que o ato ilegal atacado
foi proferido pelo plantão judiciário de 16/08/2017 e até o presente momento
não foi distribuído ao Juiz Natural.
Que o habeas corpus coletivo é cabível em tal
caso.
Que o
mandado de busca e apreensão domiciliar coletivo se traduz em coação ilegal.
Invoca a
Convenção Americana de Direitos Humanos, o art. 5º, X e XI da Constituição da
República e diz que o mandado de busca e apreensão genérico violado o disposto
no art. 243, I do CPP.
Diz que “o
feixe de violações às normas mencionadas é evidente. Evidente é também o
fato de que a maioria das áreas objeto das diligências não é alvo da
persecução penal da qual se origina a ordem que pode lhes afetar. As
diligências autorizadas de modo largo e ilimitado autorizam a conclusão de que
essa maioria indeterminada deve star a salvo de ‘ingerências arbitrárias ou
abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua
correspondência...”.
Ao final
diz que “qualquer dos moradores das áreas afetadas pelas diligências podem ser
surpreendidos pelas forças militarizadas responsáveis por seu cumprimento,
sendo certo que não hã limites minimamente precisos (temporais, geográficos
e de objeto), o que pode dar azo a verdadeiras devassas em residências e na
vida privada. O periculum in mora é
ainda mais evidente”.
Requereu
seja concedida ordem liminar de SUSPENSÃO IMEDIATA do cumprimento do mandado
expedido pelo juízo plantonista intimando-se urgentemente as autoridades
policiais responsáveis pelo comando da operação no local, por meio de Oficial
de Justiça”.
A inicial
veio acompanhada com cópia da representação da autoridade policial,
manifestação do Ministério Público no sentido do indeferimento da pretensão,
decisão em sede plantão que indeferiu a expedição de mandado de busca e
apreensão genérico em 12/08/2017, representação da autoridade policial em
14/08/2017 dirigida ao juízo da 39ª Vara Criminal, despacho de declínio de
competência do juízo da 39ª Vara Criminal datado de 15/08/2017, terceira
representação da autoridade policial postulando deferimento de mandado de busca
e apreensão genérico no dia 15/08/2017 e decisão da juíza plantonista do dia
16/08/2017 deferindo a medida requerida.
Veio
igualmente acompanhando a inicial peças de procedimentos policiais decorrentes
das incursões, fotografias e matérias jornalísticas alusivas à execução do
mandado.
É O RELATÓRIO.
DECIDO.
Dispõe o art. Art. 654 do CPP que “o habeas
corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem,
bem como pelo Ministério Público”.
A Defensoria Pública é órgão estatal titular do
direito de impetração de habeas corpus em
favor daquele em nome de quem atue.
Dispõe o § 1o do referido
artigo que “a petição de habeas corpus conterá a) o nome da pessoa que
sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação e o de quem exercer a
violência, coação ou ameaça; b) a declaração da espécie de constrangimento ou,
em caso de simples ameaça de coação, as razões em que funda o seu temor; c) a
assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo, quando não souber ou não
puder escrever, e a designação das respectivas residências”.
As pessoas que estão sofrendo a coação, violência e
ameaça estão suficientemente elencadas na inicial, quais sejam, os cidadãos e
cidadãs que habitam nas áreas para onde foi deferido o mandado de busca e
apreensão genérico.
O noturno de 2º grau é
competente para apreciar o pedido de habeas
corpus uma vez que não há feito distribuído em 2º grau.
O ato ilegal atacado foi
proferido pelo plantão judiciário de 16/08/2017 e até o presente momento não
foi distribuído ao Juiz Natural, razão pela qual o juízo que expediu a ordem
impugnada está adequadamente indicado como autoridade coatora.
O plantão judiciário noturno
não se traduz em órgão jurisdicional permanente. O órgão jurisdicional
competente é o designado, de acordo com tabela elaborada pelo Tribunal de
Justiça. No caso, a autoridade coatora é o juízo plantonista no dia em que o
ato impugnado foi editado.
Que o habeas corpus coletivo é cabível em tal caso.
Dispõe a Constituição da República em seu art. 5º,
LXVIII que ”conceder-se-á
habeas corpus sempre que alguém
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de
locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
Presentes os requisitos objetivos e subjetivos para
manejo da ação de habeas corpus.
Passemos à análise da decisão contra a qual se insurge a impetrante.
Foi deferido mandado de busca e apreensão de forma
genérica para as seguintes localidades:
A ilustre juíza prolatora da decisão inicia seu
despacho se referindo às localidades onde se desenvolveriam tais diligências
narrando que “policiais desta delegacia [sic] foram atacados com o uso de um artefato incendiário”. Fundamenta sua
decisão em relatório de autoridade policial dizendo que “o desdobramento da
presente operação possibilitará a investigação de outros crimes ocorridos,
tentativa e homicídio qualificado, tráfico de drogas e associação ao tráfico
(...), bem como o crime de resistência qualificada (...), na medida em que,
tais ações, têm por finalidade intimidar as forças de segurança do Estado e
provocar a morte de agentes públicos”. De antemão já se depreende que não
se trata de inquérito para a apuração de fato específico. Mas, de devassa para
apurar quaisquer fatos ocorridos ou outros imaginados.
Em seguida narra a ilustre magistrada “que houve novos ataques na tarde do dia
15/08/2017 o que levou esta delegacia [sic] a desmembrar o procedimento original que se
encontra enviado à justiça, para através deste procedimento investigar estes
novos delitos...”.
Alheio ao locus
de se coloca a magistrada, tal como se estivesse em sede policial, é
emblemático que tendo sido instaurado procedimento policial e tentado a busca e
apreensão genérica e o feito distribuído a juízo no âmbito da Comarca da
Capital o inquérito tenha sido desmembrando possibilitando novo despacho em
plantão judicial noturno, quando foi deferido o pedido de busca e apreensão.
O desmembramento do inquérito
não pode suprimir a competência originária e ensejar nova distribuição a outro
juízo, fraudando o princípio do juiz natural. Desmembrado o inquérito, os
procedimentos dele decorrentes devem ser encaminhados ao juízo originário que
poderá apreciar sua competência para todos eles ou declinar da competência.
Narra a decisão que “chegou através de ‘WhatsApp’, a informação
de que, diante da trágica morte de um pai de família, policial civil dos mais honrados,
que o tráfico local organizara um BAILE FUNK EM COMEMORAÇÃO À MORTE DESTE
POLICIAL DA CORE”. A decisão não descreve quem recebeu a mensagem, não
transcreve seu conteúdo e não indica o número do aparelho celular de onde teria
sido enviada. Mas, faz constar que “de
posse de tal informação, organizou-se uma operação em poucas horas que contou
com o grupo formado por policiais voluntários de várias delegacias
especializadas como também de forças amigas como a POLICIA FEDERAL e POLICIA
RODOVIÁRIA FEDERAL, através de suas equipes de elite”. O fato narrado
merece apuração pelo Ministério Público. A atuação voluntária de grupos
formados por “forças amigas”, sem comando institucional, denota anomalia no
funcionamento do sistema de segurança e descontrole compatível com o caos
administrativo que vivencia o Estado do Rio de Janeiro. A mais remota notícia
de ‘caçada’ desta natureza resultou no assassinato de Manoel Moreira, mais conhecido como Cara
de Cavalo, em 03/10/1964, acusado do assassinato do polical Milton Le Cocq.
Posteriormente se descobriu que as dezenas de tiros disparados por policiais de
instituições diversas, e até por ‘repórteres policiais’ contra Cara de Cavalo
vitimou pessoa que não era o autor da morte do detetive. Mas, de tal junção de
‘forças amigas’ resultou numa organização policial clandestina, criada para
vingar tal morte, e que continuou atuando no Rio de Janeiro e Espírito Santo
durante os anos de chumbo até data recente.
Diz a ilustre magistrada
plantonista que “esclarece Autoridade
representante, que após análise profunda das informações de inteligência,
verificou-se que os pontos principais da diligência pretendida – busca e
apreensão – são:”. Em seguida passa a detalhar as comunidades e localidades
a serem objeto das buscas.
Em distintos parágrafos a
decisão faz alusões a “informes de
inteligência” (§ 7º), “trabalho de
inteligência” (§ 18), e se chega a narrar “análise profunda das informações de inteligência” (§ 21). Ora, a
existência de tais atividades profundas dos serviços de inteligência dispensa o
deferimento de tal gravosa ordem de busca e apreensão genérica, podendo atender
ao comando legal de especificação da moradia a ser legalmente molestada.
Diz a decisão que “nos sistemas normativos jurídicos, na
hipótese de perturbação interna ou externas, é exigível a estabilização por
regras de calibração que permitem [SIC]
um câmbio momentâneo de padrão de funcionamento em troca da manutenção do
sistema normativo jurídico: de um padrão de legalidade passa-se a um padrão de
efetividade, voltando-se me [SIC]
seguida, ao padrão de legalidade”.
Aparentemente o que se depreende de tal texto é que em determinados lugares ou
determinados momentos os agentes públicos estariam autorizados a atuar à margem
da lei, o que não se permite aos demais membros da sociedade.
Dispõe o art. da Constituição que “A
República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito
e tem como fundamentos”, dentre outros, a cidadania. No Estado de Direito o
aparato legal se consubstancia numa estrutura garantista das liberdades em face
das opressões, inclusive do Estado, limitando sua intervenção na esfera de
liberdade e na vida privada. Diversamente, os modelos autoritários, dentre os
quais se incluem os Estados Policiais, inexistem limites para a intervenção
estatal na vida dos cidadãos e tudo pode ser realizado em nome de conceitos
indeterminados como “interesse público”.
Mas, num Estado de Direito em
momento algum os agentes públicos estão autorizados a saírem do “padrão de legalidade” e passarem a um “padrão de efetividade”, sob pena de se
igualarem aos que à margem da lei são alvos da ação do Estado. Afinal, à margem
da lei todos são marginais.
Em outro trecho diz a ilustre
magistrada que “num quadro de
instabilidade fática, a insistência em uma interpretação meramente dogmática,
não zetética, ocasionará a ruptura do sistema normativo, pela desconfirmação,
deslegitimação das normas, em especiais penais, com a consequente revolução”.
Mas, não se afirma a ordem juridica negando sua existência. Não se afirma o
Estado de Direito atuando contrariamente ao ordenamento jurídico. Juízes não
estão autorizados a atuar à margem da lei. Igualmente não detêm o poder de autorizar
que outros atuem marginalmente à lei, ainda que movidos com boas intenções.
As matérias de jornal citadas
na decisão para justificar a concepção de “revolução
da delinquência” não podem se sobrepor à ordem jurídica e afrontar
textualmente a Constituição da República.
Em outro trecho faz-se
referência aos “becos aleatórios e
acidentados” das favelas e bairros da periferia onde o mandado de busca e
apreensão genérico há de ser cumprido. A generalização que até então era
juridica transmudou-se para generalização geográfica, pois as áreas referidas
no mandado são planas. Mas, pelo visto trata-se de decisão inspirada nas
incursões em favelas situadas nos morros da cidade.
A decisão judicial que
deferiu mandado de busca e apreensão genérico em quase todas as localidades da
comunidade do Jacarezinho, da comunidade Bandeira 2 e de todo do Conjunto
Habitacional Morar Carioca em Triagem é flagrantemente contrária à lei e à
Constituição da República.
Dispõe o art. 240 do Código de Processo Penal sobre a
possibilidade de busca domiciliar ou pessoal. O § 1o do referido artigo dispõe que a busca
domiciliar será autorizada quando houver fundadas razões que a autorizem e deve
ter as seguintes finalidades: a) prender criminosos; b) apreender coisas
achadas ou obtidas por meios criminosos; c) apreender instrumentos de
falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; d)
apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou
destinados a fim delituoso; e) descobrir objetos necessários à prova de
infração ou à defesa do réu; f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao
acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu
conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; g) apreender pessoas vítimas de
crimes; h) colher qualquer elemento de convicção.
Visando a apreender coisas achadas ou obtidas por
meios criminosos; apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e
objetos falsificados ou contrafeitos; apreender armas e munições, instrumentos
utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso; descobrir objetos
necessários à prova de infração ou à defesa do réu; apreender cartas, abertas
ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento
do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato e colher qualquer elemento
de convicção é admissível também a busca pessoal conhecida como “revista à
pessoa”.
Mas, seja na busca domiciliar ou na busca pessoal não
bastam meras suspeitas. A lei exige fundadas razões, ou seja, a presença de
elementos suficientes que denotem que determinado domicílio ou pessoa possam
ser objeto da elucidação de fato especificamente narrado. Não bastam
generalizações abstratas de “combate ao crime” ou “guerra ao tráfico” ou
“impedimento de futuro caos”.
Dispõe o art. 243 do CPP que o mandado de busca deverá
“indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a
diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca
pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a
identifiquem”.
Se há determinação legal para especificação da casa
onde há de ser realizada a diligência o mandado genérico se traduz numa
ilegalidade.
Por outro lado, o § 2o do
referido artigo dispõe que “não será permitida a apreensão de documento em
poder do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de
delito”. Assim, o mandado de busca pessoal não compreende o poder de retenção
de coisas. Nem mesmo do aparelho celular, salvo se do mandado constar sua
possibilidade.
O mandado de busca genérico em diversas favelas e
bairros da periferia e a autorização para apreensão de tantos celulares quantos
forem encontrados com os moradores de tais áreas é grave violação à ordem
jurídica.
Temos naturalizado a prática ilegal das “revistas
pessoais” e que no presente momento têm sido executadas – ao arrepio do art.
142 da Constituição da República - até mesmo pelo Exército Brasileiro em mães e
crianças em portas de escolas, conforme fotografias e filmes que se difundem
socialmente. Mas, o art. 244 do CPP dispõe que “a busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando
houver fundada suspeita de que a
pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam
corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca
domiciliar”. G.N. Portanto, a busca pessoal não se legitima com a mera
suspeição ou quando indistintamente realizada. A lei exige que a suspeição
fundamentada e a presença dos requisitos que elenca.
Se a lei determina que mandado judicial para busca
domiciliar somente seja deferido quando houver “fundadas razões”, para procurar pessoas, coisas ou objetos, que
tenham relação com fato concreto descrito não pode ser deferido se não estiver presente
tal requisito. As “fundadas razões” tratadas como requisito no art. 244 do CPP
não se confundem com “meras suspeitas”
pelo fato de serem todos os moradores das favelas similares em suas condições
precárias de vida. Há que se ter motivos concretos, fortes indícios da
existência de elementos de convicção (seja da acusação, ou da defesa), que se
possam achar na casa, a qual se pretenda adentrar. No caso em análise, sequer
há que se falar em suspeita
Dispõe o § 2º do art. 245 sobre a possibilidade de arrombamento
de portas e entrada forçada para a busca domiciliar, quando houver resistência
ao cumprimento do mandado legalmente expedido. E no interior do domicílio é
autorizado o emprego da força contra coisas existentes, para o descobrimento do
que se procura, e o morador não dispuser atender à busca. Desta forma, o “pé na
porta dos barracos” não está autorizado legalmente se o morador atender à
determinação de franqueamento do domicílio específico onde houver que se
realizar a busca. Igualmente não está legalmente autorizado o “sacode” que se
traduz no ato de jogar todas as coisas do morador no chão e por vezes até
misturando os gêneros alimentícios, alguns dos quais de impossível separação
como sal e açúcar.
Mesmos as buscas em compartimento habitado ou em
aposento ocupado de habitação coletiva ou em compartimento não aberto ao
público, onde alguém exercer profissão ou atividade deve atender aos requisitos
dispostos para a busca domiciliar. É o que dispõe o art. 246 do CPP.
Dispõe o art. 248 do CPP que “em casa habitada, a busca será feita de modo que não moleste os
moradores mais do que o indispensável para o êxito da diligência”. A
autorização para busca domiciliar não se pode traduzir em ato de “vandalismo
oficial” contra a casa especificamente descrita no mandado, nem incômodo
desnecessário aos moradores. O mandado genérico direcionado à integralidade das
casas situadas em favelas, em comunidades existentes no seu seio e em bairros
da periferia não só provoca o incômodo generalizado no âmbito de tais moradias
quanto no cotidiano das próprias comunidades.
Diversamente do que se difunde por fotografias e
vídeos, que se traduz em fato notório e portando de comprovação inexigível,
dispõe o art. 249 do CPP que a busca em mulher será feita por outra
mulher. O mandado genérico de busca domiciliar e pessoal não ressalva tal
direito à intimidade das mulheres que moram nas favelas e o que se tem visto
são abusos que tangenciam a bolinação praticados por homens fardados e
fortemente armados contra mulheres com seus filhos no colo ou com avós e seus
netos a caminho de creches, escolas ou supermercados.
Por seu turno, dispõe a
Constituição da República em seu art. 5º, XI que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar
sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou
para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
Por expresso mandamento
constitucional a moradia é inviolável. Somente em três situações se autoriza a
entrada sem o consentimento do morador: 1) em de caso de flagrante delito ou
desastre; 2) para prestar socorro e 3) por determinação judicial.
Incabível o fundamento de que “a representação pela busca e apreensão
residencial, segundo a Carta Magna, em seu art. 5º, inciso XI, a casa é o asilo
inviolável do indivíduo, razão pela qual a própria Lei Maior estipula em que
casos excepcionalíssimos essa garantia individual poderá ser suplantada pelo
interesse coletivo”. Ora, a própria decisão reconhece que somente nos três
casos excepcionados na Constituição a regra da inviolabilidade do domicílio é
excepcionada. E uma delas é a determinação judicial precisamente regulamentada
pela lei ordinária. Fora disto, o que se tem é abuso de autoridade.
A determinação judicial aludida na Constituição,
nos expressos casos regulamentados no art. 240 e seguintes do CPP, não se pode
traduzir em autorização para devassas ou buscas indiscriminadas.
É inconcebível que a “para o sucesso da investigação criminal,
sobrepondo-se o Interesse Público, no presente caso, ao Interesse Particular, o
que legitima a presente decisão, até porque o procedimento revela a prática de
crimes graves, hediondos, que, inclusive, ocasionaram a morte do policial BRUNO
GUIMARÃES GUHLER, no dia 11.08.2017”. Ao contrário do que se afirma na
decisão o sistema de garantias constitucionais se impõe precisamente em favor
do indivíduo contra o Estado e sua atuação em prol do indeterminado conceito de
interesse público, contra interesses do poder econômico e mesmo de maiorias circunstanciais.
Daí é que inscritos no título dos direitos e garantias fundamentais, no
capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos.
A inviolabilidade do domicílio é
direito individual fundamental garantido por mandado de segurança ou habeas corpus
oponível aos agentes públicos, mesmo quando atuem fundados em suposto interesse
público. O sistema de garantia constitucional consagra o direito do indivíduo
contra as maiorias e o Estado e não se pode atuar além das exceções dispostas
constitucionalmente, sob pena de violação da ordem legal.
É falaciosa a fundamentação de que
“aos moradores do jacaré [SIC], para além
do direito da inviolabilidade do domicílio, deve ser garantido o direito à
segurança pública e o direito à liberdade, cerceados pela nefasta organização
criminosa”. Não se pode pretender suprimir direito de quem o detenha a
pretexto de garantir outros direitos. A “liberdade” e a “segurança pública”
prometidas com a violação do direito constitucional de inviolabilidade de
domicílio se traduz em figura retórica, pois se sacrifica um direito concreto
em prol de uma abstração.
Além disto, a busca e apreensão
autorizadas legalmente, há de visar a elucidação de fato criminoso, ou seja,
ocorrência concreta. O fundamento de que “o
desdobramento da presente operação policial, como bem ressaltado na
representação, possibilitará a investigação de outros crimes ocorridos na
região...” caracteriza devassa e instauração de procedimento para apurar
elucubrações.
Da lavra do Ministro Eros Grau temos a seguinte
lição sobre indevido combate à criminalidade; ética, neutralidade,
independência e imparcialidade do juiz, bem como afronta às garantias
constitucionais pela edição de mandados de busca e apreensão genéricos, in HC 95.009/SP:
“COMBATE À CRIMINALIDADE NO ESTADO
DE DIREITO. O que caracteriza a sociedade moderna, permitindo o aparecimento do
Estado moderno, é por um lado a divisão do trabalho; por outro a monopolização
da tributação e da violência física. Em nenhuma sociedade na qual a desordem
tenha sido superada admite-se que todos cumpram as mesmas funções. O combate à
criminalidade é missão típica e privativa da Administração (não do Judiciário),
através da polícia, como se lê nos incisos do artigo 144 da Constituição, e do
Ministério Público, a quem compete, privativamente, promover a ação penal
pública (artigo 129, I).
“ÉTICA JUDICIAL, NEUTRALIDADE,
INDEPENDÊNCIA E IMPARCIALIDADE DO JUIZ. A neutralidade impõe que o juiz se
mantenha em situação exterior ao conflito objeto da lide a ser solucionada. O
juiz há de ser estranho ao conflito. A independência é expressão da atitude do
juiz em face de influências provenientes do sistema e do governo. Permite-lhe
tomar não apenas decisões contrárias a interesses do governo - quando o exijam
a Constituição e a lei - mas também impopulares, que a imprensa e a opinião
pública não gostariam que fossem adotadas. A imparcialidade é expressão da
atitude do juiz em face de influências provenientes das partes nos processos
judiciais a ele submetidos. Significa julgar com ausência absoluta de prevenção
a favor ou contra alguma das partes. Aqui nos colocamos sob a abrangência do
princípio da impessoalidade, que a impõe.
“AFRONTA ÀS GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS CONSAGRADAS NO ARTIGO 5º, INCISOS XI, XII E XLV DA CONSTITUIÇÃO
DO BRASIL. De que vale declarar, a Constituição, que "a casa é asilo
inviolável do indivíduo" (art. 5º, XI) se moradias são invadidas por
policiais munidos de mandados que consubstanciem verdadeiras cartas brancas,
mandados com poderes de a tudo devassar, só porque o habitante é suspeito de um
crime? Mandados expedidos sem justa causa, isto é sem especificar o que se deve
buscar e sem que a decisão que determina sua expedição seja precedida de
perquirição quanto à possibilidade de adoção de meio menos gravoso para
chegar-se ao mesmo fim. A polícia é autorizada, largamente, a apreender tudo
quanto possa vir a consubstanciar prova de qualquer crime, objeto ou não da
investigação. Eis aí o que se pode chamar de autêntica "devassa".
Esses mandados ordinariamente autorizam a apreensão de computadores, nos quais
fica indelevelmente gravado tudo quanto respeite à intimidade das pessoas e
possa vir a ser, quando e se oportuno, no futuro usado contra quem se pretenda
atingir. De que vale a Constituição dizer que "é inviolável o sigilo da
correspondência" (art. 5º, XII) se ela, mesmo eliminada ou
"deletada", é neles encontrada? E a apreensão de toda a sorte de
coisas, o que eventualmente privará a família do acusado da posse de bens que
poderiam ser convertidos em recursos financeiros com os quais seriam
eventualmente enfrentados os tempos amargos que se seguem a sua prisão. A
garantia constitucional da pessoalidade da pena (art. 5º, XLV) para nada vale
quando esses excessos tornam-se rotineiros”.
(HC 95009 / SP - SÃO PAULO
- Habeas corpus,
Relator: Min. EROS GRAU - Julg.: 06/11/2008. Órgão Julgador:
Tribunal Pleno).
É flagrante a ilegalidade do
mandado de busca e apreensão expedido em desatendimento ao ordenamento
jurídico, eivando de vício toda a prova colhida em decorrência de seu
cumprimento.
Por outro lado, é preciso salientar
que o cumprimento de ordem manifestamente ilegal não exime o agente da
responsabilidade penal. Assim, embora não se possa falar na possibilidade da
responsabilização do agente político que autorizou a diligência eivada de
ilegalidade, não está afastada – ao menos em tese – a possibilidade de
responsabilização do agente administrativo que sabendo ilegal a conduta a
executou.
A
busca e apreensão domiciliar por se tratar de grave violação de direitos
fundamentais, deve observar estritamente os requisitos formais estabelecidos em
lei para sua legitimação. Tal diligência implica sacrifício dos direitos
fundamentais da inviolabilidade do domicílio, da dignidade da pessoa humana, da
intimidade e da vida privada. Não se pode deferi-la em prol de abstrato direito
à liberdade e em nome da segurança pública. A liberdade, para o particular, é o
direito de buscar e fazer tudo que e a outrem não prejudique e não esteja
vedado por lei. Diversamente, o agente público somente pode fazer o que a lei
manda. E deve fazer o que a lei manda. Trata-se de um poder-dever.
Neste
sentido o deferimento da busca e apreensão domiciliar, capaz de legitimamente
suprimir tais garantias constitucionais, deve ser devidamente fundamentado em
fatos concretos e adstrito à moradia onde deve ser cumprido, não bastando
descrições abstratas de “crimes que se comentem por lá” ou descrição genérica
de localidades.
O
padrão genérico e padronizado com que se fundamentam decisões de busca e
apreensão em ambiente domiciliar em favelas e bairros da periferia – sem
suficiente lastro probatório e razões que as amparam – expressam grave violação
ao direito dos moradores da periferia. A busca e apreensão domiciliar somente
estará amparada no ordenamento jurídico se suficientemente descrito endereço ou
moradia no qual deve ser cumprido em relação a cada uma das pessoas que será
sacrificada em suas garantias. E, ainda que não se possa qualifica-la
adequadamente é necessário que os sinais que a individualize sejam
explicitados.
No
presente caso, temos um mandado judicial genérico, expedido com eficácia
territorial ampla, geograficamente impreciso, que não se preocupa em determinar
o fato concreto a ser apurado.
Pelo
seu alto grau de dano a valores constitucionais, é absolutamente inadmitido o
mandado genérico para tantas comunidades quanto são descritas na decisão
recorrida. Faz-se imprescindível que a decisão e o mandado determinem qual a
correlação dos indícios probatórios que se pretendem obter com a invasão de
cada um dos domicílios a serem buscados. E, isto, não ocorreu.
A
ilustre magistrada, no seu afã de colaborar com as políticas de segurança –
diante do quadro de insegurança que a caótica política de confronto fez elevar
o patamar da violência na cidade -, discorre de modo sobre possibilidade de
afastamento da ordem juridica para tal ação estatal, como se os agentes
públicos fossem autorizados a atuar à margem da lei para “fazer o bem”.
Louvável sua preocupação. Mas, ilegal.
O abandono das regras e dos
princípios jurídicos não é permitido nem tempo de paz contra os cidadãos, nem
em tempo de guerra contra os inimigos. Mesmo as guerras têm as suas leis e os
Estados que as violam cometem crimes de guerra. Ainda que o “Direito de Guerra”
faça prevalecer a força do canhão, aos combatentes não se admite a violação dos
marcos civilizatórios que autorizam tais conflitos. Não pode o Estado atuar
contra os seus cidadãos com violação tamanha aos seus direitos, incompatível
com
A existência do poder judiciário
somente se justifica para a garantia daqueles que tenham suas esferas jurídicas
violadas, seja pelo poder econômico representando pelas corporações, seja pelas
ilegalidades e abusos de poder quando perpetradas pelo Estado ou seus agentes
em atuação à margem da lei.
Agentes políticos do Estado encarregados de exercer a
jurisdição, quando se aliam aos agentes da segurança pública em prol da
execução de políticas públicas, deslocam-se de seu lugar de atuação e se tornam
coautores das violações. E as “boas intenções” e preocupação com a segurança
não pode retirar o julgador do seu lugar equidistante dos interesses em conflito
e colocá-lo ao lado das forças de segurança a ponto de despachar como se
estivesse no âmbito de uma delegacia policial.
Tenho que o mandado de busca e apreensão genérico nas
favelas e bairros da periferia elencados na decisão está eivado de vício que o
torna ilegal, bem como violar da ordem constitucional pelo que deve ser
‘revogado’, uma vez que tal ilegalidade e inconstitucionalidade contaminam todos
os indícios probatórios colhidos e nele lastreados.
ISTO POSTO, defiro a liminar para SUSPENSÃO IMEDIATA do
cumprimento do mandado expedido pelo juízo plantonista, intimando-se as
autoridades policiais responsáveis pelo comando da operação nos locais indicados
no referido mandado, por meio de Oficial de Justiça.
Ante disposto no art. 20 do
CPP que dispõe sobre a natureza sigilosa do inquérito policial no que que for
necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade não há
que se decretar segredo de justiça.
Recolha-se o mandado de busca
e apreensão expedido.
Autorizo o juízo em exercício
no plantão judiciário noturno desta data expedir os atos necessários à execução
da presente decisão.