sábado, 24 de abril de 2021

Mentiras, boatos e fake news

 


Todo o mundo é visível menos aquele que se encontra atrás das câmeras! A contestação às opiniões emitidas pela televisão não é ouvida. Sede de uma comunicação imaterial, o centro de produção de imagens foge a qualquer controle. As Câmeras podem entrar em toda parte... salvo nas sedes das grandes empresas de mídia”. A frase é do juiz francês Antoine Garapon em seu livro ‘O juiz e a democracia: o Guardião das Promessas’, publicado ao tempo no qual a Comunicação Social era produzida, sobretudo, pelos canais corporativos de comunicação.

Mentira sempre existiu. Boato idem. Igualmente os meios tradicionais de comunicação abusaram do poder de manipular as notícias. Os padrões de manipulação da mídia tradicional foram diversos: omissão, acentuação de fato irrelevante, atenuação de fato grave ou mesmo o falseamento de fatos. Mas, fake news é uma forma especial de inverdade difundida por meio das novas mídias e com maior potencial danoso. É mais que mentira ou boato, embora os contenha.

As fake news têm o objetivo de legitimar um ponto de vista ou prejudicar uma pessoa, grupo ou instituição. A novidade não são as notícias falsas. Mas, o poder viral das fake news em tempo de predominância das novas mídias. Com o avanço tecnológico e maior intercomunicação entre as pessoas e grupos as notícias se espalham rapidamente e as crenças são consolidadas irrefletidamente. As informações falsas apelam para o emocional e por isto as fake news têm maior apelo que as notícias verdadeiras ou aquelas que demandam raciocínios e formulação de juízos.

Neste momento de ascensão do arbítrio, da irracionalidade e da truculência, o Poder Judiciário tem buscado recolocar-se em seu papel de árbitro de disputas institucionais e conflitos de interesses, depois da derrapada para a margem da legalidade, promovida pelo ‘Principado de Curitiba’. Não era 'República de Curitiba', pois nada fizeram republicanamente. A transformação do juiz-vingador em ministro do beneficiário de suas condutas caracteriza o patrimonialismo, onde se confundem interesses públicos e privados. As ilegalidades praticadas pelo lavajatismo possibilitou a crença de que tudo é permitido, ainda que fora dos padrões de comportamento determinados pela civilidade e pela ordem jurídico-constitucional.

O Poder Judiciário está na berlinda. Os que se beneficiaram das truculências praticadas pelo ‘Principado de Curitiba’ pretendem que tal poder continue a lhes prestar serviço. E por isso os magistrados estão sendo atacados.

No curso da semana que se encerra uma fake news foi difundida por uma das mais antigas e conhecidas jornalistas brasileiras: Leda Nagle. Nela, a jornalista leu uma postagem num perfil falso, atribuído a um delegado da Polícia Federal, no qual se dizia sobre um plano tramado pelo ex-presidente Lula e ministros do STF para assassinar o presidente da República. Diante da repercussão da leviandade, a jornalista atribuiu a responsabilidade da divulgação de sua fala a pessoa do grupo do qual faz parte, num ‘mea culpa’ mal disfarçado.

A lei prevê punição para quem imputa falsamente a outrem fato definido como crime, assim como a quem propala ou divulga a falsa imputação. Leda Nagle não é uma estagiária de Jornalismo, nem uma pessoa sem formação suficiente que lhe impossibilitasse desconfiar da falsidade de tão absurdo delírio. Durante 21 anos apresentou o programa Sem Censura, que chegou a ser reprisado em substituição ao programa de debate Espaço Público, apresentado por Lúcia Leme na TV Brasil. Ainda que tenha difundido a grupo determinado tem responsabilidade pelo que fez.

Na mitologia grega, o personagem Édipo, ao descobrir que a desgraça que se abatia sobre Tebas decorria do fato de estar casado com sua mãe, não se desculpou alegando não saber quem era a mulher que desposara. Assumindo sua responsabilidade, furou os próprios olhos e saiu da cidade. Se falta dignidade, aos que causam danos a outrem, para assumirem as próprias responsabilidades não há de faltar instituições que as imponham.


Publicado no jornal O DIA, em 24/04/2021. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2021/04/6131018-joao-batista-damasceno-mentiras-boatos-e-fake-news.html


sábado, 10 de abril de 2021

Que todos tenham vida! Vacina para todos!

Compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição é o que diz o seu Artigo 102. E o STF tem proferido decisões que resguardam a Constituição. Duas decisões proferidas esta semana pelo STF ressaltam a importância do Estado de Direito. Numa, por maioria dos votos (9x2), o STF decidiu manter a possibilidade de restrição temporária da realização de atividades religiosas coletivas presenciais, como medida de enfrentamento da pandemia de covid-19.

Tal decisão não fere a liberdade religiosa, pois a fé poderá ser praticada sem qualquer restrição. O que se restringe é a possibilidade de aglomeração. Decidiu o STF que a prioridade do atual momento é a proteção à vida. A maioria dos ministros destacou a relevância da liberdade de religião e de crença, porém, com base em critérios técnicos e científicos, avaliou que as restrições são adequadas e necessárias para conter a transmissão do vírus e evitar o colapso do sistema de Saúde. Ao considerar que a medida é emergencial, temporária e excepcional, essa vertente observou que tal limitação resguarda os direitos de proteção à vida e à saúde, também protegidos constitucionalmente.

Em outra decisão, o ministro Luís Roberto Barroso determinou que o Senado adote as providências necessárias para a instalação da CPI para apurar eventuais omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia da covid-19. Na liminar, o ministro Barroso destacou que a Constituição estabelece que as CPIs devem ser instaladas sempre que três requisitos forem preenchidos: 1) assinatura de um terço dos integrantes da Casa legislativa; 2) indicação de fato determinado a ser apurado; e 3) definição de prazo certo para duração.

Presentes os requisitos para a instalação das CPIs não pode um único senador, ainda que seja o presidente do Senado, impedir a instalação pretendida pelo coletivo de senadores que assinarem o requerimento. O presidente do Senado não tem poder para analisar a conveniência política de instalar as CPIs, quando atendidos os requisitos. Se tivesse, a vontade de um único senador estaria se sobrepondo a vontade dos demais.

O ministro Barroso salientou que não se pode negar o direito à instalação das CPIs em caso de cumpridas as exigências, sob pena de se ferir o direito da minoria parlamentar. “Trata-se de garantia que decorre da cláusula do Estado Democrático de Direito e que viabiliza às minorias parlamentares o exercício da oposição democrática. Tanto é assim que o quórum é de um terço dos membros da casa legislativa, e não de maioria.

Por esse motivo, a sua efetividade não pode estar condicionada à vontade parlamentar predominante”. O ministro justificou a concessão da liminar com a urgência em razão do agravamento da crise sanitária no país que está “em seu pior momento, batendo lamentáveis recordes de mortes diárias e de casos de infecção”.

Não faltaram vozes alegando que se está diante da judicialização da política. Mas, não se trata de disto. Ao contrário, trata-se de controle de legalidade. Num Estado de Direito todos estão subordinados à lei. Os cidadãos podem tudo o que a lei não proíbe. Mas, os agentes públicos são obrigados a fazer o que a lei manda.

Tanto na determinação de instalação da “CPI da Pandemia”, para apurar responsabilidade do presidente da República e seus auxiliares, quanto na decisão que julgou constitucional a restrição de cultos presenciais, o STF se pautou pelo bem mais precioso que uma pessoa pode ter: a vida. Que todos tenham vida e que a tenham em abundância!