“Mas, enquanto os
senadores brasileiros discutiam a libertação de “presos políticos”
venezuelanos, acusados de causar dezenas de mortes e centenas de ferimentos em
protestos, os reais “presos políticos” fluminenses, que tiveram prisão
decretada tão-somente para não protestar na Copa, tiveram o deferimento de
‘habeas corpus’ pelo STJ, sem que qualquer palavra fosse pronunciada sobre tais
prisões ou sobre o retardamento na soltura. Igualmente não se ouviu
pronunciamento sobre a execução, numa rua em São Paulo, pela polícia, com
narração e comemoração ao vivo pelo ‘jornalismo do mundo cão’. Discurso
parlamentar seria pouco. Também não seria o caso de protesto perante o
jornalista ou a emissora; mas perante quem atribuiu a concessão pública do
canal de TV e não lhe impõe condições para o exercício da atividade em respeito
à vida e à dignidade da pessoa humana”.
O Brasil é um país de contrastes, em
todos os sentidos. A capacidade de fazer conviver os contrários, sem que se
explicitem, é marca da brasilidade. O ‘jeitinho’ é fenômeno que não se
caracteriza pela ilegalidade, ao mesmo tempo no qual não se caracteriza pelo
padrão procedimental. É um modo especial alheio à procedimentalidade pelo qual
se tentam resolver problemas. Nem sempre é ilegal, mas foge à normalidade
institucional.
Esta capacidade de fazer conviver
situações contrárias foi que propiciou no Império a convivência do ideário
liberal e a escravidão. O liberalismo brasileiro era escravocrata e não tratava
a liberdade individual como premissa dos demais direitos; do direito liberal de
propriedade é que decorriam os demais. Portanto, da ausência de propriedade
decorria a ausência da liberdade.
Semana passada senadores brasileiros
foram à Venezuela, numa afronta à soberania daquele país, visitar presos, que
consideram políticos, e levar a democracia ao povo venezuelano. Não fosse a
ação protetora da polícia venezuelana teriam corrido risco. O tombamento de um
caminhão de farinha que interrompeu o trânsito na estrada que liga o aeroporto
à capital foi tratado como engarrafamento proposital para impedir o avanço dos
forasteiros. Era o factoide de que se precisava. Os senadores disseram que o
governo daquele país paralisara as vias públicas tão-somente para impedir suas
locomoções.
Mas, enquanto os senadores
brasileiros discutiam a libertação de “presos políticos” venezuelanos, acusados
de causar dezenas de mortes e centenas de ferimentos em protestos, os reais
“presos políticos” fluminenses, que tiveram prisão decretada tão-somente para
não protestar na Copa, tiveram o deferimento de ‘habeas corpus’ pelo STJ, sem
que qualquer palavra fosse pronunciada sobre tais prisões ou sobre o
retardamento na soltura. Igualmente não se ouviu pronunciamento sobre a
execução, numa rua em São Paulo, pela polícia, com narração e comemoração ao
vivo pelo ‘jornalismo do mundo cão’. Discurso parlamentar seria pouco. Também
não seria o caso de protesto perante o jornalista ou a emissora; mas perante
quem atribuiu a concessão pública do canal de TV e não lhe impõe condições para
o exercício da atividade em respeito à vida e à dignidade da pessoa humana.
A semana foi triste. E desde
quinta-feira mais triste ainda com a morte do jornalista Aluizio Freire. Foi
dele a matéria na qual se noticiou, em 2007, que o então governador Sérgio
Cabral considerava o útero das mulheres faveladas fábrica de reposição de mão
de obra para o tráfico.
Publicado originariamente
no jornal O DIA, em 28/06/2015, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-06-27/joao-batista-damasceno-mundo-sem-aluizio-freire.html
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