No dia 28, no Seminário Internacional
do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, um acontecimento ficou mal
explicado envolvendo o neurocientista estadunidense Carl Hart e o Hotel Tivoli
Mofarrej, na região dos Jardins, zona nobre de São Paulo. A mídia divulgou que
o professor da Universidade de Colúmbia, um negro com dreadlocks, fora barrado
onde iria proferir uma palestra. O caldo entornou de vez quando Carl começou
sua fala e pediu aos presentes que olhassem para o lado e vissem quantos negros
havia onde se falava de direitos e cidadania. Em seguida, disparou contra a
audiência: “Vocês deveriam ter vergonha!”
A notícia se espalhou pela internet
como rastro de pólvora. Ao tomar ciência do que se difundia pela rede, o
próprio Carl disse que não sofrera constrangimento. Um dos organizadores do
evento, vendo o segurança andando em direção ao convidado, cuidou de
interceptá-lo para esclarecer que aquele era um ‘negro especial’ e que era
bem-vindo.
Ao começar a palestra, o
neurocientista estadunidense colocou o dedo na ferida e conclamou os participantes
do congresso a refletir sobre o discurso que se faz em favor dos excluídos,
mantendo-os no mesmo patamar. No mesmo fim de semana no qual a quase
interpelação de um neurocientista negro no saguão de um hotel de luxo causou
comoção, a polícia do Rio, com a complacência do governador, impediu que jovens
‘negros comuns’ e pobres da periferia pudessem chegar às praias da Zona Sul. A
atrocidade, somente comparável ao apartheid que vigeu na África do Sul, teve
apoio de parcela da sociedade desejosa, sem vergonha, de manter a exclusão. A
culpa recaiu exclusivamente sobre a polícia, que tem parcela de
responsabilidade. Não se trata de gente sem consciência de que ordem ilegal não
se cumpre. Mas a responsabilidade há de recair sobre toda a cadeia de comando,
inclusive o governador.
Tal como sugerido por Carl Hart,
precisamos — pelo menos — ter vergonha por vivermos confortavelmente em meio à
exclusão e às custas dos excluídos, até que estes assumam o protagonismo de
suas demandas e em anos eleitorais passem a expulsar para a Zona Sul aqueles
que os impedem de sair da periferia para ir às praias, que são bem de uso comum
do povo.
Publicado originariamente no jornal O
DIA, em 06/09/2015, pag. 18. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-09-05/joao-batista-damasceno-voces-deveriam-ter-vergonha.html
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