O jurista e cientista político alemão Karl Loewenstein analisou os
horrores praticados pelo nazismo sob as leis que ele mesmo fazia. Muitos
executores de barbaridades foram posteriormente absolvidos alegando legalidade
e obediência hierárquica. Mas os formuladores das leis iníquas não puderam isto
alegar.
Seus estudos tiveram grande impacto no pensamento constitucional do
Ocidente. Em sua obra ‘Teoria da Constituição’, Karl Loewenstein afirmou que as
constituições são aquilo que fazem com ela na prática
Dispõe a Constituição que são funções institucionais do Ministério
Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos” e “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial”.
A Constituição é clara. O MP pode promover o inquérito civil público.
Quanto a inquérito policial e diligências investigatórias, apenas pode
requisitar a atuação policial. Mas o MP tem promovido inquérito policial, e há
decisões judiciais legitimando isto. Apesar do texto, a Constituição é o que se
faz na prática com ela.
O perigo de tais atuações à margem da legalidade é a perda da referência
até onde pode ir o agente público. Um promotor endereçou cartas a empresários
perguntando sobre a atuação de um juiz considerado garantista dos direitos dos
acusados.
A resposta foi que estavam insatisfeitos e que se deveria ser mais duro
com os indesejáveis. Estas respostas foram remetidas ao tribunal, pedindo
procedimento contra o juiz como se fossem manifestações espontâneas dos
empresários.
As “colaborações premiadas” são práticas regulamentadas por lei e
sujeitas a prévia homologação judicial. Mas membros do MP têm ouvido presos
‘informalmente’ e atribuído a tais ‘depoimentos’ o rótulo de “colaboração
espontânea” com o fim de incriminar pessoas contra as quais desejam ver
instaurado procedimento.
Em Magé, no ano de 1996, um promotor deixou de ser falsamente acusado de
tentativa de crime sexual porque outro promotor que sabia da trama “bateu com a
língua nos dentes” e o promotor que seria acusado foi avisado por um juiz. É
perigoso um sistema no qual as liberdades ficam sujeitas aos caprichos de
autoridades. Só a legalidade é parâmetro para as liberdades públicas.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em
11/02/2017, pag. 11. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-03-11/joao-batista-damasceno-capricho-e-liberdade-publica.html
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