Em 1898, Campos Sales assumiu a Presidência da
República e formulou o arranjo institucional pelo qual o poder central apoiaria
as oligarquias estaduais, e estas apoiariam o poder central. A ‘Política dos
Governadores’ ou ‘Pacto Coronelista’ durou até 1930. O Poder Judiciário era
estadual e servil às oligarquias. Mas Campos Sales contava com um juiz federal
por estado, sem vitaliciedade e removível: o “juiz seccional”, responsável
pelas questões eleitorais e por pedidos de intervenção quando as oligarquias
estaduais bandeassem para a oposição. A polícia era o braço forte da política.
A maioria dos chefes de polícia do Distrito Federal do início do século 20 foi
nomeada para o STF pelos bons serviços prestados ao poder.
Para perseguir os inimigos, Campos Sales criou o
Ministério Público. Até 1988 seus chefes institucionais eram demissíveis pelo
chefe do poder a que estivessem vinculados, nem sempre ao Poder Executivo. Sua
atuação se traduzia em ‘lawfare’ e chegava a perseguir seus próprios membros se
contrariassem interesses das oligarquias, como fez com João Baptista Martins,
processado por ter se oposto às bandalheiras de um coronel governista.
‘Lawfare’ é a utilização da lei e dos procedimentos
legais pelos agentes do sistema de justiça para perseguir quem seja declarado
inimigo. Assim, o sistema jurídico é manipulado para dar aparência de
legalidade às perseguições aos adversários. Ao oponente são formuladas
acusações frívolas, por vezes apenas para intranquilizar.
Abusa-se do direito para danificar a imagem,
deslegitimar as pretensões e desacreditar as afirmações do ‘inimigo’. Ataca-se
quem defende a universalização dos direitos comuns a toda pessoa humana e
reconhece-se sua titularidade apenas aos ‘cidadãos de bem’ ou aos ‘humanos
direitos’. Para o ‘lawfare’, a imprensa é fundamental, e agentes públicos se
tornam fontes jornalísticas e, por meio de notas ou vazamentos, buscam
influenciar a opinião pública e promover publicidade negativa ou opressiva dos
‘inimigos’.
Mas o que promotores fizeram com a professora
Luciana Boiteux e com o diretor de redação do site ‘Justificando’, Brenno
Tardelli, por terem criticado abordagem grotesca do tema segurança pública não
é caso de ‘lawfare’. É uso indevido das redes sociais para a difusão da cultura
do ódio incompatível com o, atual, papel institucional do MP, bem desempenhado
por muitos de seus membros.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em
29/07/2017, pag. 8. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-07-28/joao-batista-damasceno-o-que-e-lawfare.html
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