sábado, 24 de novembro de 2018

"Escola sem partido?"


Monteiro Lobato, nascido em Taubaté, no Vale do Paraíba, gastou a sua herança editando livros pois acreditava que "um país se faz com homens e livros". Em sua época, o termo homens se referia ao gênero humano. O deputado Flavinho, também do Vale do Paraíba, apresentou projeto de lei que pretende proibir até o uso de determinadas palavras por professores em sala de aula. O deputado que legisla sobre Educação diz se orgulhar de ter apenas o ensino fundamental, mas que é um evangelizador.
A discussão sobre quem deve educar os filhos dos trabalhadores e para quê é antiga. Depois da Revolução de 1930, Getúlio Vargas instituiu escolas públicas e universidades e se deparou com o problema. Em 1932, educadores lançaram o manifesto dos pioneiros por uma educação integral.
Os industriais queriam administrar as escolas para formar empregados obedientes e submissos e a Igreja as queria administrar para formar fiéis. Famílias conservadoras recusavam mandar seus filhos à escola porque poderiam aprender coisas diferentes do que lhes eram ensinadas em casa. O Estado assumiu a administração das escolas a fim de propiciar uma educação acima dos valores individuais. A idéia de uma educação para a cidadania continuou a fervilhar e os educadores lançaram outro manifesto em 195. Em 1961, foi editada a primeira lei nacional de diretrizes educacionais. Mas, o acordo MEC-Usaid pós-1964 propiciou a reforma do ensino em 1968 e 1971, aos moldes dos golpistas. Em 1996, foi editada a lei vigente, com a participação de Darcy Ribeiro.
O projeto em tramitação na Câmara é tosco. Desconsidera que a educação pública deva buscar a preparação para a vida social, onde todas as concepções precisam ser reciprocamente respeitadas e legitimadas. O projeto propõe que os valores particulares dos familiares dos alunos se sobreponham ao conteúdo educacional. O que pensam os deputados fundamentalistas é que o seu modo de compreender a realidade seja o único correto e que os demais devam aprender com eles, incluindo aqueles que se qualificaram para o ensino.
Qualquer modelo educacional precisa estar associado à vida e aos valores que nos caracterizam como humanidade. Não se pode defender a eventual falta de ética de um professor que faça proselitismo. Mas, igualmente, não se pode admitir que uma bancada fundamentalista e iletrada tente impor sua concepção religiosa aos educadores.
A liberdade pedagógica há de possibilitar a formação do pensamento crítico e qualificação para a cidadania. A educação crítica é indispensável ao desenvolvimento da inteligência humana. 'Escola sem partido' é a proposta do partido do pensamento único, que exclui a possibilidade de conhecer e criticar outras formas de pensar. Escola não pode ter partido, mas igreja também não. Nem concessões de canais de TV e estações de rádio para proselitismo religioso. É o que dispõe a legislação em vigor.


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 24/11/2018, pag. 10. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2018/11/5595974-joao-batista-damasceno---escola-sem-partido.html#foto=1



sábado, 17 de novembro de 2018

Inquérito da Marielle: Violação de sigilo


Cópia do inquérito que apura as execuções da Vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes foi entregue a um dos mais competentes jornalistas que conheço, atualmente na TV Globo.

O agente público que vazou o inquérito para o jornalista é um criminoso. Possivelmente já deve ter vazado para os executores do crime e isto pode estar dificultando a elucidação do caso.

Violar sigilo profissional é crime, assim definido no Código Penal. Inquérito policial tramita, por lei, em sigilo.

O agente público que promoveu o vazamento é um criminoso, quem com ele concorreu para o fato é partícipe da conduta criminosa e haverá de incidir nas mesmas penas. É o que dispõe o Código Penal.

A imprensa NÃO tem o direito de veicular informação obtida por meio de crime.

O direito do público de se informar não abrange a possibilidade de obter informação por meio de práticas delituosas.

Não há que se confundir o interesse público com a curiosidade do público. A sociedade do espetáculo há de encontrar limites na civilidade e na lei.

Parabenizo o jornalista pela maestria na obtenção das informações. Mas, a violação do sigilo é fato criminoso com o qual não se pode compactuar.

Já se foi o tempo no qual o ex-juiz Sérgio Moro violava, ilegalmente, sigilo até da presidenta da República e promovia a divulgação da conversa e nada lhe acontecia.

A lei é para todos. Se não foi para o juiz infrator, isto não pode se transformar em regra num Estado que se pretenda de Direito.

sábado, 10 de novembro de 2018

Moro e e o Estatuto da Magistratura


O CNJ tem um diligente corregedor, ministro Humberto Martins, que certamente representará pela instauração de Processo Administrativo Disciplinar, sem necessidade de prévia oitiva do infrator, antes que a exoneração se consume e o delituoso assuma o Ministério da Justiça


A Constituição diz que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito. Democrático porque legitimado pelo povo e de Direito porque pautado pela ordem jurídica. O povo pode fazer tudo o que a lei não proíbe. Mas os agentes públicos somente podem o que a lei determina. Diz ainda que são independentes e harmônicos, entre si, os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Pela independência, os Poderes funcionam sem subordinações entre si. A harmonia decorre do exercício por cada qual das competências que lhes são exclusivas, sem adentrar na área do outro.
Causa estranheza os comportamentos do juiz Sérgio Moro. Sem deixar a magistratura se manifesta como ministro da Justiça, depois de atuação em oposição aos interesses dos adversários políticos do candidato vitorioso. O ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto disse que "o Judiciário se define pelo desfrute de uma independência que não pode ser colocada em xeque. Os magistrados devem manter o máximo de distância dos outros dois poderes. Isso não parece rimar com o 'espírito da coisa' de um membro do Judiciário pedir exoneração e já se transportar, com mala e bagagens, para um cargo do Poder Executivo".
O ex-presidente do STF foi benevolente. Tratou Moro como se já tivesse se exonerado para aceitar o cargo de ministro. Mas, Moro ainda é juiz. Apenas está em férias. E, portanto, tem todos os impedimentos para o exercício de política partidária ou desempenho de funções no executivo.
Para maior garantia dos direitos de quem os tenha aos juízes foram atribuídas as prerrogativas da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade da remuneração. Mas, por interesse público e mediante julgamento, no qual se assegure ampla defesa, um juiz pode ser removido. E pode perder o cargo se praticar ato incompatível com a função judicial.
A Lei Complementar 35 de 14/03/1979, Lei Orgânica da Magistratura Nacional, editada no último dia do mandato do general-presidente Ernesto Geisel e única por ele no ano de 1979, diz que o magistrado vitalício somente perderá o cargo em ação penal por crime comum ou de responsabilidade e em procedimento administrativo para a perda do cargo quando exercite, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função, salvo um cargo de professor; recebimento de vantagens indevidas e exercício de atividade político-partidária.
No pleno exercício da magistratura o juiz Sérgio Moro está se comportando como ministro em processo de nomeação e dando entrevistas sobre os planos a executar. Não poderia fazê-lo nem em disponibilidade. Em férias, nem pensar! Em férias recentes, Moro despachou em processo impedindo a soltura do principal concorrente do presidente a quem servirá e impediu cumprimento de decisão de desembargador. Férias é efetivo exercício do cargo para fins legais.
O CNJ tem um diligente corregedor, ministro Humberto Martins, que certamente representará pela instauração de Processo Administrativo Disciplinar, sem necessidade de prévia oitiva do infrator, antes que a exoneração se consume e o delituoso assuma o Ministério da Justiça, subtraindo-se à eficácia do poder disciplinar do CNJ ou do tribunal a que está vinculado. 


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 10/11/2018, pag. 10. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2018/11/5591624-moro-e-o-estatuto-da-magistratura.html#foto=1