Um
depoimento da futura ministra Damares Alves, da pasta da Mulher, Família e
Direitos Humanos, há duas semanas circula nas redes sociais e tem propiciado
todo tipo de piada. A pastora conta que aos 10 anos iria tentar o suicídio e
que subiu num "pé de goiaba" onde iria beber veneno. Mas Jesus subiu
no pé de goiaba e lhe deu um abraço que seu pai, sua mãe ou a igreja que
frequentava não lhe haviam dado.
A
pilhéria está por conta da forma enfática com que a ministra relata sua súplica
para que Jesus não subisse no "pé de goiaba" para ajudá-la, pois,
segundo ela, Jesus não sabe subir em "pé de goiaba" e poderia cair. A
pregação propositadamente emotiva, visando a alterar o estado emocional do
público, é patética. A técnica é própria dos manipuladores, visando a provocar
comoção em auditório passivo aos reclamos do narrador.
Mas,
o conteúdo da fala da ministra Damares deve ser levado a sério. Ela narra que
dos 6 aos 8 anos foi violentada sexualmente por pastor protestante, amigo da
sua família, e que seus familiares não lhe deram ouvido. E, por isso, aos 10
anos queria se suicidar. Ela fala que 78% dos casos de abusos sexuais contra
crianças são praticados por familiares ou por pessoas de suas relações. Os
dados são reais, preocupantes e não podem ser negligenciados.
A
menina abusada demonstra as sequelas não curadas e se ampara no discurso
religioso que lhe dificulta a busca de ajuda profissional. A narrativa da
ministra, em forma de pregação, pode lhe fazer sentir melhor. A cada aplauso há
de encontrar encorajamento para repetir o discurso. Mas a proposta final da
ministra é tétrica. Ela propõe que as vítimas minorem seus sofrimentos por meio
da religião.
Crianças
precisam ser educadas desde a primeira infância a não permitir que adultos lhes
toquem em partes íntimas. E, se isso acontecer, precisam ter a liberdade para
relatar aos seus pais e professores. É preciso educar desde cedo as crianças
para que saibam que adultos não têm o direito de tocar em crianças e que elas
não são culpadas pelos abusos. Ao contrário, que a responsabilidade é exclusiva
dos adultos.
Os
dados apresentados pela ministra são reais. A maioria dos abusos sexuais contra
crianças ocorre dentro de casa e são praticados por familiares ou pessoas de
suas relações. Religião não é solução. Os casos de pedofilia, que a Igreja
esconde e insiste em não colaborar com as autoridades na solução, são
emblemáticos. As acusações contra o líder católico carismático João de Deus nos
recomendam reflexão sobre os abusos cometidos nos lares e nos templos
religiosos contra pessoas vulneráveis.
Em
boa hora a Câmara dos Deputados arquivou o projeto da 'Escola Sem Partido'.
Educação há de ser para a cidadania e, desde a mais tenra idade, nela há de se
incluir a educação para evitar tais abusos. Escola integral é escola que
prepara para a vida, tal como propunha Anísio Teixeira.
Publicado originariamente no
jornal O DIA,em 22/12/2018, pag. 7. Link https://odia.ig.com.br/opiniao/2018/12/5604562-a-ministra-e-jesus-na-goiabeira.html
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