sábado, 25 de maio de 2019

PAREM DE NOS MATAR!

Dezenas de entidades de moradores das favelas e bairros da periferia do Rio de Janeiro e Baixada Fluminense farão um ato amanhã, dia 26, às 10h, com concentração no Posto 8 em Ipanema. A ideia é formar um cordão humano do Posto 12 ao Arpoador. Exercitando a liberdade de expressão, os moradores exigirão o fim da política de extermínio, ocupações e intervenções policiais nas áreas residenciais. A política de extermínio visa explicitamente a matar indesejáveis, mas atinge os trabalhadores em geral, porque do mesmo perfil.

Os constantes assassinatos de trabalhadores e estudantes motivaram a agregação de diferentes comunidades. Em 2007 o governador Sérgio Cabral dizia que o útero das mulheres faveladas era fábrica de reposição de mão de obra para o tráfico e o Secretário José Mariano Beltrame, que precisa explicar as relações com o dono do apartamento onde vivia no Leblon, implementava sua ‘política de confronto’.De lá pra cá o‘Terror do Estado’ se intensificou. OgarçomRodrigo Alexandre da Silva Serrano, de 26 anos, teve seu guarda-chuva confundido com um fuzil e foi assassinado no Chapéu Mangueira; o músico Evaldo Rosa dos Santos e o catador de papel Luciano Macedo foram executados pelo Exército com mais de 80 tiros, em Guadalupe;o adolescente Jhonata Dalber Mattos Alves, de 16 anos, foi executado com um tiro de pistola na nuca, no Morro do Borel, porque a polícia confundiu saco de pipoca com drogas; o gari comunitário William Mendonça dos Santos, conhecido como Nera, foi assassinado pela Polícia Militar na favela do Vidigal, Zona Sul, eo estudante Lucas Brás de 17 anos, morreu com tiro nas costas no Parque Royal, Zona Norte. Para evitar ser alvejada pelo ‘Caveirão Aéreo’ da polícia, uma escola estendeu uma faixa no telhado dizendo: “Escola. Não atire”.
Todos estes assassinados pela política do Estado eram negros. Somente no primeiro trimestre de 2019,ações policiais resultaram em 434 homicídios. A quase totalidade destes crimes não será investigada pela polícia ou denunciada pelo Ministério Público e o judiciário não poderá julgá-los.
A política de segurança que assume a feição de guerra às drogas apenas disfarça as condutas segregadoras e de extermínio de pretos e pobres tratados como indesejáveis. Não se justifica a guerra às drogas quando não se tem notícia de mortes por overdose. O mal que se causa em razão da guerra às drogas é muito maior que aquele que se diz querer evitar. Agentes do sistema de segurança, na sua maioria igualmente pretos e pobres,são brutalizados e desumanizados para matar os seus iguais.
O nazismo, regime que aboliu o conceito de humanidade, foi a pior experiência da história humana. Nele tudo era permitido contra os que não eram considerados ‘os eleitos’ pelo regime. Foi o império da brutalidade e da desumanização. O mesmo faz o sionismo contra os palestinos e a política de segurança no Rio de Janeiro contra pretos da periferia.
Em razão das atrocidades do nazismo foi editada a Declaração Universal dos Direitos do Homem que reconhece todos como titulares de direitos mínimos e foram instituídos tribunais internacionais para os crimes contra a humanidade. A condenação do Estado brasileiro em tribunais internacionais não tem surtido efeito. Será necessário levar a cadeia de comando ao banco dos réus do Tribunal Penal Internacional (TPI) em razão dos crimes contra a humanidade que ordena. Com julgamentos e condenações no TPI os governantes e seus auxiliares cessarão comandos para o genocídio.




Publicado originariamente no jornal O DIA, em 25/05/2019, pag. 8. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2019/05/5646039-joao-batista-damasceno--parem-de-nos-matar.html


terça-feira, 14 de maio de 2019

A máfia dos reboques


Na noite que de 13 de dezembro de 1968, foi decretado o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que suprimiu as liberdades no Brasil. A voz do vice-presidente da República, Pedro Aleixo, foi a única que se levantou contra. Ele disse ao general Costa e Silva: “Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o país; o problema é o guarda da esquina”. O AI-5 lançou o país numa noite de terror por dez anos. A pretexto de combater a oposição operária e de esquerda disseminaram-se grupos denominados “Esquadrões da Morte”, praticantes de extorsões, corrupção e sequestros para financiarem suas atividades. Já existia no Brasil grupos estatais autorizados a matar. Mas, este período se caracteriza pela ascensão do que hoje chamamos milícias.
Com o AI-5 todas as garantias da cidadania foram suprimidas. Tudo era arbítrio. O presidente legislava por decretos-leis, intervinha nos Estados e municípios sem limitações, os direitos políticos podiam ser suspensos, os mandatos parlamentares cassados e o parlamento fechado, as publicações, os filmes e as músicas estavam sujeitos a censura prévia e manifestações eram proibidas. Os atos do regime não podiam ser apreciados pelo Poder Judiciário.
Se o arbítrio nas altas esferas de poder é perigoso, mais pernicioso é o poder do guarda da esquina, porque sem senso de proporção e responsabilidade. Busca nas redes sociais noticiam o que se chama “máfias dos reboques”, capazes de guinchar veículos regularmente estacionados, às vezes com apoio de pessoas uniformizadas não integrantes dos quadros dos órgãos titulares dos uniformes usados. Nesta semana a imprensa denunciou guardas empurrando carros regularmente estacionados para áreas proibidas para posteriormente multá-los e rebocá-los.
Aos sábados, no estacionamento público existente na Rua Erasmo Braga, quadrilátero entre a Avenida Presidente Antônio Carlos, Fórum do Rio de Janeiro, Escola da Magistratura (EMERJ), ex-procuradoria do Estado, e Secretaria de Administração guardas municipais costumam rebocar veículos regularmente estacionados. Durante a semana é uma via crucis trafegar pelo local. Um guarda municipal - às vezes encostado na banca de jornal, noutras ao lado da carrocinha de cachorro quente - costumava ajudar a tumultuar o trecho. Veículos, inclusive táxis, ficam estacionados por toda parte, fora das vagas. Aos sábados não há expediente em tais órgãos e poucos veículos por lá estacionam, salvo quem busca o plantão judiciário. A justiça funciona 24 horas por dia e todos os dias do ano.
No sábado passado, dia 04, um guarda e um reboquista faziam a festa. Indagado disse que embora veículos estivessem estacionados dentro das vagas não ostentavam cartão de identificação e que seriam rebocados. Foi preciso chamar um policial militar da segurança do tribunal e informar a ilegalidade que se praticava e ordenar que fosse o agente municipal preso em flagrante por desobediência se insistisse em rebocar veículos que estavam autorizados a parar naquele espaço. O guarda e o reboquista foram embora de cara feia. O reboquista com cara mais feia que o guarda. As taxas de reboque e estada no pátio municipal devem ter feito falta. Já oficiei para a direção da Guarda Municipal e SEOP relatando ilegalidades presenciadas. Nunca recebi resposta. A ordem para as ilegalidades deve ter hierarquia. Mas, a sociedade pode recorrer. Ainda há juízes no Brasil, inclusive no plantão judiciário!



Publicado originariamente no jornal O DIA, em 11/06/2018, pag. 8. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2019/05/5641216-joao-batista-damasceno--a-mafia-dos-reboques.html


segunda-feira, 13 de maio de 2019

Muzema e MP


Não podemos debitar da natureza as dezenas de pessoas vitimadas pelo desabamento dos prédios construídos irregularmente na Muzema. Além dos que morreram, foram também vitimadas as famílias que perderam seus entes queridos e aqueles que, com renda decorrente de trabalho, adquiriram abrigos para suas existências e que agora ficam sem ter onde morar. Não foi a forte chuva que se abateu sobre a cidade a causadora do lamentável evento.
Os responsáveis são aqueles que atuam à margem da lei, dentro ou tangenciando o Estado, e os agentes públicos que deveriam zelar pela ordenação do espaço urbano e planejamento habitacional. Se milícias ocupam áreas de proteção ambiental e constroem prédios indevidamente, cabe a quem tem o poder de impedir tais ocorrências fazer valer a sua autoridade. Neste momento, em Brasília, uma queda de braço se estabelece entre o MP federal e o STF. Trata-se de saber quem pode investigar e quem pode mover ações penais. Se o MP quer a exclusividade da atuação, não pode atuar seletivamente. Tem que atuar em todos os casos nos quais presentes estejam os requisitos.
Nesses 26 anos na magistratura fluminense, já julguei muitas ações que visavam a promover remoções de habitações construídas em áreas não edificáveis, assim como ações por danos ambientais. Em Nova Iguaçu, onde fui juiz por quase 15 anos, várias foram as ações movidas contra o Município e contra o então prefeito Lindbergh Farias. Em algumas ações civis públicas movidas contra o prefeito determinei ao MP que incluísse, também, os ex-prefeitos como réus, porque não era justo o cerco institucional apenas a um deles. Em alguns casos isso não era possível, pois em relação a alguns já havia prescrição.
Uma ação civil pública movida contra o prefeito Lindberg Farias me chamou especial atenção. Tratava-se de um pedido de remoção de uma comunidade às margens da Antiga Estada Rio-São Paulo, no Km 32, próximo ao Viaduto dos Cabritos e da Fábrica de bebidas da Ambev. O pedido dizia que em frente à comunidade passava uma tubulação de gás e que isso seria potencialmente nocivo aos moradores. O MP trazia com a petição um laudo com fotografias. Designei uma inspeção pessoal e fui ao local, em meu carro. O MP não compareceu. É verdade que uma tubulação de gás fora colocada ao longo da rodovia, mas há décadas loteamentos com moradias e comércio já estavam estabelecidos a sua margem. Além do mais, quase toda a cidade tem tubulação de gás.
Diligenciei para saber quem fizera o laudo. Foram policiais militares lotados no Grupo de Apoio aos Promotores (GAP), que sem razão explicável pretendia a remoção de casas situadas além da divisa de Nova Iguaçu com o município do Rio de Janeiro, qual seja o Rio Guandu Mirim. Mas o processo era movido contra o prefeito de Nova Iguaçu. Não sei se algum membro do MP esteve no local alguma vez. Os PMs a serviço do MP é que faziam o trabalho de campo e elaboravam laudos.
Enquanto julguei improcedentes ações desse tipo, posso atestar que, em outras situações que demandariam maior atuação institucional, estas não ocorreram. O MP é uma das instituições que mais consome recursos públicos proporcionalmente ao número de locais de atendimento ao público. É o dono da ação penal e tenta fazer isso prevalecer, atualmente, no STF. Mas, precisa assumir suas responsabilidades institucionais para evitar a difusão das milícias e novas ocorrências como a da Muzema: devastação ambiental, construções irregulares e mortes por diversos motivos, dentre os quais desabamentos.


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 27/04/2019. pag. 9. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2019/04/5636806-joao-batista-damasceno--muzema-e-mp.html#foto=1