Não podemos
debitar da natureza as dezenas de pessoas vitimadas pelo desabamento dos
prédios construídos irregularmente na Muzema. Além dos que morreram, foram
também vitimadas as famílias que perderam seus entes queridos e aqueles que,
com renda decorrente de trabalho, adquiriram abrigos para suas existências e
que agora ficam sem ter onde morar. Não foi a forte chuva que se abateu sobre a
cidade a causadora do lamentável evento.
Os
responsáveis são aqueles que atuam à margem da lei, dentro ou tangenciando o
Estado, e os agentes públicos que deveriam zelar pela ordenação do espaço
urbano e planejamento habitacional. Se milícias ocupam áreas de proteção
ambiental e constroem prédios indevidamente, cabe a quem tem o poder de impedir
tais ocorrências fazer valer a sua autoridade. Neste momento, em Brasília, uma
queda de braço se estabelece entre o MP federal e o STF. Trata-se de saber quem
pode investigar e quem pode mover ações penais. Se o MP quer a exclusividade da
atuação, não pode atuar seletivamente. Tem que atuar em todos os casos nos
quais presentes estejam os requisitos.
Nesses
26 anos na magistratura fluminense, já julguei muitas ações que visavam a
promover remoções de habitações construídas em áreas não edificáveis, assim
como ações por danos ambientais. Em Nova Iguaçu, onde fui juiz por quase 15
anos, várias foram as ações movidas contra o Município e contra o então
prefeito Lindbergh Farias. Em algumas ações civis públicas movidas contra o
prefeito determinei ao MP que incluísse, também, os ex-prefeitos como réus,
porque não era justo o cerco institucional apenas a um deles. Em alguns casos
isso não era possível, pois em relação a alguns já havia prescrição.
Uma ação civil pública movida contra o prefeito Lindberg Farias me chamou
especial atenção. Tratava-se de um pedido de remoção de uma comunidade às
margens da Antiga Estada Rio-São Paulo, no Km 32, próximo ao Viaduto dos
Cabritos e da Fábrica de bebidas da Ambev. O pedido dizia que em frente à
comunidade passava uma tubulação de gás e que isso seria potencialmente nocivo
aos moradores. O MP trazia com a petição um laudo com fotografias. Designei uma
inspeção pessoal e fui ao local, em meu carro. O MP não compareceu. É verdade
que uma tubulação de gás fora colocada ao longo da rodovia, mas há décadas
loteamentos com moradias e comércio já estavam estabelecidos a sua margem.
Além do mais, quase toda a cidade tem tubulação de gás.
Diligenciei
para saber quem fizera o laudo. Foram policiais militares lotados no Grupo de
Apoio aos Promotores (GAP), que sem razão explicável pretendia a remoção de
casas situadas além da divisa de Nova Iguaçu com o município do Rio de Janeiro,
qual seja o Rio Guandu Mirim. Mas o processo era movido contra o prefeito de
Nova Iguaçu. Não sei se algum membro do MP esteve no local alguma vez. Os PMs a
serviço do MP é que faziam o trabalho de campo e elaboravam laudos.
Enquanto
julguei improcedentes ações desse tipo, posso atestar que, em outras situações
que demandariam maior atuação institucional, estas não ocorreram. O MP é uma
das instituições que mais consome recursos públicos proporcionalmente ao número
de locais de atendimento ao público. É o dono da ação penal e tenta fazer isso
prevalecer, atualmente, no STF. Mas, precisa assumir suas responsabilidades
institucionais para evitar a difusão das milícias e novas ocorrências como a da
Muzema: devastação ambiental, construções irregulares e mortes por diversos
motivos, dentre os quais desabamentos.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 27/04/2019. pag. 9. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2019/04/5636806-joao-batista-damasceno--muzema-e-mp.html#foto=1
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