Em uma surpreendente intervenção que procura
limitar o emergente setor de análise preditiva[1] de decisões judiciais, o
governo francês proibiu a publicação de informações estatísticas sobre as
decisões dos juízes - com pena máxima de cinco anos para quem infringir a nova
lei.
Ao que tudo
indica, o mais afetado será o setor de tecnologia, onde empresas estabelecidas
e startups com foco em análise de litígios são os mais
propensos a sofrer com essa nova medida.
A nova legislação, incluída no Artigo 33 da Lei de
Reforma da Justiça Francesa[2], visa impedir que qualquer pessoa -
especialmente empresas jurídicas de tecnologia focadas em análise preditiva -
revelem publicamente o padrão de comportamento dos juízes em relação às
decisões judiciais.
A norma também fala sobre a obrigação de ocultar,
nas decisões, nomes e sobrenomes de partes, terceiros e magistrados:
"Sob reserva
das disposições especiais que regem o acesso e a publicidade das decisões
judiciais, as decisões são disponibilizadas gratuitamente ao público em formato
eletrônico.
(...)
"Os nomes e
apelidos das pessoas singulares mencionadas no acórdão, quando são partes ou
terceiros, serão ocultados antes da disponibilização ao público. Quando sua
divulgação é suscetível de prejudicar a segurança ou o respeito à privacidade
desses envolvidos, também será ocultado qualquer elemento que permita
identificar partes, terceiros, magistrados e membros do Judiciário."
E versa sobre a proibição de análises preditivas:
" Os dados de
magistrados e membros do Judiciário não podem ser reutilizados com o propósito
ou efeito de avaliar, analisar, comparar ou prever suas práticas profissionais
reais ou potenciais. "
Louis Larret Chahine, co-fundador da Predictive,
tradicional empresa de predição francesa, manifestou-se a respeito[3]:
"Esse tipo
de lei é uma desgraça para uma democracia. A Justiça é usada em nome do povo,
tentar esconder informações de agentes da lei ou de cidadãos nunca será a coisa
certa a fazer.
O movimento do
governo aberto não deve desacelerar. Muitos congressistas [franceses] afirmam
ser pró-startups, é hora de provar isso e permitir que todos tenham acesso à
jurisprudência, já que a "Loi pour une République numérique" votada
em 2016 assim previu.
Mais de 2.000
advogados e uma grande maioria de empresas de seguros (Axa, Allianz, Covéa) ou
grandes entidades (Bouygues, BNP) estão usando diariamente o Predictice para
vários propósitos e esta lei absolutamente não os afetará.
Nossa missão
continua a mesma: simplificar a maneira como as pessoas pesquisam e entendem
informações legais. Encontraremos outras maneiras de fornecer informações
abrangentes, permitindo análises nos tribunais, mas não levando em conta o nome
do juiz, por exemplo.
Nós sempre
escolheremos iluminação sobre a escuridão, informação sobre o
obscurantismo."
Ao que tudo indica, esse é o primeiro exemplo desse
tipo de proibição no mundo.
Interessante mencionar que não está claro na nova
legislação se, por exemplo, um escritório de advocacia, caso solicitado por um
cliente, pode, de maneira manual ou usando algum sistema de processamento de
linguagem natural, coletar dados sobre o comportamento de um juiz em casos
anteriores e criar um modelo estatístico para uso por esse cliente, desde que
os resultados não sejam divulgados para terceiros.
https://cleorbete.jusbrasil.com.br/artigos/717166477/franca-proibe-predicao-baseada-em-sua-jurisprudencia-com-pena-de-ate-5-anos-de-prisao?fbclid=IwAR0zG--FT7izu-bVUbw1d7jp4aS6aGPZ2yOrrMZXX4PWZIdiveoiOx2g9Uw
Matéria relacionada:
http://www.lawgorithm.com.br/2019-06-04-reforma-judiciaria-francesa-jurimetria/?fbclid=IwAR3OzJeO2hqNO1WLQLdIY8nJeErZK7SM2XYoXPKckQqW65eXRwBhHSS_TM4
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Referências
[3] https://www.artificiallawyer.com/2019/06/05/frances-controversial-judge-data-ban-the-reaction/
Graduado em Tecnologia da Informação, bacharelando em Direito, pós-graduado em Segurança da Informação, pós-graduado em Direito Digital & Compliance, pós-graduando em Computação Forense & Perícia Digital, mestre (com louvor) em Modelagem Computacional de Sistemas, servidor da Justiça Eleitoral, professor convidado para graduação, pós-graduação e mestrado das Universidades Estadual e Federal do Tocantins, Damásio (SP) e Mackenzie (SP) em Direito Digital, Compliance e Ciência da Computação, professor visitante da New York Law School (EUA) e do Instituto Politécnico de Beja (Portugal), membro pesquisador da Comissão de Direito Digital da OAB/SP e do Grupo de Estudos em Direito Digital & Compliance da FIESP, e autor de obras sobre Tecnologia e Direito. Site oficial: www.cleorbete.com.