quarta-feira, 5 de junho de 2019

França proíbe predição baseada em sua jurisprudência, com pena de até 5 anos de prisão


Em uma surpreendente intervenção que procura limitar o emergente setor de análise preditiva[1] de decisões judiciais, o governo francês proibiu a publicação de informações estatísticas sobre as decisões dos juízes - com pena máxima de cinco anos para quem infringir a nova lei.
Ao que tudo indica, o mais afetado será o setor de tecnologia, onde empresas estabelecidas e startups com foco em análise de litígios são os mais propensos a sofrer com essa nova medida.
A nova legislação, incluída no Artigo 33 da Lei de Reforma da Justiça Francesa[2], visa impedir que qualquer pessoa - especialmente empresas jurídicas de tecnologia focadas em análise preditiva - revelem publicamente o padrão de comportamento dos juízes em relação às decisões judiciais.
A norma também fala sobre a obrigação de ocultar, nas decisões, nomes e sobrenomes de partes, terceiros e magistrados:
"Sob reserva das disposições especiais que regem o acesso e a publicidade das decisões judiciais, as decisões são disponibilizadas gratuitamente ao público em formato eletrônico.
(...)
"Os nomes e apelidos das pessoas singulares mencionadas no acórdão, quando são partes ou terceiros, serão ocultados antes da disponibilização ao público. Quando sua divulgação é suscetível de prejudicar a segurança ou o respeito à privacidade desses envolvidos, também será ocultado qualquer elemento que permita identificar partes, terceiros, magistrados e membros do Judiciário."
E versa sobre a proibição de análises preditivas:
" Os dados de magistrados e membros do Judiciário não podem ser reutilizados com o propósito ou efeito de avaliar, analisar, comparar ou prever suas práticas profissionais reais ou potenciais. "
Louis Larret Chahine, co-fundador da Predictive, tradicional empresa de predição francesa, manifestou-se a respeito[3]:
"Esse tipo de lei é uma desgraça para uma democracia. A Justiça é usada em nome do povo, tentar esconder informações de agentes da lei ou de cidadãos nunca será a coisa certa a fazer.
O movimento do governo aberto não deve desacelerar. Muitos congressistas [franceses] afirmam ser pró-startups, é hora de provar isso e permitir que todos tenham acesso à jurisprudência, já que a "Loi pour une République numérique" votada em 2016 assim previu.
Mais de 2.000 advogados e uma grande maioria de empresas de seguros (Axa, Allianz, Covéa) ou grandes entidades (Bouygues, BNP) estão usando diariamente o Predictice para vários propósitos e esta lei absolutamente não os afetará.
Nossa missão continua a mesma: simplificar a maneira como as pessoas pesquisam e entendem informações legais. Encontraremos outras maneiras de fornecer informações abrangentes, permitindo análises nos tribunais, mas não levando em conta o nome do juiz, por exemplo.
Nós sempre escolheremos iluminação sobre a escuridão, informação sobre o obscurantismo."
Ao que tudo indica, esse é o primeiro exemplo desse tipo de proibição no mundo.
Interessante mencionar que não está claro na nova legislação se, por exemplo, um escritório de advocacia, caso solicitado por um cliente, pode, de maneira manual ou usando algum sistema de processamento de linguagem natural, coletar dados sobre o comportamento de um juiz em casos anteriores e criar um modelo estatístico para uso por esse cliente, desde que os resultados não sejam divulgados para terceiros.

Texto disponível no site:








Referências


[3] https://www.artificiallawyer.com/2019/06/05/frances-controversial-judge-data-ban-the-reaction/






Graduado em Tecnologia da Informação, bacharelando em Direito, pós-graduado em Segurança da Informação, pós-graduado em Direito Digital & Compliance, pós-graduando em Computação Forense & Perícia Digital, mestre (com louvor) em Modelagem Computacional de Sistemas, servidor da Justiça Eleitoral, professor convidado para graduação, pós-graduação e mestrado das Universidades Estadual e Federal do Tocantins, Damásio (SP) e Mackenzie (SP) em Direito Digital, Compliance e Ciência da Computação, professor visitante da New York Law School (EUA) e do Instituto Politécnico de Beja (Portugal), membro pesquisador da Comissão de Direito Digital da OAB/SP e do Grupo de Estudos em Direito Digital & Compliance da FIESP, e autor de obras sobre Tecnologia e Direito. Site oficial: www.cleorbete.com.