Proclamada a República, Ruy Barbosa tinha dificuldade de
convencer os ministros do Supremo Tribunal Federal sobre a
inconstitucionalidade de leis contrárias à Constituição. É que os ministros do
STF eram os mesmos que vinham do Império e, neste, a sanção do Imperador
excluía qualquer vício no processo de elaboração das leis. A sanção pelo
Imperador de um projeto de lei inconstitucional ao invés da sua nulidade,
elevava a lei inconstitucional à categoria de Emenda à Constituição. O novo
sistema não foi entendido pelos velhos ministros imperiais na nova ordem
republicana.
A afronta ao Poder Judiciário foi permanente durante a
Primeira República. Culpa em parte dos seus membros que não se colocaram à
altura das prerrogativas pelas quais deveriam zelar. Quando a Marinha se voltou
contra os abusos que o Marechal Floriano Peixoto praticava, muitos opositores
foram presos e Ruy Barbosa impetrou habeas corpus em favor dos presos mantidos
nesta condição ilegalmente. O Marechal de Ferro mandou um recado aos ministros do
STF, perguntando quem lhes deferiria habeas corpus se eles deferissem habeas
corpus aos seus presos. Se em alguns momentos tivemos juízes que, em nome da
prudência, ficaram na sombra e deixaram as garantias ser solapadas, também
tivemos outros que se expuseram e dignificaram a toga que vestiram.
Um juiz no Rio Grande do Sul declarou a inconstitucionalidade
de um artigo do Código de Processo Penal Gaúcho, para o descontentamento do
todo poderoso caudilho Júlio de Castilho. O juiz chegou a ser processado criminalmente.
A imprensa dava razão a Júlio de Castilho. Como um juiz ousava declarar a
inconstitucionalidade de uma lei que tivera a aquiescência do caudilho? Até
Machado de Assis se posicionou contra o juiz. Mas, o magistrado sabia o que
estava fazendo, resistiu, respondeu ao processo e ao final foi absolvido.
Foi a politização da justiça, os convescotes nos quais
determinados magistrados se enfiaram e a pusilanimidade de muitos o que
possibilitou ao Exército atuar como poder moderador durante a República, até a
ocorrência da malsinada noite iniciada em 1964 e que durou 21 anos, cuja
atuação das forças armadas deixou as fardas sujas com o sangue daqueles que
foram torturados e mortos em suas dependências.
Mas o Poder Judiciário, também teve e tem magistrados com
elevadas concepções de suas funções. Após a criação da Petrobrás, os interesses
contrários ao povo brasileiro levou Getúlio Vargas ao suicídio e tentou-se um
golpe no sucessor eleito. Num habeas corpus impetrado em 1955 as duas visões de
magistratura estiveram expostas num julgamento: de um lado o ministro Ribeiro
da Costa e de outro o ministro Nelson Hungria que disse não deferiria liminar
contra o Exército, porque as armas dos militares eram de verdade e as espadas
do STF eram meros adereços no teto.
O ministro Ribeiro da Costa, na presidência do STF em 1965,
foi quem alertou o Marechal Castelo Branco do descumprimento de habeas corpus
pelo general envolvido na criação do primeiro grupo de homens autorizados a
matar no Distrito Federal, ainda em 1958, origem das milícias. O
marechal-presidente mandou cumprir a decisão do STF. Mas, a linha dura se
vingou posteriormente decretando o AI-5 e cassou os ministros do STF que
apoiaram o ministro Ribeiro da Costa. Os seguidores da linha dura ainda hoje assombram
a democracia e o Estado de Direito. Mas, ainda há juízes no Brasil!
Fonte: Publicado originariamente
em 20/06/2020. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2020/06/5936773-joao-batista-damasceno--judiciario--o-poder-que-mais-falhou.html
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