A ocupação das
instituições brasileiras no presente momento, sem preocupações republicanas,
apoiada por um povo “terrivelmente evangélico”, desvela um embate que permanece
no Brasil desde épocas remotas. “Entre a Cruz e a Espada” era a alternativa
perversa de subordinação aos ‘Senhores de Engenho’ ou aos padres no
Brasil-Colônia. Para reduzir o poder da Igreja, Marquês de Pombal expulsou os
jesuítas do Brasil em 1759. Após a independência, Dom Pedro I outorgou a
Constituição de 1824 “em nome da Santíssima Trindade”. A ‘Questão Religiosa’
opôs parcela da Igreja a Dom Pedro II e contribuiu para a Proclamação da
República.
O Estado
brasileiro se afirmou a trancos e barrancos em oposição aos poderes
tradicionais do patriarcado e do clero. Getúlio Vargas golpeou os coronéis
instituindo o voto feminino em 1932. Mas, reforçou o poder da Igreja, pois os
padres passaram a cabalar o voto das fiéis nos confessionários.
O judiciário não ficou de fora. Os crucifixos nos tribunais foram naturalizados
e desconsiderado o desrespeito aos praticantes de outros credos. Em 1949 o STF
considerou ilegítimo o funcionamento público da Igreja Católica Apostólica
Brasileira, porque competia com o clero de fidelidade romana, e ratificou o ato
da polícia que os proibira.
O poder dos padres no interior do Brasil era abusivo, pois se consideravam donos das cidades. Ainda se encontram pelo interior cemitérios ‘administrados’ pela Igreja, à custa do erário, com divisão entre a área nobre destinada aos ‘fiéis do padre’ e outra aos praticantes dos demais credos. A perseguição aos ‘crentes evangélicos’ sempre foi implacável. Em 1952, em Varre-Sai/RJ, o padre instou o delegado a proibir um culto público, sob o fundamento de que a praça era terra de São Sebastião, portanto particular da Igreja. E enquanto badalava o sino para atrapalhar o culto alheio, seus seguidores dispersaram os “excomungados” com bombas de pólvora e pedradas. Em Santo Antônio de Pádua/RJ, a Igreja ajuizou ação reivindicando as áreas públicas do município. O processo está no Museu da Justiça. Na década de 50, em Santa Margarida/MG, o padre Galdino dissolvia cultos públicos dos ‘crentes evangélicos’ a bala. Para realizá-los era necessária autorização e segurança da polícia, que nem sempre estava disposta a atender.
O protestantismo europeu é racional, data da Idade Moderna e é o fundamento do
capitalismo. Uma das teses luteranas tratava da separação da Igreja e do
Estado.
O ‘evangelismo
pentecostal’ no Brasil advém do sul escravista dos EUA. Daí sua aversão aos
cultos de matriz africana. Dissemina preconceitos fundados em sua origem e em
leituras descontextualizadas de trechos de suas bíblias. Mas serviu para elevar
pessoas humildes da condição de meros expectadores da missa a ‘protagonistas da
palavra’. O ‘evangelismo pentecostal’ apesar de rude, retrógrado e primitivo
deu voz a quem não a tinha. Assim, meros ‘repetidores de ladainha’ tornaram-se
‘cidadãos com fala’, pregadores, testemunhas de milagres e doutrinadores sobre
costumes. É uma espécie de cidadania fake, porque permite a fala, mas não
assegura direitos.
Protestantes,
evangélicos, pentecostais e neopentecostais são correntes diferentes do
cristianismo não católico. Oprimido, perseguido e ressentido este povo
“terrivelmente evangélico”, sem valores republicanos e sem concepção do que
seja o Estado de Direito, é a massa de manobra ideal para os donos do poder. E
por não exercitarem a dúvida que propicia o conhecimento, apegam-se - com a
certeza da fé - a lutas imaginárias entre o bem o mal. Sob a ordem de seus pastores
atuam como ovelhas integradas num rebanho e cerram fileiras ao lado do que
acreditam ser o bem, ainda que seja o que destruirá seus direitos e seu país.
Se não mudarmos o rumo da história nos tornaremos uma Somália.
Publicado
originariamente no jornal O DIA, em 01/08/2020. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2020/07/5962103-joao-batista-damasceno---terrivelmente-evangelicos---terrivelmente-contra-os-direitos.html
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