No início do século 20,
o Rio de Janeiro era foco de diversas doenças, tais como febre amarela, febre
tifoide, impaludismo, varíola, peste bubônica e tuberculose. A febre amarela e
a varíola eram as principais causas de mortes. As tripulações de navios com
destino a Buenos Aires, que paravam para desembarque de passageiros, por medo,
não desciam. O Rio de Janeiro já foi a Cidade Pestilenta. Somente mais tarde
tornou-se Cidade Maravilhosa.
Em 1902 foi eleito o
presidente Rodrigues Alves e nomeou Pereira Passos para prefeito, para reurbanizar
e sanear a cidade, e o médico Oswaldo Cruz para diretor da Saúde Pública.
Assim, iniciaram-se grandes obras, alargamento de ruas, avenidas e o combate às
doenças. Tal como as grandes obras para os Jogos do PAN em 2007, Jogos
Militares de 2011, Olimpíadas de 2012 e Copa da FIFA de 2014 a população pobre
foi desrespeitada e seus casebres e cortiços demolidos, restando-lhe ocupar os
morros e incrementar as favelas.
As demolições acentuaram
a crise habitacional e encareceram os alugueis. O médico Oswaldo Cruz impôs
vacinação obrigatória contra a varíola e os agentes de Saúde saíam acompanhados
da polícia submetendo as pessoas à vacinação forçada. A campanha de saneamento
e vacinação se realizou com extremo autoritarismo. As casas eram invadidas e
vasculhadas.
Além de não ter havido
qualquer campanha para esclarecer sobre a importância da vacina e da higiene,
políticos, militares de oposição e religiosos fizeram campanha contra a vacina.
Difundiam boatos, ironizavam os cientistas e duvidavam da eficácia do remédio.
A boa fé e ignorância do povo foi largamente explorada.
No início do século 20,
as pessoas se vestiam cobrindo todo o corpo. Daí que os religiosos propagaram
era imoralidade expor os braços das mulheres para lhes aplicar a injeção. Os
líderes religiosos costumam estar do lado errado da história. Foram eles que
crucificaram Cristo. Pilatos, o governador Romano, apenas lavou as mãos diante
da morte de quem deveria ter a vida preservada
Desde a Regência, em
1837, entre os reinados de D. Pedro I e D. Pedro II a vacina contra a varíola
era obrigatória para crianças. No Segundo Reinado, de D. Pedro II, em
1846, foi instituída a obrigatoriedade para adultos. Mas esta obrigatoriedade
não era cumprida, pois a produção da vacina em escala industrial no Rio de
Janeiro somente começou no final do Império, em 1884.
Incentivados por líderes
oportunistas e desconfiados com o governo por causa das remoções, a população
saiu às ruas contra os agentes da Saúde Pública e a polícia entre os dias 10 e
16 de novembro de 1904. O Rio de Janeiro foi transformado numa praça de guerra
com bondes derrubados e edifícios depredados. O movimento foi contido e a
obrigatoriedade foi substituída por restrições a direitos para quem não se
vacinasse. Somente quem comprovasse ser vacinado poderia celebrar contrato de
trabalho, ser matriculado em escolas, casar e viajar.
Se a história acontece e
se repete, na primeira vez é tragédia e na segunda é farsa. E a farsa não é
produzida pelos opositores do governo contra os interesses da população, mas
pelo próprio governo que deveria velar pelo interesse público. Mas, o STF
proferiu esta semana importantes decisões. Declarou que estados e municípios
podem importar vacina de países que já as aplicam, se a Anvisa, politizada, não
liberar o registro no prazo, declarou válidas as restrições a quem não se
vacinar e rejeitou recurso para desobrigar pais a vacinarem os filhos. As
companhias aéreas já anunciam que não transportarão quem não tiver se vacinado.
Outras empresas também poderão impor restrições.
Vacina é palavra
derivada de vaca, de onde eram retirados líquidos imunizadores. Em 1904 as
pessoas foram incentivadas a rejeitá-la porque foi difundido o boato de que
quem se vacinava ficava com feições bovinas. É estranho ver no século 21
pessoas agindo com irracionalidade animal, em tempo de fácil apreensão de
conhecimentos científicos, tal como gado a caminho do matadouro.
Publicado em 19/12/2020,
no jornal O DIA. Link:
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