As confissões que começam a ser publicadas em
livro informando que o impeachment da ex-presidente Dilma e a prisão do
ex-presidente Lula tiveram articulação com os quartéis é faceta da história que
precisa ser passada a limpo. Isto decorre da inacabada transição negociada ao
fim da ditadura empresarial-militar. De tal articulação decorreu o conluio
revelado pelo jornal The Intercept entre membros do Ministério Público,
magistrados e empresas de comunicação. E isto deveria nos preocupar a todos.
Em julgamento a pedido de procuradores da
República, que pretendiam impedir acesso a mensagens trocadas entre eles e o
ex-juiz Sérgio Moro, a ministra Carmen Lúcia ressaltou que as mensagens
captadas ilegalmente por hackers e apreendidas pela justiça é da ciência de
juízes, Ministério Público e polícia e que somente a defesa não tivera acesso.
O ministro Gilmar Mendes citou artigo publicado no New York Times dizendo que a
Operação Lava Jato “se vendia como a maior operação anticorrupção do mudo,
porém se revelou o maio escândalo judicial da história”. Não sei se foi o maior
escândalo judicial. Mas, é o melhor documentado.
Tudo o que fizeram é escandaloso.
Pretenderam, pela via judiciária, incriminar e excluir grupo politico de
participação do jogo democrático. O Estado brasileiro se comporta como se a
liberdade fosse um “benefício concedido” a quem merece o agraciamento. Mas, a
regra é a liberdade e somente em casos explicitados em lei pode ser
excepcionada. Os cidadãos podem tudo o que a lei não proíbe. O Estado somente
pode o que a lei manda. Este é um princípio republicano que ainda não foi
‘naturalizado’ entre nós. Não praticamos o princípio de que o poder emana do
povo, cujo exercício pode ser direto ou por meio de seus representantes, de
acordo com a vontade e interesses daquele.
Defender a vida e julgamentos justos é dever
de todos os que têm compromisso com a civilidade. Precisamos tomar como
parâmetro a atuação de Miguel de Unamuno, reitor da Universidade de Salamanca,
que em 1936, deu resposta aos fascistas que sob o aplauso do general
Milan-Astray, gritavam "Viva a morte!" enquanto ele defendia a vida,
a Ciência, a Cultura, a razão e o Direito.
Unamuno dirigiu-se aos propagadores do ódio e
lhes disse: “Acabo de ouvir o necrófilo e insensato grito de "Viva a
morte!" (...). O general Milan-Astray é um inválido. Não é necessário
dizer isso com um acento pejorativo pois é, de fato, um inválido de guerra.
Cervantes também o foi. Mas extremos não servem como norma. (...) De um mutilado
que careça da grandeza espiritual de Cervantes (...) é de se esperar que
encontre um terrível alívio vendo multiplicarem-se os mutilados ao seu redor”.
E diante do general inválido (há sempre um
general inválido tramando contra a democracia) arrematou: “Vencereis porque
tendes sobrada força bruta. Mas não convencereis porque para convencer há que
persuadir. E para persuadir lhes falta algo que não tendes: razão e direito”.
Dias depois o ditador Francisco Franco demitiu Unamuno do cargo de reitor da
Universidade de Salamanca. Em outubro de 2011, Unamuno foi reconduzido
postumamente ao cargo do qual fora destituído pelos fascistas.
As reparações históricas são necessárias para
evitar se repitam como farsa. Mas, igualmente as responsabilizações. O deputado
Paulo Ramos propôs na Câmara de Deputados o projeto de lei instituindo o dever
de reparação por demanda opressiva. O PL 90/2021 precisa ser aperfeiçoado para
incluir os casos de assédio judicial individualizado e as condutas indevidas de
agentes públicos, para importunar os cidadãos ou outros agentes públicos, em
decorrência do cumprimento de seus deveres.
A transição que se fez para a democracia não
pode conviver com os esqueletos insepultos da repressão que jazem nos esgotos e
porões sombrios dos órgãos que serviram à repressão. Tampouco com a intromissão
fardada nas instituições democráticas. Os que quiserem ocupar a tribuna da
democracia que tirem suas fardas, capas ou togas e aguardem quarentena. Que não
usem as instituições para promoção pessoal e defesa de interesses escusos. É
uma deslealdade com a cidadania a ocupação dos cargos e postos para fazer
política. É uma vilania, ante a desigualdade com os demais cidadãos.
Fonte: Publicado no jornal O DIA em 13/02/2021. https://odia.ig.com.br/opiniao/2021/02/6084524-joao-batista-damasceno-tirem-fardas-capas-e-togas-para-subir-nas-tribunas.html
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