A incursão
da Core no Jacarezinho propiciou 28 mortes no último dia 6. Trata-se da mais
letal operação policial da história do Rio de Janeiro. Há dúvida se houve
efetivo confronto e exercício de legítima defesa. Os precedentes da polícia em
diversas outras ocorrências é o fundamento da dúvida. Desta vez não foi o Bope,
nem o BPChq cujo comandante reivindicou, em 2019, a autoria de 15 mortes no
Morro do Fallet indevidamente atribuídas a outra unidade policial.
Mas, a
polícia não deve ser sozinha responsabilizada por suas violências. Os que
pensam para ela e lhes formulam as justificações são igualmente responsáveis. A
polícia violenta, mas incorruptível, retratada no filme ‘Tropa de Elite 1’,
decorre de uma concepção da “boa polícia” da qual falam o sociólogo Luiz
Eduardo Soares da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e o
antropólogo Roberto Kant de Lima da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde
criou curso de Segurança Pública. Em suas formulações, a “boa polícia” há de
ser incorruptível, mas pode ser violenta. Em suas opiniões, corrupção é uma
opção; é um desvio pessoal. Mas, a violência é um desígnio inevitável da
atuação policial.
A operação
no Jacarezinho foi em si uma afronta à civilidade e aos poderes constituídos,
notadamente ao STF. Os tempos são sombrios. Falta controle externo da atividade
policial. Da nota publicada pelo Ministério Público constou que “O MPRJ informa
que a operação realizada nesta data na comunidade do Jacarezinho foi comunicada
à Instituição logo após o seu início, sendo recebida às 9hs. A motivação
apontada para a realização da operação se reporta ao cumprimento de mandados
judiciais – processo 0158323-03.2020.8.19.0001 - de prisão preventiva e de
buscas e apreensão no interior da comunidade, sabidamente dominada por facção
criminosa”. Mas, o mandado para prisão preventiva determinado em 28/04 pela 19ª
Vara Criminal não compreendia autorização para matar quem ainda não fora
julgado.
Não se pode
negar o direito à legítima defesa. É a defesa da própria vida em detrimento da
vida ou incolumidade física de um agressor injusto. Mas, não se pode validar a
escalada da violência. O Estado brasileiro já sofreu condenações da Corte
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por suas violações em chacinas. As condenações
na CIDH não têm surtido efeito. Ela julga Estados. Igualmente não têm sido
eficazes os mecanismos nacionais de controle da violência do Estado.
A
Constituição da República atribuiu ao Ministério Público o controle externo da
atividade policial. Está no Art. 129, VII. Mas, é letra morta. Resta apelar
para o Tribunal Penal Internacional. O TPI julga indivíduos por crimes de
genocídio, de guerra, contra a humanidade e crimes de agressão.
Se é
guerra, que sejam os autores e partícipes submetidos à Convenção de Genebra. Se
não, e não é, sejam julgados por eventuais crimes contra a humanidade, assim
considerados os massacres, a desumanização, os extermínios e as execuções. Em
tal caso, tanto podem responder os que executam quanto toda a cadeia de comando
e de abstenção de controle que de qualquer forma concorram para os crimes.
Este artigo
é cópia quase integral de outro publicado nesta coluna em 16 de fevereiro de
2019, em que terminava propondo responsabilização de quem incentiva execuções,
o que me valeu um telefonema ameaçador do então governador, ex-juiz, que em
seguida me bloqueou nas redes sociais. Vou manter este artigo arquivado. As chacinas
não vão parar. Ao contrário. Serão intensificadas. Os tempos são sombrios e é
incontrolável a escalada da truculência estatal e paraestatal. Mas, para cada
nova chacina, ele será republicado com referência ao número de mortos, o local
das mortes, a força executora e o apelo para que a cadeia de comando seja
conjuntamente julgada pelo Tribunal Penal Internacional/TPI.
Publicado
originariamente no jornal O DIA, em 08/05/2021. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2021/05/6140572-joao-batista-damasceno-policia-fluminense-matou-mais-27.html
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