Poucas palavras têm suas
origens efetivamente conhecidas. A etimologia é o estudo da origem e história
das palavras, de onde surgiram e como evoluíram ao longo do tempo. E não faltam
polêmicas sobre algumas. Mas de uma temos referência da primeira vez em que foi
empregada. Trata-se da palavra ‘vandalismo’. Da palavra ‘vandalismo’ sabemos
onde e quem usou pela primeira vez. Foi o Padre Grégoire, deputado influente na
Constituinte francesa e membro da Convenção, período da Revolução Francesa que
antecedeu o Diretório e a ascensão de Napoleão Bonaparte. Ele a escreveu em
1794. Em seus relatórios o Padre Grégoire estigmatizou “o vandalismo e a
violência revolucionária do populacho que destrói patrimônio”.
O termo foi usado
correntemente depois da decapitação de Robespierre, a quem a alta burguesia
dizia ser “vandalista que se infiltrou entre nós”. Padre Grégoire compunha a
“Comissão dos Monumentos” ou “Comissão de Instrução Pública”, que tinha o
objetivo de apurar e denunciar a ‘barbárie’ e os ‘vândalos’ como forças hostis.
Além de apontar a violência dos revolucionários como nociva, inventariou “os
prejuízos resultantes da venda de bens nacionais” pela aristocracia.
A referência aos Vândalos já
era estigmatizada, pois se tratava do povo que o Império Romano havia expulsado
quando de sua expansão e que, ante o declínio deste, retornavam aos seus
territórios. Aliás, esta é a história de todos os pejorativamente nominados
como bárbaros. Bárbaro era, na ótica grega, qualquer povo que não falasse sua
língua e não compartilhasse sua cultura e forma de organização social. O termo
foi apropriado pelos romanos e se tornou modo de expressão pejorativa na
referência aos povos estrangeiros.
Gentio era apenas quem não
tinha a cidadania romana, mas bárbaro era quem - além de não ter a cidadania
romana - não compartilhava os mesmos valores. Numa sociedade excludente e
dividida, como é a brasileira, não é difícil compreender o que pensa a classe
dominante em relação aos excluídos, tratados como bárbaros a quem não se pode
garantir direitos.
A história registra como
feito heroico a expansão romana. Na verdade, o que tivemos foi pilhagem,
dominação e violência contra outros povos. A história que exalta a expansão
romana registra como invasões bárbaras o retorno do povo espoliado aos lugares
de origem dos seus ancestrais.
Os Vândalos compunham uma
tribo germânica oriental que contornou o atual território da Espanha,
possivelmente passando por Sevilha na Andaluzia visando à travessia do Estreito
de Gibraltar. Conquistado o norte da África, criaram um Estado com capital em
Cartago, onde hoje existe a Tunísia. Em 455 os Vândalos vingam-se da tomada e
dominação daquele território pelos romanos, desde as Guerras Púnicas. Assim,
atravessaram o Mediterrâneo e saquearam Roma. Bárbaros e Vândalos eram povos estigmatizados.
Vandalismo foi palavra criada pelo Padre Grégoire.
O que aconteceu em Brasília
no último dia 8 não pode ser classificado como vandalismo. Não se tratou de uma
turba aloprada e desorganizada destruidora de patrimônio público. Não se tratou
de um evento tal como se fosse um grupo de jovens bêbados em briga de rua na
saída de um baile na madrugada. Foi muito pior e é preciso juntar as peças do
quebra-cabeça para nos certificarmos do fenômeno com o qual estamos
efetivamente tratando. Foi terrorismo!
Terrorismo é um método que
consiste no uso de violência, física ou psicológica, por indivíduos ou grupos
políticos, contra a ordem estabelecida por meio de um ataque a um grupo
político, ao governo ou à população que o apóia, visando ao transtorno psicológico
que transcenda ao círculo das vítimas e se estenda a todos os indivíduos do
grupo ou habitantes do território.
Terrorismo é uma estratégia
política e não militar levada a cabo por grupos que não são fortes o suficiente
para efetuar ataques abertos, sendo utilizada em época de paz, conflito e
guerra. A intenção mais comum do terrorismo é causar um estado de medo na
população ou em setores específicos da população, com o objetivo de provocar
num inimigo político (ou seu governo) uma mudança de comportamento.
Vandalismo é mero crime de
dano. O que aconteceu foi terrorismo, pois se tentou, por meio de violência e
grave ameaça, depor um governo legitimamente constituído, bem como abolir o
Estado Democrático de Direito. Tratam-se de crimes contra as instituições
democráticas definidos no Código Penal.
A questão que se torna necessária não é, apenas, a responsabilização dos peões
do tabuleiro do xadrez já identificados. Claro que devem responder pelos atos
que incidiram diretamente e pelos quais contribuíram de qualquer forma. Mas em
tempo de guerra híbrida é preciso analisar a quem serviam, quem comandou e quem
facilitou a atuação.
O ovo da serpente começou a
ser chocado nos acampamentos tolerados, apoiados e incentivados pelos comandantes
militares. As Forças Armadas estão completamente implicadas no processo.
Prevaricaremos perante a história se, em nome da pacificação, não impormos
responsabilizações. É hora de passarmos a história republicana a limpo, a
começar pelo restabelecendo da redação original do Art. 42 da Constituição de
1988 que tratava dos servidores públicos militares, insuscetíveis de se
arvorarem como poder moderador.
Publicado
originariamente no jornal O DIA, em 14/01/2023, pag. 14. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2023/01/6555559-joao-batista-damasceno-nao-foi-vandalismo-foi-terrorismo.html
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