Este é o 500º
artigo que publico neste jornal, transcorrendo 15 anos. O primeiro artigo foi
publicado em 3 de maio de 2008 e escrevi sobre o fenômeno da espetacularização
dos julgamentos que se aprofundaria na sociedade brasileira. A prática se
disseminou, resultando na Operação Lava Jato. Naquele artigo abordei o perigo
do ajuste entre Judiciário, Ministério Público, polícia e mídia.
Outro tema
abordado com frequência foi a militarização da política de segurança e
extermínio de jovens pretos e pobres da periferia e favelas. Em junho de 2008,
os jornais anunciavam que o Exército ocupava o Morro da Providência e que o
governo federal havia recorrido da decisão judicial que determinara sua
desocupação, porque as Forças Armadas não se incluem nos órgãos de segurança
pública elencados no Art. 144 da Constituição.
A ocupação do
Morro da Providência pelo Exército culminou com o sequestro e entrega de três
jovens, que voltavam de um baile funk, a traficantes de um morro rival, onde
foram torturados, executados e ‘desovados’ em lugar ermo distante. Tal como no
‘Mito de Cassandra’, que predizia o futuro, mas ninguém acreditava em seus
prognósticos, não adiantou dizer sobre o que propicia a militarização da
política de segurança.
Aqueles que
retiraram os militares das Forças Armadas dos quarteis, e os colocaram em
atividades policiais, foram os que os trouxeram para a política e colocaram
para chocar o ovo da serpente que ameaçou as instituições nos últimos anos. Não
basta que sejam nobres as nossas intenções. Quem tem poder de decisão precisa
saber o efeito do que faz, precisa do indispensável senso de proporção, bem
como senso de responsabilidade.
As crônicas
registram ocorrências cotidianas e têm o desvalor do imediatismo, correndo o
risco da excessiva subjetividade. Mas o pouco registro nelas contido
possibilitam alguma reconstituição histórica. Analisando aquele período pelo
retrovisor é possível perceber relatos do descontentamento de parcela da
população com as políticas públicas divergentes das aspirações depositadas, até
o surgimento das Jornadas de Junho em 2013.
A implementação
de política de extermínio nas favelas e periferias, culminando com as ocupações
militares, com Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) e decretação de GLOs
(Garantia da Lei e da Ordem sob o comando das Forças Armadas), apenas
oficializou o que o aparato repressivo do Estado, não desmontado com a
redemocratização, continuava fazendo na periferia.
Desde 2003, os
anseios depositados - visando a transformações sociais e dignificação do mundo
do trabalho - foram frustrados e as políticas assistenciais, embora
garantidoras do pão de cada dia, eram mero paliativo. Para garantir o circo
foram direcionados vultosos recursos no patrocínio dos “Grandes Eventos” que
prometiam legados. O Brasil se tornou destino de três grandes ocorrências
desportivas sucessivas: Olimpíadas, Jogos Militares e Copa do Mundo de Futebol.
Empreiteiras sorriam, mas a insatisfação popular era crescente.
A tentativa de
demolição do antigo prédio que abrigou o Museu do Índio, para construção de
shopping e estacionamento para a Copa de 2014, foi o aglutinador das
insatisfações no Rio de Janeiro e propiciou as manifestações de 2013. Não foram
os R$ 0,20, nem apenas o prédio notabilizado por Berta Ribeiro, Darcy Ribeiro e
Marechal Rondon. Os motivos para as manifestações de 2013 também foram o
descontentamento com os rumos que o país tomava, desde a escolha do presidente
do Banco Central, gerando quebra das expectativas dos que empobreciam e tinham
a vida precarizada.
Os setores
progressistas, no exercício dos cargos, mas não no poder, colocaram-se como
gestores da iniquidade. Enquanto assumiam compromisso com a “ordem”
patrocinavam a desordem que empobrecia, torturava, executava e desaparecia com
pessoas, a exemplo do Pedreiro Amarildo. Descrentes e com expectativas
frustradas as massas reagiram à institucionalidade, via na qual depositavam
suas esperanças.
Mas os
“gestores da ordem”, compromissados com a ‘governabilidade’, não compreenderam
a manifestação anti-institucional extremamente forte que emergia com pujança
naquele junho de 2013 e tentaram sufoca-la. Incapazes de compreender a
expressão popular, criminalizaram os movimentos sociais. Isto acentuou a
desidentificação em curso e jogou a população para o lado daqueles que fizeram
discursos antiinstitucionais que resultaram no terraplanismo, anticiência e nos
atos terroristas de 8 de janeiro de 2023.
O descrédito no
qual aqueles governantes mergulharam propiciou a aglutinação das massas em
torno dos que entenderam a mensagem das manifestações e passaram a apregoar –
oportunisticamente – o fim da política e dos poderes do Estado encarregado de
políticas públicas.
Quem ocupa o
trono tem culpa. Quando Édipo descobriu que a desgraça que se abatia sobre
Tebas decorria do fato de ter matado seu pai e casado com sua mãe, não se
desculpou alegando desconhecer sua ascendência. Furou os próprios olhos e
partiu da cidade. Não adianta culpar os que ocuparam o vácuo deixado no seio
popular. É preciso que as responsabilidades sejam assumidas e ‘novos rumos’
traçados.
Publicado originariamente
no jornal O DIA, em 08/04/2023, pag. 14. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2023/04/6608295-joao-batista-damasceno-500-artigo-passando-pelas-jornadas-de-junho-de-2013.html
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