A indicação, pelo presidente da República, do advogado Cristiano Zanin
para o STF é antes de tudo a vitória do Estado de Direito e do direito de
defesa. Num momento de irresistível ascensão do fascismo, os que defendem as
liberdades precisam ser alteados. O papel dos advogados é mal compreendido.
Confunde-se a defesa do acusado com a defesa do fato imputado. Quando todos se
voltam contra um, resta apenas uma esperança: alguém que o defenda.
Em processos rumorosos atuam contra o acusado a polícia, o Ministério
Público, a mídia, a opinião pública, os diretamente interessados e, não raro,
os demais agentes do sistema de Justiça. Alguém precisa submeter o linchamento
ao devido processo legal e para isto existem os advogados. Quando independentes
e altivos, os advogados são essenciais para a democracia e Estado de Direito.
“O advogado é indispensável à administração da justiça”. Está na Constituição.
Advogados sempre foram malvistos pelos ditadores. Napoleão Bonaparte
fechou a instituição que agregava os advogados na França e mandou cortar a
língua de advogados que lhe faziam oposição. Hitler proibiu que os excluídos de
direitos fossem defendidos por advogados, a quem qualificava como figuras
desprezíveis. Mussolini, em uma só noite, mandou incendiar 40 escritórios de
advocacia.
No Brasil, o general-presidente
João Figueiredo, numa das suas declarações estapafúrdias chegou a sugerir que o
Maracanã fosse alugado para prender os advogados, como única forma de executar
sua política. Durante a ditadura empresarial-militar no Brasil, advogados foram
sequestrados e intimidados. Dentre as vozes que não se calaram durante o aquele
regime estão Sobral Pinto, Modesto da Silveira, Heleno Cláudio Fragoso, Marcelo
Cerqueira, Eny Moreira e o jovem Técio Lins e Silva.
O primeiro grande manifesto da sociedade civil contra o regime
empresarial-militar ocorreu em agosto de 1977, quando o professor Goffredo da
Silva Telles Junior, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, leu a
‘Carta aos Brasileiros’, na qual denunciava a ilegitimidade do governo e o
estado de exceção em que vivíamos. Na carta foi proclamada a necessidade de
restabelecimento do Estado de Direito e a convocação de uma Assembleia Nacional
Constituinte.
Reconhecendo que não mais representava a sociedade, o regime procurou
quem fosse seu interlocutor com ela. O papel coube ao presidente nacional da
OAB, Raimundo Faoro.
Em suas defesas, diante do lawfare que se institucionalizou nos últimos
anos, o advogado Cristiano Zanin atuou com desassombro. Em 2016 houve tentativa
do então juiz Sérgio Moro de atacá-lo durante uma audiência, um dia depois de
ter ajuizado uma ação contra o procurador do PowerPoint. O ex-juiz aproveitou
seu momento de exercício de poder que o cargo lhe conferia para ironizar a
defesa e sua linha de atuação. Em 2020 teve a casa alvo de mandado de busca e
apreensão emitido pelo juiz Marcelo Bretas, numa clara intimidação. Em janeiro
deste ano foi hostilizado em um banheiro no Aeroporto de Brasília. Impávido
como Muhammad Ali atuou com admirável paciência.
O advogado Cristiano Zanin é da estirpe do Sobral Pinto. Dr. Sobral
remeteu, em 18/09/1937, carta para Leocádia Prestes, que estava na Alemanha
nazista tentando repatriar a neta, filha de Olga com Luiz Carlos Prestes, onde
escreveu: “Perdemos o Dr. Lassance e eu, todo o dia de ontem no esforço, até
agora vão, de levar um tabelião ao presídio onde está o filho de V.Exa., a fim
de lavrar uma escritura pública de reconhecimento, por parte de Luis Carlos
Prestes, de sua filha Anita Leocádia. Só encontramos má vontade e medo. Todos
temem sofrer a campanha, que já está sendo feita contra mim, de serem
proclamados delegados do Comintern, a soldo de Stálin. Certamente V.Exa. já se
acha informada de mais esta perfídia inventada contra o modesto advogado, que,
fiel discípulo de Jesus Cristo, tem sabido, até este instante, colocar os
deveres de sua consciência religiosa acima de suas conveniências pessoais.
(...) Consolo- me, porém, com as declarações do filho de V.Exa. feitas de
público, de que ‘estando cercado, na Polícia Especial, só de vermes,
apareceu-lhe, afinal, um homem’. Este homem fui eu. Mais adiante, na sua defesa
oral, acrescentou: ‘O Sr. Sobral Pinto exerce a advocacia como um sacerdócio’. Que
mais poderei eu ambicionar nesta causa, da parte deste meu cliente ex-officio?
Da parte dos juízes e da administração quero muito mais ainda, pois, até agora,
não me atenderam no que venho pleiteando: Justiça”.
Advogados hão de ser como Sobral Pinto, Modesto da Silveira e Cristiano
Zanin em defesa de quem precisa ser defendido, em defesa das liberdades e da
democracia. Sua nomeação não é um prêmio por sua atuação, mas reconhecimento de
seu notável saber jurídico, reputação ilibada e compromisso com o Estado de
Direito. O STF ganha um elevado magistrado, talhado na defesa do direito de
defesa e o Brasil mais um ministro conhecedor do devido processo legal.
Ganhamos todos!
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 03/06/2023, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2023/06/6645146-joao-batista-damasceno-a-vitoria-do-direito-de-defesa-e-do-estado-de-direito.html
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