Na próxima segunda-feira, dia
28, pela manhã, ocorrerá, na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio
de Janeiro, um debate intitulado 'Direito à Vida: Reparação da Escravidão
Negra X Política de Extermínio'. O termo "política de extermínio"
foi cunhado em 2007, após as primeiras duas chacinas ocorridos à luz do
dia: a do Alemão e a da Coreia. Antes, as chacinas ocorriam nas noites ou
madrugadas. Naquela oportunidade, a sociedade civil, indignada, se mobilizou e
redigiu um manifesto que foi lido, publicamente, na Fundição Progresso, e
entregue a um observador da ONU, que veio ao Brasil analisar as
ocorrências.
Atrás de pesados óculos, o
então secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, declarou que o manifesto
era míope e que seria mantida a política que ele dizia ser "política de
confronto". Daquele modelo surgiram as UPPs e todos os seus
desmandos, bem como as ocupações militares das favelas e bairros da
periferia, responsáveis pelo retorno dos militares das Forças Armadas à
política nacional, desde que dela foram afastados após os 21 anos de ditadura
empresarial-militar.
Entre 1995 e 1998, o
governador Marcello Alencar, por proposta do então secretário de Segurança
Pública, general da reserva e deputado federal Nilton Cerqueira, editou
o decreto estadual 21.753/1995, que estabeleceu o que ficou popularmente
conhecido como "gratificação faroeste". A gratificação iniciou em
maio de 1995 e garantia o "pagamento por mérito" de 50% a 150%
do salário a policiais que se envolvessem em confronto.
Tratava-se de uma
gratificação aos policiais que participassem de operações "demonstrando
alto preparo profissional ao agirem com destemida coragem para alcançar o
sucesso das missões", ou seja, era o prêmio pela política de extermínio e
ganhava mais quem mais letalidade proporcionasse. Tal política igualmente
acentuou a morte de policiais em serviço. A prisão legal do criminoso não
era premiada, mas o confronto sim.
No governo anterior, de
Leonel Brizola, a gestão da política de segurança era voltada para a
defesa dos direitos humanos, tanto dos cidadãos quanto dos policiais, e foi
criticado pela banda podre das instituições. O general Cerqueira,
instituidor da "gratificação faroeste", foi quem chefiou a
operação da qual resultou a morte de Carlos Lamarca durante a
ditadura empresarial-militar. Diziam as autoridades que, diante da
corrupção nas instituições policiais, a oferta de dinheiro para o policial
entrar em confronto implicaria na recusa de dinheiro oriundo do crime
organizado. Logo surgiram 'policiólogos' teorizando que a violência é própria
das polícias e que apenas não podiam ser corruptas. O resultado
foi desastroso. As execuções policiais exponenciaram e eram registradas
como autos de resistência. Além da violência policial que estimulou,
igualmente ampliou a corrupção.
Não foram poucos os casos de
confronto forjado para recebimento da "gratificação faroeste".
Os grupos de extermínio se fortaleceram naquele período, dando origem
às milícias que hoje ocupam a cidade. Revisitando a "gratificação
faroeste", o Governo do Estado editou decreto no último dia 21 e anunciou
que pagará R$ 5 mil por cada fuzil apreendido pelas polícias. De acordo com o
governo, a medida é uma forma de premiar e incentivar que policiais retirem
armas de circulação no estado. A premiação será garantida mesmo aos
policiais que estiverem de folga e fizerem a apreensão. Somente os que
estiverem afastados por punição disciplinar não serão recompensados. Diz o
Estado que a medida é uma ação estratégica para redução da letalidade
policial.
Todo trabalhador tem o
direito a remuneração digna e merece reconhecimento pelos seus esforços.
Mas as opções que o Estado tem feito ao longo do tempo apenas ampliam
os vícios que se deveriam corrigir, a começar por atacar o problema na sua
origem, qual seja, o modelo de segurança. A "gratificação
faroeste" não reduziu a corrupção policial. Ao contrário, a manteve,
encareceu o 'arreglo' e ampliou as situações das quais resultaram mortes,
simulações de confronto e falsidades diversas para o recebimento do bônus.
A premiação por fuzil
apreendido igualmente poderá ser um tiro no pé. A apreensão de armas sem
uma política que seja efetivo obstáculo ao seu comércio ilegal traz
como benefício, apenas, o lucro das empresas produtoras e dos traficantes
de armas. Para cada arma ilegal apreendida, os traficantes de armas
disponibilizam outra para quem quiser e puder comprar. Um fuzil custa
algumas dezenas de milhares de reais nas mãos de um traficante de armas. A
premiação pela apreensão de fuzil poderá aquecer a indústria de armas,
encarecer o custo no comércio ilegal, bem como propiciar meios para
a comercialização por quem tiver feito a apreensão e pretender atuar fora
do marco legal recebendo valores, mais e imediatamente, das mãos de quem
queira adquirir ilegalmente. A gratificação somente será paga ao final de cada
semestre. "Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e
esperar resultados diferentes", disse Albert Einstein.
Publicado originariamente
no jornal O DIA, em 26/08/2023, pag. 11. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2023/08/6697575-a-volta-da-gratificacao-faroeste.html
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