Ontem, dia
08, comemoramos o Dia Internacional da Mulher. A história da data vem
sendo apropriada comercialmente e sobre ela se tem criado fantasias,
suprimindo a história de luta das mulheres componentes do Mundo do
Trabalho por melhores condições de vida e existência. A data é marco da
luta das mulheres operárias no início século XX, cuja atuação já se
acentuava anteriormente nos movimentos sindicais. Muito se fala sobre o
motivo de 8 de março ter sido escolhido o Dia Internacional da
Mulher, relacionando-o a um incêndio que matou 129 mulheres em uma
fábrica têxtil, em Nova York, em 1911. Mas a data foi motivada pela luta
operária e pelos movimentos políticos e torná-la um dia de festa é uma
maneira de apagar o protagonismo das mulheres na história. O mesmo
acontece com o Dia do Trabalhador, 01 de maio, que ao longo da história
foi dia de protesto em razão do enforcamento de quatro operários grevistas
em Chicago, em 1887. O 1º de maio se transformara em dia de protesto e greve
por todo o mundo e para esvaziar as manifestações foi instituído feriado e
se tem tentado transformar em dia festivo dos trabalhadores.
As versões
sobre fatos ou mitos sempre privilegiam os interesses majoritários.
Eduardo Galeano disse que "se Eva tivesse escrito o Gênesis, como
seria a primeira noite de amor do gênero humano? Eva teria esclarecido que
não nasceu da costela de Adão, nem conheceu nenhuma serpente, nem ofereceu
maçã a ninguém e que Deus nunca lhe dissera para parir com dor e nem que
haveria de ser dominada pelo marido". Eduardo Galeano conclui seu
texto dizendo que "todas essas histórias são mentiras que Adão contou
para a imprensa".
Há uma
tentativa de transformar o dia 8 de março apenas numa data de homenagens
às mulheres, apropriada pelo comércio. Mas se trata de data com raízes
históricas mais profundas.
Embora
oficializado pela Organização das Nações Unidas (ONU) apenas em 1975, o
Dia Internacional da Mulher é comemorado desde o início do século XX pelas
organizações de mulheres trabalhadoras. Hoje, em momento de desindustrialização
e crise no mundo trabalho, a data é cada vez mais lembrada como um dia
para a reivindicação de igualdade de gênero e manifestações ao redor do
mundo, aproximando-a de sua origem na luta das mulheres que trabalhavam em
fábricas desde o florescer da Revolução Industrial.
Na metade
do século XIX, as trabalhadoras e trabalhadores demonstraram ter tomado
consciência de sua posição de classe na sociedade e compreendido que toda
riqueza é produzida pelo trabalho e que, portanto, quem trabalha tem direito ao
resultado do que é produzido. A ideia de que somente o trabalho produz
riqueza não é de nenhum daqueles que escreveram o Manifesto Comunista de
1848. Mas de Adam Smith, economista liberal, que publicou, em 1776, o livro Uma
Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, mais
conhecido como A Riqueza das Nações. Daí é que os trabalhadores passaram a
reivindicar que a riqueza, produto do trabalho, fosse entregue a quem
trabalha e não aos detentores de capital.
A luta das
mulheres por igualdade de gênero desde o século XIX estava no contexto do
movimento operário para exigir a distribuição da riqueza socialmente
produzida e por melhores condições de trabalho, que para as mulheres eram
ainda piores que as condições dos homens.
Embora o
incêndio em Nova York, no dia 25 de março de 1911, na Triangle Shirtwaist
Company, que matou 129 mulheres, tenha efetivamente ocorrido e trazido à
tona as más condições enfrentadas por mulheres desde a Revolução
Industrial, a data não rememora aquele evento. Há registros anteriores a
esse episódio que trazem referências a reivindicações das mulheres para
que suas causas fossem incluídas nos movimentos de luta de todos os
trabalhadores. Se hoje a desigualdade de gênero ainda é acentuada, a situação da mulher era muito pior que a dos homens nas relações
de trabalho no século XIX e início do século XX. Uma grande
passeata realizada por mulheres socialistas em 26 de fevereiro de 1909, em
Nova York, reivindicava melhores condições de trabalho para as mulheres.
Em 1910, a alemã Clara Zetkin propusera, em reunião da Segunda
Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, a criação de um dia
internacional de manifestações das mulheres operárias por igualdade de
direitos. O primeiro dia oficial da mulher foi celebrado em 19 de março de
1911. Em 1913, as mulheres operárias nos EUA protestavam pela igualdade de
direitos trabalhistas, mas também pelo direito de votar. Na Rússia, em
1917, milhares de mulheres foram às ruas contra a fome e a guerra. Foi a
greve das mulheres operárias russas o pontapé inicial para a Revolução de
1917, que deu origem ao Dia Internacional da Mulher.
No início
do século XX, na Europa, crescia cada vez mais o movimento das mulheres
nas fábricas. Mas o 8 de março prevaleceu graças à onda de protestos das
mulheres russas. Após a revolução bolchevique, a data foi oficializada
entre os soviéticos como celebração da "mulher heroica
e trabalhadora" e foi difundida pelo mundo. 8 de março é o marco da
luta pela igualdade de gênero. Não é data de festa, mas de luta de quem
compõe o mundo do trabalho.
Publicado originariamente
no jornal O DIA, em 09/03/24, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2024/03/6806486-dia-internacional-da-mulher-historia-de-luta.html
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