As garantias conferidas aos
juízes para o exercício de suas funções com independência são tratadas,
por vezes, pelo senso comum ou até mesmo pela mídia, como privilégios de
uma categoria profissional. Dispõe a Constituição que os magistrados gozam
das garantias da inamovibilidade, vitaliciedade e da irredutibilidade de
suas remunerações. A crise institucional que se abateu sobre o país em
tempos recentes levou ao questionamento do que deveria ser um consenso da
sociedade para que os juízes pudessem lhes assegurar os direitos livres de
pressões externas ou internas.
Não fossem os juízes
inamovíveis, diante de uma causa que envolvesse o interesse de grupo
econômico em detrimento dos consumidores, bastaria remover o juiz e
designar outro que atendesse aos interesses do poder econômico. As causas
são distribuídas aos juízes por meio de sorteio. Assim, ninguém escolhe o
juiz da sua causa.
Na Primeira República,
período nefasto da história do Brasil encerrado com a Revolução de 1930,
quando tais garantias não existiam, não raro as remunerações dos juízes
eram cortadas, tornando-os reticentes diante do poder decorrente do
coronelismo, quando tinham que tomar alguma decisão cujos interesses
pudessem ser afetados. O Ministro do STF Victor Nunes Leal, cassado após a
edição do AI-5, escreveu um livro clássico intitulado Coronelismo, Enxada
e Voto, onde analisa tal questão com profundidade.
Após a Revolução de 30, foi
promulgada a Constituição de 1934. Mas durou pouco. Em novembro de 1937,
foi instituído o Estado Novo e uma Constituição de feição autoritária foi
outorgada. Mas mesmo diante daquela Constituição de feição autoritária
houve quem defendesse as garantias dos magistrados como indispensável à
segurança dos direitos dos cidadãos brasileiros.
Oliveira Vianna, que atuou
como consultor da Presidência da República e foi o responsável pela
instituição da Justiça do Trabalho no Brasil, posteriormente nomeado
ministro do Tribunal de Contas da União, teve a oportunidade de emitir
parecer onde afirmava a necessidade de garantias da magistratura, mesmo
naquele regime totalitário. Oliveira Vianna não qualificava o Estado Novo
como uma ditadura ou um regime totalitário. Ao contrário, dizia que se
tratava de uma democracia autoritária, onde o Chefe da Nação interpretava
e representava a Vontade Geral. Portanto, toda decisão dos órgãos e
poderes do Estado, mesmo as decisões judiciais, deveria estar em
conformidade com a vontade do chefe do Estado.
Mas Oliveira Vianna
ressalvava o perigo que poderia ser um regime no qual os juízes se
sentissem inseguros de desagradar ao ditador. E para que não fossem
tomados de tal sentimento, em prejuízo da realização dos direitos da
sociedade, haveriam de ser imunes a qualquer tipo de retaliação. Embora de
concepção autoritária e conservadora, as ideias de Oliveira Vianna
precisam ser revisitadas no presente momento, a fim de assegurar as
garantias à magistratura em proveito da sociedade.
Estudando os regimes
totalitários europeus dos anos 30, Oliveira Vianna afirma que em nenhum
deles os magistrados estavam sujeitos à hierarquia administrativa; em
nenhum estariam subordinados ou subalternos aos chefes dos Estados
totalitários. Disse que a restrição ao "livre movimento dos
magistrados no campo das suas atribuições" e sem
independência funcional da magistratura é impossível qualquer sistema
funcionar.
Na vigência dos regimes
totalitários, onde os poderes estavam enfeixados nas mãos do chefe do
Poder Executivo, o Presidente da República podia suspender, aposentar ou
demitir quaisquer funcionários cujo comportamento não lhe parecesse
adequado. O Estado num regime totalitário não é Estado de Direito, onde há
de viger a vontade impessoal da lei e não a vontade pessoal dos agentes
públicos. Mas, interpretando a Constituição outorgada de 1937, Oliveira
Vianna dizia que a "obediência pessoal do Chefe do Governo não pode
atingir os órgãos da magistratura". E concluía que mesmo a aposentadoria
autorizada naquela Carta autoritária somente se poderia fazer para os
funcionários administrativos "quando, pelas suas ideias e doutrinas,
estivessem em desacordo com os princípios do próprio regime".
"Mas não poderia fazer o mesmo em relação aos magistrados, pois que
estes não podem estar obrigados, órgãos de um poder político que são, ao
mesmo dever de obediência; obediência eles só devem à lei e à
Constituição", disse.
O parecer emitido pelo então
ministro do Tribunal de Contas da União, publicado em Ensaios Inéditos
pela Editora da Unicamp, nos coloca a questão de necessidade de
independência funcional dos juízes em prol da realização dos direitos e
garantias da sociedade. Num Estado Democrático de Direito, tal como
assegurado no art. 1º da Constituição da República, tais garantias não
comportam dúvida. Menos ainda por posicionamentos doutrinários dos
julgadores. Afinal, um dos princípios consagrados na Constituição é o da
pluralidade, sem o que não há que se falar em democracia.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 06/04/2024, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2024/04/6822685-garantias-da-magistratura-direito-da-cidadania.html
Até a Constituição, de 1988, dita "cidadã" pelo Ulisses Guimarães, as áreas da magistratura, do ministério público e das diversas "procuradorias", algumas preenchidas por nomeação simples do executivo, outras por concurso ....
ResponderExcluirAté a Constituição, de 1988, dita "cidadã" pelo Ulisses Guimarães, as áreas da magistratura, do ministério público e das diversas "procuradorias", algumas preenchidas por nomeação simples do executivo, outras por concurso ....
ResponderExcluir...pernitiam a prática da advocacia, pois exerciam atividade pública em tempo parcial. Após 88, houve reestruturação nas carreiras, daí a excelente melhoria salarial. A classe média branca, com acesso aos concursos, conseguiu....
ResponderExcluir....conseguiu ocupar tais cargos, agora protegidos pelas independênias financeira, administrativa e funcional. Porém, transformaram tais "proteções" em privilégios que não existem nos países mais desenvolvidos. Daí, nosso
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