Sempre que se coloca em discussão as contas públicas no
Brasil a primeira solução apresentada é o corte de gastos com programas sociais
ou despesas que poderiam propiciar a soberania nacional, dentre os quais
investimento em educação e ciência e tecnologia, além de saúde. O Brasil a nós
legado pelos Anos Vargas está sendo paulatinamente desmontado. Vargas criou a
Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) em 1942, Companhia Siderúrgica Nacional, em
1943, A Petrobras, em 1953 e João Goulart criou a Eletrobras (Centrais
Elétricas Brasileiras), em 1962. Em discurso quando da inauguração da CSN, o
presidente Vargas disse se tratar de símbolo da emancipação econômica do
Brasil. A base para o desenvolvimento nacional estava lançada.
A criação da Petrobras acirrou o ânimo dos entreguistas e
Vargas foi levado ao suicídio, conforme carta-testamento. Jango, que editou a
lei de desapropriação por interesse social, além de criar a Eletrobrás, foi
deposto por um golpe militar a serviço de interesses estrangeiros.
A lei editada por Jango considerava interesse social para
fins desapropriação os bens imóveis improdutivos; para instalação ou a
intensificação das culturas nas áreas em cuja exploração não se obedeça a plano
de zoneamento agrícola; para o estabelecimento de colônias ou cooperativas de
povoamento e trabalho agrícola: para a manutenção de possuidores de áreas onde,
tenham construído sua habitação, formando núcleos residenciais de mais de 10
(dez) famílias; para a necessidade de construção de casas populares; as terras
e águas suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão de obras e
serviços públicos e as áreas imprescindíveis à preservação de cursos e
mananciais de água e de reservas florestais.
Parte significativa dos projetos de Getúlio Vargas e João
Goulart, visando à soberania nacional e maior qualidade de vida para o povo
brasileiro, foi desmontado durante os governos militares instituídos pelo
conluio do empresariado nacional com o sistema internacional e militares
entreguistas ou simplesmente venais.
A redemocratização do país não implicou a retomada de
projetos que poderiam melhorar as condições de vida dos brasileiros. Um certo
grupo que se apresentou como “esquerda” tirou das mãos dos brasileiros
efetivamente nacionalistas e comprometidos com as transformações sociais as
bandeiras que empunhavam e ocuparam seu espaço na política, vindo a assumir o
poder sem que fosse para realizar as mudanças necessárias.
O país que tinha uma dívida externa contratada durante os
governos militares e que pagava juros de 1% a 3% comprou esta dívida dos
banqueiros internacionais e a internacionalizou, passando a pagar juros
superiores a 10%, já tendo superado em períodos recentes 13%.
O Brasil paga dois bilhões de dólares por dia de juros. Para
se ter a ideia do que significa isto, se um ganhador de um salário-mínimo
gastasse um real por segundo, acabaria seu dinheiro em vinte minutos, ou seja,
1412 segundos, mas para gastar um bilhão de reais seriam necessários 32 anos. O
Brasil paga nove milhões de salários-mínimos por dia, de juros aos banqueiros.
Mas para ajustar as contas o que se pretende é restrição aos Benefícios de
Prestação Continuada (BPC) e ao Bolsa Família, além dos direitos que serão
subtraídos dos trabalhadores. O BPC tem como alvo pessoas com baixa renda e
idosos em situação de vulnerabilidade que não contribuíram para a previdência
social e, portanto, não gozam de aposentadoria. É uma ajuda humanitária
prevista na Lei Orgânica de Assistência Social.
Também estão na mira da reforma as pessoas acometidas de
doenças graves, que hoje gozam da isenção do imposto de renda. As doenças que
dão direito a isenção do imposto de renda atualmente, e que deixarão de ter são
as seguintes: AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida); Alienação Mental;
Cardiopatia Grave; Cegueira (inclusive monocular); Contaminação por Radiação;
Doença de Paget em estados avançados (Osteíte Deformante); Doença de Parkinson;
Esclerose Múltipla; Espondiloartrose Anquilosante; Fibrose Cística
(Mucoviscidose); Hanseníase; Nefropatia Grave; Hepatopatia Grave; Neoplasia
Maligna; Paralisia Irreversível e Incapacitante e Tuberculose Ativa.
É uma perversidade com os brasileiros o pacote fiscal que se
pretende implementar e o problema brasileiro não é a carga tributária. Há
vários países com carga tributária superior à brasileira. O nosso problema é a
matriz tributária. Tributa-se a renda do trabalho e o consumo, inclusive sobre
bens essenciais à vida. Mas as rendas de capital não são tributadas. Uma pessoa
de classe média que tenha um imóvel alugado pode pagar 27,5% de imposto de
renda. Uma pessoa que tiver 10 imóveis alugados poderá constituir uma
imobiliária, lançar todas as suas despesas na conta da empresa e pagar 10%
sobre o lucro, se tiver, no final do ano. Mas uma pessoa que tenha 1.000
imóveis pode constituir um Fundo Imobiliário de Investimento e nada pagará de
imposto de renda. Quem paga tributo é a classe trabalhadora, notadamente a
classe média. E a responsabilidade não é, tão somente, do ministro Haddad. Ele
não foi eleito; não é o presidente da República. A diretriz para a justiça
fiscal há de ser dada por quem foi eleito, quem seja, o Presidente Lula.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 14/12/2024, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2024/12/6969720-joao-batista-damasceno-o-pacote-de-maldade-e-a-carga-tributaria.html