domingo, 26 de janeiro de 2025

PATRIOTAS, ENTREGUISTAS E NACIONALISTAS

Napoleão Bonaparte perguntou a um soldado quantas patas teria um cavalo se o rabo fosse considerado uma pata. A resposta foi que teria cinco patas. Napoleão o corrigiu dizendo que mesmo considerando o rabo do cavalo como uma pata, ele continuaria com quatro patas. Pouco importam as considerações pessoais e juízos de valor afastados da realidade. Esta é objetiva e se nos impõe, embora também sejamos agentes da história. Estamos subordinados às condições que nos rodeiam e condicionados ao modo de vida de nosso tempo, mas também fazemos a história. Para sermos agentes da história havemos de conhecer a realidade a ser transformada, a começar pelos conceitos do que afirmamos. As palavras, por diversas, expressam conceitos distintos. E neste momento em que os patrioteiros discursam e rezam para pneus ou extraterrestres, precisamos distinguir os nacionalistas dos patriotas.

Nação é um conjunto de pessoas vinculadas por valores comuns. Os membros de uma nação não precisam ocupar um território comum, se vinculados pelos valores que os caracterizam. A nação é composta por indivíduos de carne e osso que ao nascer adquirem o status de pessoas e de cidadãos. Diversamente, o conceito de pátria não está relacionado com as pessoas, mas com o vínculo de cada qual ao território onde nasceu ou adotou. Pátria é um termo que indica a terra natal ou adotiva de uma pessoa, que se sente vinculada a um território. Na antiguidade, ante a ausência de sobrenomes, as pessoas eram conhecidas em suas aldeias ou cidades pela sua filiação. Dejan Petkovi, jogador Sérvio que se notabilizou como um dos maiores ídolos da história do Flamengo, tem seu nome relacionado ao seu pai. Petkovi significa, em sua língua, “filho do Pedro”.

Fora da cidade ou aldeia, a pessoa era designada pelo local de seu nascimento. São Paulo, antes de sua conversão, era Saulo de Tarso, cidade romana localizada, hoje, na Grécia. Após a conversão tornou-se Paulo de Tarso, indicando sua origem ou sua pátria.

O primeiro registro histórico da palavra "pátria" está relacionado com o conceito de país, do italiano “paese”, originária da palavra “pagus” que significava aldeia. Esta é a origem comum de outras palavras da língua portuguesa, dentre as quais pagão e paisagem. Pátria é o local onde se vive; é o ambiente ou espaço geográfico onde habitamos e com o qual nos afeiçoamos.

A Canção do Exército, cuja letra é do Tenente-Coronel Alberto Augusto Martins, exalta a pátria, embora desconsidere o povo e seu dever de servi-lo e diz o seguinte: “Nós somos da Pátria a guarda, fiéis soldados, por ela amados. Nas cores de nossa farda rebrilha a glória, fulge a vitória. Em nosso valor se encerra toda a esperança que um povo alcança. Quando altiva for a terra, rebrilha a glória, fulge a vitória. A paz queremos com fervor, a guerra só nos causa dor. Porém, se a Pátria amada for um dia ultrajada lutaremos sem temor. Como é sublime saber amar, com a alma adorar a terra onde se nasce! Amor febril pelo Brasil, no coração nosso que passe.” Amor febril é doença e a exaltação de valores patrióticos leva a comunidade da caserna a defender interesses que não são seus e nem do povo. As instituições criadas pela nação deveriam ser dela servidoras e não tutoras ou guardiãs.

Não falta quem se afirme patriota com condutas antinacionalistas. Nos anos 50 do século XX a defesa dos interesses nacionais ou do povo brasileiro era incompatível com subserviências a interesses estrangeiros. Uma palavra designava aqueles que se associavam a governos ou a interesses estrangeiros: entreguistas. Era incompatível com o conceito de brasilidade e nacionalismo a continência a bandeira dos EUA. Otávio Mangabeira jamais e desvencilhou da imagem do que protagonizou. Em 1946, após o fim da Segunda Guerra Mundial e do Estado Novo no Brasil, num gesto carinhoso muito comum aos baianos da sua época, o então deputado federal pela Bahia, beijou a mão do general norte-americano Dwight Eisenhower, que viria a ser presidente dos EUA posteriormente. Seu partido, expressão da oposição liberal ao Estado Novo, somente chegou ao poder pelo golpe empresarial-militar de 1964.

Havia e há um outro Brasil que não o daqueles que, se autodenominando patriotas, se subordinam a interesses outros que não os do povo que compõe a nação brasileira. Podem ser patriotas ou patrioteiros, mas não são nacionalistas.

Mas há um Brasil que nos orgulha e com o qual precisamos diariamente reafirmar nossos compromissos, que é o composto por seu povo e não pela sua classe dominante. Esse Brasil que vale a pena é o Brasil dos 85 alunos da Escola Estadual Anísio Teixeira, localizada em Marabá, e dos 79 alunos da Escola Albanízia de Oliveira Lima, em Belém, ambas no estado do Pará, que obtiveram notas superiores a 900 pontos na Redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), além dos outros 150 alunos que tiraram notas acima de 800 pontos. O Brasil que vale a pena é o de Fernanda Montenegro e de Fernanda Torres, ganhadora do Globo de Ouro e indicada para o Oscar por seu protagonismo no filme “Ainda Estou Aqui” que retrata a história da família de Rubens Paiva, deputado nacionalista torturado, morto nas dependências do Exército e cujo corpo jamais foi entregue à família para sepultamento.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 25/01/2025, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/01/6991513-joao-batista-damasceno-patriotas-entreguistas-e-nacionalistas.html

 

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