sábado, 22 de março de 2025

HOMICÍDIOS CAMUFLADOS

Num prédio na Avenida Pasteur, em Botafogo, há mais de 30 anos, um porteiro foi além de suas funções e passou a aferir as despesas realizadas pelo síndico. Detectada malversação contou para os moradores o que sabia. Foi pior que atiçar um formigueiro. Os moradores ficaram em polvorosa. O síndico, um militar reformado, era um homem sisudo, que mantinha fixada, desde o Governo Médici, no lado interno do vidro frontal do apartamento, uma bandeira do Brasil, com os dizeres: “Brasil! Ame-o ou deixe-o”. Soberbo e defensor intransigente de valores como Deus, pátria e família sentiu-se humilhado e acuado. O porteiro se tornou prestigiado e pensava ter adquirido estabilidade vitalícia no emprego.

Destituído do cargo de síndico, cultivou o ressentimento contra os vizinhos, mas sobretudo contra o porteiro. O ex-síndico se transformara num capacho e o porteiro numa soberba ambulante. Inverteu-se a hierarquia social. Sem aviso prévio, em certo dia, o ex-síndico descarregou o revólver no porteiro. O homicida era locatário de um pequeno apartamento em Copacabana, para onde fugiu.

Mas descoberto foi levado à delegacia – sem mandado ou prévia intimação – e alguns policiais ficaram no apartamento para investigar existência de outras ilicitudes. Não tendo sido preso em flagrante, prestou depoimento e voltou ao apartamento de Copacabana, onde disse ter constatado a subtração de relógios de luxo e outras joias. Para a imprensa não falou do homicídio que praticara, mas não poupou palavras para denunciar o furto de suas joias. Tampouco quis responder se o apartamento de Copacabana era uma “garçoniere” mantida por tão ferrenho defensor de valores tradicionais. Qualificava a subtração das joias como roubo, porque fora retirado do apartamento e levado para a delegacia sob a mira de armas.

O homicídio deixou de ser o tema abordado pelos jornalistas. Deste já se falara tudo ou quase tudo. O tema das matérias passou a ser o roubo das joias praticado pelos policiais que ficaram no apartamento enquanto outros levaram o homicida para depoimento. O delegado tomou o depoimento do homicida sobre o roubo das joias e instaurou um inquérito policial. Decorridos dois dias, sem que haja testemunha do fato, o homicida foi atropelado por um ônibus e morreu. A morte extingue a punibilidade e portanto o inquérito do homicídio foi arquivado. Outro não foi o destino do inquérito do suposto roubo das joias. Tendo se comprometido a voltar à delegacia com documentos que comprovavam a aquisição das joias, a suposta vítima do crime de roubo não teve tempo suficiente para provar o que dissera e seus familiares nada sabiam da existência delas, assim como também não sabiam da existência da “garçoniere”. Casos encerrados!

Restou a dúvida sobre o “acidente” que vitimou o ex-síndico. Não poucos atropelamentos durante a ditadura empresarial-militar disfarçaram homicídios. Igualmente mortes súbitas de quem não ostentava doenças pré-existentes que as pudesse justificar. A morte dos três líderes da Frente Ampla de oposição ao regime empresarial-militar num lapso de 9 (nove) meses deixa dúvidas sobre as causas das mortes. O ex-presidente Juscelino Kubitschek morreu num suposto acidente automobilístico no dia 22 de agosto de 1976. O ex-presidente João Goulart faleceu de suposto infarto em 06 de dezembro de 1976. Os militares não permitiram a abertura do caixão para que Jango fosse velado pelos familiares, nem a necrópsia. Carlos Lacerda morreu em 21 de maio de 1977 igualmente de suposto infarto. Em 20 de janeiro de 1977 tomara posse nos EUA o presidente democrata Jimmy Carter. Este presidente estadunidense pôs fim à colaboração dos EUA com os governos militares cujas ditaduras instituíram a Operação Condor e se esforçou para conter abusos aos direitos humanos. Esta mudança poupou a vida de Brizola que seria deportado do Uruguai para ser morto no Brasil, mas foi, por ordem de Jimmy Carter, resgatado pela CIA no dia 20 de setembro de 1977.

Levado para Buenos Aires onde passou a noite em um local seguro da CIA, Brizola foi embarcado em um voo - sem escalas - para Nova Iorque, onde chegou em 22 de setembro, recebeu visto de permanência por seis meses e depois rumou para Portugal onde permaneceu até retornar ao Brasil em 1979. O salvamento da vida de Brizola naquele momento tinha a oposição do subsecretário de Estado para os Assuntos do Hemisfério Ocidental, Terence Todman. Mas a CIA obedeceu a quem tinha que obedecer: ao presidente Jimmy Carter.

Assim como se sabe que o acidente que vitimou “Zuzu Angel” foi um atentado, a queda de Anísio Teixeira no fosso do elevador num prédio na Praia de Botafogo, onde morava Aurélio Buarque de Hollanda, há 44 anos, no dia 11 de março de 1971, pode igualmente ter decorrido de sua forte preocupação com o que se fazia com a educação nacional às vésperas da edição da Lei de Diretrizes e Bases para o ensino de 1971.

Há muitos acidentes, mortes súbitas e desaparecimentos de opositores do regime empresarial-militar a serem apurados para constituição da memória de nossa história. Mas não basta verdade e memória. É preciso também justiça. A formação da maioria no STF sobre o não abrangimento dos desaparecimentos de pessoas pela Lei da Anistia é um começo. A destituição das patentes dos sicários das liberdades e a subsequente anulação das pensões para suas filhas “solteiras” ´pode ser a continuidade. O Estado pode anistiar os cidadãos, mas não pode se perdoar ou perdoar seus agentes quando comete crimes.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 22/03/2025, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/03/7025113-joao-batista-damasceno-homicidios-camuflados.html


domingo, 9 de março de 2025

Os pobres e o cumprimento dos alvarás de soltura

Quando será posto em liberdade um preso após ser reconhecida a ilegalidade de sua prisão e decretada judicialmente sua soltura? Eis o dilema das famílias! Familiares, por vezes, aguardam dias na porta de uma instalação prisional a soltura de quem sai sem meios até para custear o transporte de volta para casa. Dispõe a Constituição, como direito fundamental, que é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; que às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação; que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa; que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos; que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; que o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal; que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente; que a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; que o preso será informado de seus direitos, dentre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado, bem como que o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial. Além destes direitos há outro importante: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória”. Para assegurar tais direitos a Constituição impõe aos magistrados: “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”. Trata-se de uma garantia da cidadania e um dever de os magistrados relaxar a prisão ilegal.

No Estado do Rio de Janeiro, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária/SEAP, tem até “Guardião”, um aparelho para intercepção de conversações telefônicas. Mas negligencia meios para imediato cumprimento das decisões judiciais. Vivemos tempos estranhos. Ao longo das últimas semanas li e assisti a manifestações de autoridades e agentes do sistema de segurança propondo a desobediência às determinações judiciais, notadamente das decisões contidas na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental/ADPF 635, onde o Supremo Tribunal Federal (STF) analisará a adoção de um plano para redução de mortes nas operações policiais. Na ação, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) afirma que a política de segurança pública em nosso Estado, “em vez de buscar prevenir mortes e conflitos armados, incentiva a letalidade da atuação dos órgãos policiais”.

O aparato repressivo é profundamente eficiente. O orçamento da área de segurança é, por vezes, superior ao orçamento das áreas de saúde e educação juntas. Ainda que tais despesas obedecessem aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade, falta publicidade (transparência) e eficiência. Administrar é gerir a escassez. Portanto, a opção pela despesa e a execução orçamentária precisa levar em consideração o benefício a se obter com o gasto correspondente.

O sistema é eficiente para criminalizar, mas não para desfazer ou reparar injustiças. Quando estudante ouvia uma frase latina que dizia: “in dubio pro reo”, ou seja, na dúvida, decide-se a favor do réu. Tal princípio haveria de orientar a área tributária (em dúvida pró-contribuinte) e a própria relação cidadão-Estado (em dúvida pró-cidadão). Afinal, numa república democrática todo o poder emana do povo. O Estado é constituído pelos cidadãos. Diversamente, nos estados autocráticos, próprios das ditaduras ou como já foram os Estados justificados pela Teoria do Poder Divino dos Reis, a cidadania decorria da benesse do Estado aos súditos.

As relações sociais são permeadas por conflitos de interesses. Inexiste direito ou liberdade na natureza, onde os conflitos são resolvidos pela lei do mais forte. As leis e os princípios decorrem da cultura e da civilidade. Portanto, a existência de conflito entre quem decide e quem deveria dar cumprimento à decisão é imprópria. Quando ocorre entre poderes do Estado é expressão de desarmonia ou violação da independência entre eles. Quando ocorre entre quem tem o dever de decidir e quem deveria cumprir a decisão é desobediência, motim, insubordinação, rebelião, sublevação, insurgência ou outra qualquer anomalia institucional demonstrativa da incivilidade. Quando o juiz decide pela liberdade de um preso não pode a SEAP, seu “policial classificador”, nem o Oficial de Justiça, postergar por dias o cumprimento da ordem judicial. Nós os juízes, eu inclusive, decidimos, mas nem sempre temos como acompanhar o efetivo cumprimento de nossas decisões.

Nem sempre o que decidimos é imediatamente cumprido. Estando no 32º ano de efetivo serviço jurisdicional na magistratura fluminense, já o vivenciei por milhares de vezes. Em se tratando de polícia, seja ela civil, militar ou penal (penitenciária), seu controle externo compete ao Ministério Público. Já vi estampado em jornais o pronto cumprimento de mandados de prisão e de busca e apreensão por mim expedidos. Igualmente, pela mídia, já tomei ciência de imediato cumprimento de alvarás de soltura, de presos com elevado poder aquisitivo. Falta-me ciência, pela mídia, do tempo transcorrido entre a decisão de soltura de um pobre e sua efetivação. Passarei a exercer este controle. Não adianta ordenar. É preciso aferir se o que foi ordenado foi cumprido.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 08/02/2025, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/03/7016131-joao-batista-damasceno-os-pobres-e-o-cumprimento-dos-alvaras-de-soltura.html

 


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

O transporte de trabalhadores e de animais

Um trem do ramal Guapimirim descarrilou, na tarde desta quinta-feira (20), no bairro de Parque Estrela, em Magé. Segundo a empresa concessionária do serviço ferroviário de transporte de passageiros, Supervia, o incidente foi causado pela alta temperatura registrada na via férrea, que chegou a 71°C, dilatando os trilhos. Em nota a Supervia informou que “não houve feridos no descarrilamento ocorrido por volta das 14h40 desta terça-feira (20/02) com um trem do ramal Guapimirim, que fazia o trajeto Saracuruna x Guapimirim, nas proximidades da estação Parque Estrela. A ocorrência foi causada pela dilatação dos trilhos devido à alta temperatura registrada na via férrea, que chegou a 71°C, provocando a flambagem dos trilhos. Todos os passageiros que estavam a bordo foram retirados com segurança. Equipes da SuperVia estão no local para realizar os reparos necessários e normalizar a circulação."

Em Magé foi instalada a primeira ferrovia do Brasil. Construída pelo Barão de Mauá partia da Praia da Guia de Pacobaíba (hoje Praia de Mauá), com destino a Petrópolis. Foi inaugurada em 30 de abril de 1854. Tal trecho ferroviário é marco da história ferroviária do Brasil e era um meio de transporte intermodal entre o Paço Imperial da Praça XV e os aposentos petropolitanos de D. Pedro II. Saía-se da Praça XV de barco, desembarcava-se na estação de Mauá onde se entrava no trem e terminava-se a viagem no alto da Serra de Petrópolis no lombo de burro.

Fui Juiz de Direito em Magé do início de 1995 ao ano de 1997, inclusive. Presidi as eleições municipais para prefeito de 1996 daquela cidade. Apesar do pouco tempo que lá trabalhei minha memória registra uma eternidade. Além dos assassinatos de políticos, exercício do mando local como nunca vira em outro lugar e dos quais somente tinha referência tão forte na literatura especializada, desorganização dos serviços públicos e patrimonialismo expresso pela confusão entre o público e o privado, a mim impressionava a qualidade dos serviços de transporte ofertados aos trabalhadores em seus deslocamentos para o ganho do pão de cada dia.

O serviço, naquele tempo, não era prestado pela SuperVia. No Rio de Janeiro o transporte ferroviário de passageiros já foi prestado com diferentes nomes. Desde a inauguração da Estrada de Ferro Barão de Mauá, em 1854, tivemos a Estrada de Ferro D. Pedro II, homenagem ao Imperador, a Estrada de Ferro Central do Brasil, nome dado ante a Proclamação da República, a RFFSA (Rede Ferroviária Federal S/A), a CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos) e Flumitrens (Companhia Fluminense de Trens Urbanos).

Atualmente, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o serviço é prestado pela empresa que administra o Ramal de Guapimirim, SuperVia. Num daqueles anos em que fui juiz em Magé, numa audiência de um caso envolvendo acidente ferroviário, diante das fotografias dos trens transitando com portas abertas, excesso de passageiros, gente pendurada por todos os lados, inclusive do lado de fora da janela, e até no teto da composição, cometi a imprudência de dizer ao advogado da empresa que as fotos constantes dos autos mais pareciam dos trens da Índia. Ele demonstrando sua indignação com a indiscrição do juiz, retrucou: 

- Não sei. Nunca estive na Índia.

A desativação das linhas férreas no Governo JK para estimular o transporte por veículos automotores e a expansão das indústrias de automóveis e caminhões, aliada à urbanização do país, transformou o transporte de passageiros numa barafunda. Naquele período de industrialização a população brasileira que era majoritariamente rural transformou-se em majoritariamente urbana. A inversão sem planejamento e sem a criação de condições para acolher dignamente todos os que migraram dos campos para as cidades propiciou o caos urbano no qual estamos mergulhados: precariedade dos transportes, loteamentos irregulares e sem instalação de serviços públicos adequados, ocupação desordenada do solo urbano com favelização das cidades, além de outras mazelas que se ampliam.

O que aconteceu no caminho de ferro do ramal de Guapimirim não é novidade.

A imagem de estradas de ferro contorcidas após incêndios é exemplo clássico dos livros didáticos de física para demonstrar aos alunos que os corpos expandem com o calor e que contraem com o frio. As estradas de ferro dos trens de alta velocidade na China não se sujeitam a tais acidentes, pois a moderna tecnologia permite que os trilhos expandam para os lados, sem aumentarem suas extensões. Os trilhos engordam, mas não crescem.

A falta de investimento em tudo o que beneficia os componentes do mundo do trabalho é a causa de tais desastres. Felizmente desta vez foi comunicado que não houve mortos. Ao longo de mais de 30 anos como magistrado na justiça fluminense já julguei milhares de causas envolvendo acidentes no transporte rodoviário e ferroviário de pessoas. Julguei poucas causas envolvendo transporte de carga viva, valores ou mercadorias. Numa destas, o caso versava sobre a falta de cuidado no transporte de uns cavalos de raça. Um deles morreu e a imputação foi de que a transportadora não teve o cuidado de parar o caminhão de duas em duas horas, alimentar e hidratar os animais e esperar que repousassem para evitar o estresse da viagem. O fato ficou comprovado e condenei a transportadora. E nunca esqueci que os cuidados para transporte de mercadorias, valores e carga viva são muito maiores que aqueles demandados para transporte de gente. Afinal, quem anda em transporte público é pobre e a estes está reservado tão somente o reino dos céus. O gozo no reino da terra é para outros.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 22/02/2025, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/02/7008833-joao-batista-damasceno-o-transporte-de-trabalhadores-e-de-animais.html


sábado, 8 de fevereiro de 2025

O preço dos alimentos e o neoliberalismo

 


A economia brasileira tem se fundado na exportação de commodities, ou seja, matéria-prima produzida em larga escala, negociada mundialmente, em estado bruto ou pouco industrializada e estocável em grande quantidade. São matérias-primas básicas, não processadas industrialmente, servindo para a produção de produtos mais complexos e de maior valor agregado. O que agrega valor à matéria prima é o trabalho humano. Se exportamos matéria prima, possibilitamos a criação de empregos nos países destinatários e deixamos de criar em nosso país.

Ao longo de sua história a economia brasileira esteve voltada para suprir as potências mundiais de matérias primas. Nosso gentílico, qualidade pela qual somos conhecidos, decorre da atividade dos exploradores de pau brasil que o levavam para a Holanda, onde era triturado para produzir tinta. Brasileiro é a profissão de quem extraía, transportava ou vendia pau brasil. Deveríamos ser brasilienses ou brasilianos. O sufixo eiro designa profissão e não local de nascimento: carpinteiro, pedreiro, açougueiro, verdureiro, cozinheiro etc. Fomos designados pela atividade econômica originária e não pelo local no qual nascemos.

Depois do pau brasil veio o ciclo da cana, produzindo-se açúcar para adoçar a vida dos europeus, em seguida a descoberta do ouro nas minas do interior do Brasil deu origem aos mineiros, e depois veio o ciclo do café. Hoje exportamos soja, café em grão, carne bovina e minério de ferro em estado bruto. A exportação de commodities não favorece o desenvolvimento.

Getúlio Vargas buscou a industrialização do Brasil criando a estrutura básica para o desenvolvimento autônomo, tentando retirá-lo da periferia do sistema internacional, porque dependente dos países centrais do capitalismo estaremos consagrados à subordinação. Vargas criou a base industrial: a Companhia Siderúrgica Nacional, a Petrobrás e deu o pontapé inicial para a criação da Eletrobrás instalada em 1962 pelo Presidente João Goulart. Mas adveio o Golpe Empresarial-militar de 1964 e o Brasil tomou novo rumo.

A redemocratização do Brasil e a Constituição de 1988 deram esperanças de retomada de rumos. Mas a classe dominante brasileira, aliada ao capital internacional, e os lacaios da burocracia estatal e da classe política fisiológica desnaturaram a Constituição Cidadã e pouco resta do seu texto original. Da sua edição em 05/10/1988 até 20/12/2024 foram 135 emendas constitucionais, algumas de duvidosa constitucionalidade.

Tratando dos fundamentos da República, seus fundamentos e princípios para a regência das relações internacionais previa a Constituição: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho; o pluralismo político; a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza, da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais; a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; independência nacional; a prevalência dos direitos humanos; a função social da propriedade; a defesa do consumidor; a defesa do meio ambiente; a busca do pleno emprego, além da erradicação do analfabetismo; a universalização do atendimento escolar; a melhoria da qualidade do ensino; a formação para o trabalho e a promoção humanística, científica e tecnológica do País.

O país democrático pensado por Ulisses Guimarães está em seu discurso de promulgação da Constituição de 1988 quando disse que "Traidor da Constituição é traidor da pátria. (...) Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. (...) O Estado prendeu e exilou. A sociedade, com Teotônio Vilela, pela anistia, libertou e repatriou. A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram.”

Os rumos tomados pelo Brasil são diferentes dos pretendidos pelos Constituintes e declarados no discurso de Ulysses Guimarães. As emendas constitucionais são aprovadas sem consideração ao que previa o poder constituinte originário. A Constituição diz que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Quando o povo o exerce diretamente tal vontade se sobrepõe à vontade dos seus representantes. O povo brasileiro decidiu, em plebiscito, entre presidencialismo e parlamentarismo. E venceu o presidencialismo. Mas navega a todo o vapor uma emenda constitucional para instituir o semipresidencialismo no Brasil.

O objetivo de erradicar a miséria e a fome foi esquecido, salvo por políticas assistenciais. Os estoques reguladores que o Estado criava para ofertar produtos e baixar o preço quando por algum motivo os preços se elevassem, foram extintos. Rege o preço dos alimentos a neoliberal lei do mercado onde a redução da oferta, por qualquer motivo, força a alta dos preços ante a manutenção da procura. Afinal, comer é uma necessidade biológica. E não é de hoje. Sob a gerência do ministro neoliberal Paulo Guedes o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro extinguiu os estoques públicos e em 2022, último ano de seu governo, os alimentos aumentaram 11,64%, mais que o dobro da inflação oficial que foi de 5,79%. Mas não adianta praguejar o malfeito. É preciso fazer diferente, sob pena de perder-se a confiabilidade e tornar o país propenso à crença em boatos e fake News.

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 08/02/2025, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/02/6999838-joao-batista-damasceno-o-preco-dos-alimentos-e-o-neoliberalismo.html

domingo, 26 de janeiro de 2025

PATRIOTAS, ENTREGUISTAS E NACIONALISTAS

Napoleão Bonaparte perguntou a um soldado quantas patas teria um cavalo se o rabo fosse considerado uma pata. A resposta foi que teria cinco patas. Napoleão o corrigiu dizendo que mesmo considerando o rabo do cavalo como uma pata, ele continuaria com quatro patas. Pouco importam as considerações pessoais e juízos de valor afastados da realidade. Esta é objetiva e se nos impõe, embora também sejamos agentes da história. Estamos subordinados às condições que nos rodeiam e condicionados ao modo de vida de nosso tempo, mas também fazemos a história. Para sermos agentes da história havemos de conhecer a realidade a ser transformada, a começar pelos conceitos do que afirmamos. As palavras, por diversas, expressam conceitos distintos. E neste momento em que os patrioteiros discursam e rezam para pneus ou extraterrestres, precisamos distinguir os nacionalistas dos patriotas.

Nação é um conjunto de pessoas vinculadas por valores comuns. Os membros de uma nação não precisam ocupar um território comum, se vinculados pelos valores que os caracterizam. A nação é composta por indivíduos de carne e osso que ao nascer adquirem o status de pessoas e de cidadãos. Diversamente, o conceito de pátria não está relacionado com as pessoas, mas com o vínculo de cada qual ao território onde nasceu ou adotou. Pátria é um termo que indica a terra natal ou adotiva de uma pessoa, que se sente vinculada a um território. Na antiguidade, ante a ausência de sobrenomes, as pessoas eram conhecidas em suas aldeias ou cidades pela sua filiação. Dejan Petkovi, jogador Sérvio que se notabilizou como um dos maiores ídolos da história do Flamengo, tem seu nome relacionado ao seu pai. Petkovi significa, em sua língua, “filho do Pedro”.

Fora da cidade ou aldeia, a pessoa era designada pelo local de seu nascimento. São Paulo, antes de sua conversão, era Saulo de Tarso, cidade romana localizada, hoje, na Grécia. Após a conversão tornou-se Paulo de Tarso, indicando sua origem ou sua pátria.

O primeiro registro histórico da palavra "pátria" está relacionado com o conceito de país, do italiano “paese”, originária da palavra “pagus” que significava aldeia. Esta é a origem comum de outras palavras da língua portuguesa, dentre as quais pagão e paisagem. Pátria é o local onde se vive; é o ambiente ou espaço geográfico onde habitamos e com o qual nos afeiçoamos.

A Canção do Exército, cuja letra é do Tenente-Coronel Alberto Augusto Martins, exalta a pátria, embora desconsidere o povo e seu dever de servi-lo e diz o seguinte: “Nós somos da Pátria a guarda, fiéis soldados, por ela amados. Nas cores de nossa farda rebrilha a glória, fulge a vitória. Em nosso valor se encerra toda a esperança que um povo alcança. Quando altiva for a terra, rebrilha a glória, fulge a vitória. A paz queremos com fervor, a guerra só nos causa dor. Porém, se a Pátria amada for um dia ultrajada lutaremos sem temor. Como é sublime saber amar, com a alma adorar a terra onde se nasce! Amor febril pelo Brasil, no coração nosso que passe.” Amor febril é doença e a exaltação de valores patrióticos leva a comunidade da caserna a defender interesses que não são seus e nem do povo. As instituições criadas pela nação deveriam ser dela servidoras e não tutoras ou guardiãs.

Não falta quem se afirme patriota com condutas antinacionalistas. Nos anos 50 do século XX a defesa dos interesses nacionais ou do povo brasileiro era incompatível com subserviências a interesses estrangeiros. Uma palavra designava aqueles que se associavam a governos ou a interesses estrangeiros: entreguistas. Era incompatível com o conceito de brasilidade e nacionalismo a continência a bandeira dos EUA. Otávio Mangabeira jamais e desvencilhou da imagem do que protagonizou. Em 1946, após o fim da Segunda Guerra Mundial e do Estado Novo no Brasil, num gesto carinhoso muito comum aos baianos da sua época, o então deputado federal pela Bahia, beijou a mão do general norte-americano Dwight Eisenhower, que viria a ser presidente dos EUA posteriormente. Seu partido, expressão da oposição liberal ao Estado Novo, somente chegou ao poder pelo golpe empresarial-militar de 1964.

Havia e há um outro Brasil que não o daqueles que, se autodenominando patriotas, se subordinam a interesses outros que não os do povo que compõe a nação brasileira. Podem ser patriotas ou patrioteiros, mas não são nacionalistas.

Mas há um Brasil que nos orgulha e com o qual precisamos diariamente reafirmar nossos compromissos, que é o composto por seu povo e não pela sua classe dominante. Esse Brasil que vale a pena é o Brasil dos 85 alunos da Escola Estadual Anísio Teixeira, localizada em Marabá, e dos 79 alunos da Escola Albanízia de Oliveira Lima, em Belém, ambas no estado do Pará, que obtiveram notas superiores a 900 pontos na Redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), além dos outros 150 alunos que tiraram notas acima de 800 pontos. O Brasil que vale a pena é o de Fernanda Montenegro e de Fernanda Torres, ganhadora do Globo de Ouro e indicada para o Oscar por seu protagonismo no filme “Ainda Estou Aqui” que retrata a história da família de Rubens Paiva, deputado nacionalista torturado, morto nas dependências do Exército e cujo corpo jamais foi entregue à família para sepultamento.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 25/01/2025, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/01/6991513-joao-batista-damasceno-patriotas-entreguistas-e-nacionalistas.html

 

BRASIL, O RETORNO AO FAZENDÃO

 

Campos Sales, quando ministro da justiça do primeiro governo republicano, instituiu o Ministério Público brasileiro. Tratou-se da institucionalização de um corpo permanente de funcionários visando à perseguição dos inimigos políticos. Sucedendo os dois primeiros presidentes militares, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, subiu à presidência Prudente de Morais, representando a ascensão da oligarquia cafeicultora ao poder nacional.

A entrega do poder às oligarquias rurais na Primeira República foi tão acentuada que o próprio irmão do presidente Prudente de Morais, Manoel de Moraes Barros, dizia o seguinte: “O Biriba [apelido do presidente], manda lá no Brasil. Aqui em Piracicaba quem manda é nós”. Prudente de Morais foi sucedido na presidência por Campos Sales, que governou de 1898 a 1902.

O Brasil era um fazendão, governado pelas oligarquias regionais, com proteção do governo federal. A base da economia nacional era a exportação de café. Campos Sales formatou o Pacto Coronelista, compromisso entre o poder privado decadente e o poder público fortalecido. Era das verbas públicas, não necessariamente por meio de emendas parlamentares, e da garantia do preço mínimo do café que se enriqueciam as oligarquias. As oligarquias eram situacionistas e um coronel chegou a se manifestar, tal como parcela do parlamento atualmente: “O governo mudou. Mas eu não mudo. Continuo governista”.

Por ocasião da votação do projeto anual de lei orçamentária, os parlamentares faziam todo tipo de emenda, constrangendo o governo com matérias e interesses que não se referiam à receita ou despesa pública. Somente com a Revolução de 30 adotamos a exclusividade da lei orçamentária. A Constituição de 1988 diz que a lei orçamentária não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa. Isto não impede as emendas parlamentares destinando verbas a prefeituras capazes de enriquecer os políticos dos grotões.

A falta de um projeto nacional de longo prazo está fazendo o Brasil retroceder a padrões antigos. O Brasil está se desindustrializando e não está se preparando para o futuro. Perdemos a primeira Revolução Industrial, com o surgimento das máquinas a vapor, a segunda, no século XIX, com o surgimento da energia elétrica e estamos perdendo a presente que é a tecnológica. Tal como na Primeira República quando exportávamos café, voltaremos a ser um fazendão exportador de soja, proteína animal e minério em estado bruto.

O boom das commodities (matéria prima sem valor agregado) tem levado governos, até os chamados progressistas, a intensificarem a exploração de bens naturais com vistas à exportação ao invés de investirem em educação e ciência e tecnologia para nos prepararmos para o futuro. Exportamos produtos primários e importamos seus derivados industrializados. Embora o Brasil tenha o maior rebanho bovino do mundo, destinado à exportação, a produção de leite é deficitária e somos importadores. Já não consumimos leite ou seus derivados, mas “bebidas lácteas”, artificialmente saborizados, compostos químicos muitas das vezes nocivos à saúde.

A intensificação da espoliação da natureza demandada por esse modo de exploração do solo e dos recursos hídricos não pode ser feita em nome do desenvolvimento. Estamos regredindo a patamares anteriores à Revolução de 30. A criação bovina utiliza pouca mão de obra e a mecanização da monocultura agrícola gera riqueza para poucos. O aumento do preço dos produtos primários (commodities), que justifica tal política econômica, não favorece o desenvolvimento nacional, nem o crescimento econômico. Ao contrário, gera concentração de renda nas mãos dos poucos exploradores e exportadores, tal como na Primeira República.

Campos Sales promoveu o maior programa de privatização que este país já conheceu até o advento dos governos pós-constituinte de 1988. A Revolta da Vacina, ocorrida em 1904 no governo de Rodrigues Alves, não decorreu apenas da compulsoriedade da vacina. Mas de outros descontentamentos advindos do governo anterior, decorrente de demolição de casas para abertura de avenidas e construção de prédios modernos, no chamado “bota-abaixo”, expulsando a população pobre para as encostas dos morros, além das tensões pelo privilégio dado ao capital investidor em detrimento dos brasileiros.

Governos que repetem os erros do passado não podem ser chamados de progressistas. Se governam defendendo o lucro extraordinário de banqueiros, para além de possíveis diferenças com a direita, se igualam nos resultados, apesar da diversidade de discursos. E não adianta a apresentação de números que demonstrem crescimento econômico se não há como negar as desigualdades econômicas e sociais, decorrentes do modelo exportador de matérias-primas em grande escala.

Igualmente não adianta negar ou encobrir as implicações, impactos, consequências e danos do modelo extrativista exportador. Neste momento, de modo deliberado, multiplicam-se os grandes empreendimentos mineradores ao mesmo tempo que ampliam a fronteira agrária, por meio de monoculturas. Tal como na Primeira República, a política econômica atende aos banqueiros e aos exploradores e exportadores de produtos primários, sem qualquer valor agregado, relegando os brasileiros ao papel de párias no cenário internacional.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 11/01/2025, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/01/6982975-joao-batista-damasceno-brasil-o-retorno-ao-fazendao.html

Casos isolados, mas recorrentes

 

A repercussão do caso do homem jogado de uma ponte por um policial militar em São Paulo aguçou a discussão sobre a violência policial em todo o país. Diversos policiais militares manifestaram preocupação em não serem vistos pela sociedade como matadores fardados, notadamente por não fazerem parte dos grupos premiados e condecorados por similares atuações. No Rio de Janeiro, tivemos não apenas condecorações por “bravura”, mas premiação aos policiais matadores. Foi a “Gratificação Faroeste”. Tratava-se de prêmio em dinheiro aos policiais envolvidos em confronto do qual resultasse morte ou ferimento de pessoas consideradas indesejáveis. Foi implantada no governo Marcello Alencar, eleito em 1996, e tinha como secretário de segurança o general Nilton Cerqueira e Chefe da Polícia Civil o delegado Hélio Luz. O general que fora o Comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro quando da Bomba do Riocentro é, também, apontado como o matador de Carlos Lamarca.

O poder nem sempre fala. Por vezes emite sinais. Diante de denúncias de abusos e mortes cometidas por policiais militares na “Operação Escudo”, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, respondeu com ironia às perguntas formalizadas pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) dizendo: “Nossa intenção é proteger a sociedade. Nós estamos fazendo o que é correto, com muita determinação e profissionalismo (...). Sinceramente, eu tenho muita tranquilidade com relação ao que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na (sic) ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta que eu não estou nem aí”. Assim como a “Gratificação Faroeste” incentivou o aumento da violência policial, as palavras do governador de São Paulo serviram de incentivo aos matadores.

O “Tô nem aí!” do governador paulista para as mortes que se sucediam foi visto por parte da tropa como autorização para as execuções, e assim foi feito. Os casos considerados isolados de violência policial, mas recorrentes, chamam a atenção para outro aspecto da questão. Nem todos os policiais concordam com a política de segurança que coloca suas vidas e integridade em risco. Mesmo as corporações militares, como nenhuma outra com corporativismo acentuado, os policiais não são um bloco monolítico, constituído de uma única peça, capazes de apoiar unissonamente e serem usados como marionetes por políticos que tiram proveito do anseio de sangue de bases eleitorais. Apesar da política de extermínio que se difunde pelo país e do gozo com que alguns policiais a executam, parte da tropa não concorda em ser transformada em executores de pretos e pretos, nem na instrumentalização da corporação para fins espúrios. Dentre os policiais que não concordam em fazer o ‘serviço sujo’ estão os integrantes do Movimento Policiais Antifascismo, que reúne policiais militares, policiais civis e dos Corpos de Bombeiro de todo o país. Além desses policiais integrantes do movimento, muitos outros querem ser tratados como trabalhadores, com os direitos e deveres de todos os agentes públicos, sem que sejam compelidos à atuação contra a sociedade brasileira, notadamente pretos e pobres das favelas e periferias das grandes cidades.

A sinalização dada pelo governador paulista de que não estava nem aí para a truculência policial, é vista por muitas autoridades militares como difusão da certeza de impunidade pelos crimes cometidos, capaz de minar a própria autoridade dos comandantes que não concordam com a transformação de sua instituição em grupo de extermínio. Alguns policiais paulistas manifestaram contrariedade ao desmantelamento do programa de câmeras corporais, alegando que tais câmaras serviam como prova da regularidade de suas atuações e que somente aqueles que atuam à margem da legalidade desejam que suas atividades não sejam registradas.

Estados como o de São Paulo e do Rio de Janeiro gastam mais com segurança do que com educação e saúde juntos. As constantes descontinuidades das políticas de segurança pública geram incertezas para os próprios agentes das forças policiais. Enquanto alguns tentam sempre se adaptar às novas diretrizes, outros sequer se importam com elas, consideradas transitórias, e se mantêm nas velhas diretrizes do desrespeito à vida e à dignidade da pessoa humana.

Muitos policiais estão apreensivos com a elevação do índice de violência do Estado, cuja execução lhes compete, colocando-os contra a própria sociedade. Não são poucos os casos de afastamento de atividade por problemas psiquiátricos, assim como o suicídio de policiais. Parcela dos policiais tem adoecido na medida em que são vistos pela sociedade, pelos vizinhos e até por familiares como matadores fardados. Há uma demanda para que sejam vistos como trabalhadores exercentes de suas atividades com profissionalismo, a fim de que ao final de cada jornada possam voltar para suas casas vivos, sem risco de vida e com o reconhecimento pelos serviços que tenham prestado à sociedade. Mas isto só será possível se os que ordenam a política de confronto forem responsabilizados. E o caminho não é a ONU. É o Tribunal Penal Internacional que julga crimes contra a humanidade, que o governador paulista não citou. Diante do TPI, o governador paulista não diria “Tô nem aí”.


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 28/12/2024, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2024/12/6972737-joao-batista-damasceno-

casos-isolados-mas-recorrentes.html