“Quando um jovem
negro é assassinado na periferia pelas forças do Estado, cabe à mãe chorar e
lamentar o injusto epíteto colocado sobre a cova rasa: “Traficante, morto em
confronto.” As forças de operação matam, a Polícia Civil qualifica o fato como
legítimo, o Ministério Público pede o arquivamento, e o Judiciário sepulta a
justiça, arquivando o auto de resistência. A polícia mata na operação, e o
aparato jurídico mata a dignidade da vítima com o arquivamento do que deveria
ser objeto de apuração”.
Quem conhece as instâncias a
percorrer até um resultado final de um processo, os atalhos para encerrar uma
caminhada processual antecipadamente ou os meandros para postergar um resultado
indesejável não tem muito do que se preocupar. Mas a maioria dos cidadãos brasileiros
não conhece estes recursos nem tem acesso a eles.
Quando um jovem negro é assassinado
na periferia pelas forças do Estado, cabe à mãe chorar e lamentar o injusto
epíteto colocado sobre a cova rasa: “Traficante, morto em confronto.” As forças
de operação matam, a Polícia Civil qualifica o fato como legítimo, o Ministério
Público pede o arquivamento, e o Judiciário sepulta a justiça, arquivando o
auto de resistência. A polícia mata na operação, e o aparato jurídico mata a
dignidade da vítima com o arquivamento do que deveria ser objeto de apuração.
Se a vítima não morre, um auto de
prisão é lavrado, com grave imputação que será referendada pelas instituições
subsequentes. Se o delegado autua um jovem da periferia por formação de
quadrilha para o tráfico, ainda que este jamais tenha entrado numa boca de
fumo, o Ministério Público certamente o denunciará por este crime, e a Justiça
o condenará. A alegação policial, despida de qualquer prova senão as palavras
da própria polícia, será suficiente para a condenação. E mais grave, mesmo sem
os requisitos específicos para a decretação da prisão preventiva, ela será
decretada, ‘para garantia da ordem pública’.
A mesma política de referendamento
das ‘estórias policiais’ tem sucedido aos manifestantes. Um morador de rua foi
condenado a cinco anos de prisão, a pretexto de posse de material para
confeccionar coquetel molotov, por portar duas garrafas de plástico contendo
água sanitária e detergente com o que desinfetava o local onde dormia. Um
militante permaneceu preso por dois meses por associação para a prática de
crime. O curioso é que foi preso sozinho. Uma associação dele consigo mesmo.
Desde 20 de junho do ano passado,
após visita de chefia institucional da polícia a uma delegacia, delegados
passaram a homologar as versões dos policiais militares quando da prisão de
manifestantes. O que aconteceu naquela visita e a partir dela? A Polícia Civil,
ao homologar as arbitrariedades da Policia Militar, demonstra falta de
autonomia para conduzir o inquérito policial.
Se age em desfavor da sociedade para
agradar aos governantes, pode agir da mesma maneira para isentar aqueles que
tenham relações não republicanas com os ‘donos do poder’. Foi este tipo de
conduta que justificou o pedido de rejeição da PEC 37 e significou um tiro no
próprio pé. A ‘pacificação’ das favelas atendeu à especulação imobiliária; a
‘pacificação’ das ruas, aos interesses da Fifa. Ambas com graves violações aos
direitos fundamentais e ultraje à Constituição.
Publicado
originariamente no jornal O DIA, em 22/06/2014. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-06-22/joao-batista-damasceno-ha-razao-para-a-esperanca.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário