Coronelismo eletrônico
Entrevistando um político local, um jovem
profissional passou a palavra ao interlocutor e lhe disse que o microfone era
todo seu. O entrevistado, tal como um coronel do Brasil rural, retrucou dizendo
o microfone era seu, assim como toda a rádio.
Diante de um espectro de ondas limitado, os
serviços de radiodifusão e TVs são delegados pelo poder público a particulares,
sob certas condições. Jornais impressos e blogs não existem sob concessão
estatal, e o Estado não lhes pode regulamentar a existência. Sequer o papel
para impressão de jornal pode ser tributado.
Trata-se de imunidade tributária, limitação
constitucional ao poder de tributar. Neste sentido, a liberdade de imprensa é e
há de ser absoluta. Mas, em se tratando de serviço delegado pelo poder público,
como rádio e TV, a sociedade tem o direito de ver tais serviços regulamentados
e exercidos sob controle social.
A concessão de rádios e canais de TVs foi meio pelo
qual o presidente José Sarney atraiu o Centrão para seu apoio político e
garantiu um quinto ano de mandato, quando os constituintes queriam deliberar
por quatro anos.
A partir de então, o Brasil vive uma farra na
concessão de canais de TV e rádio. Apresentadores de rádio e de programas de TV
alçaram-se a mandatos graças à visibilidade que tais meios de comunicação de
massa lhes possibilitam, e políticos eleitos cuidaram de obter, mediante
negociatas envolvendo a atividade parlamentar, concessões para o uso
político-eleitoral.
Igualmente grupos religiosos em disputa pelo
mercado da fé cuidaram de obter concessões de tal serviço público e, por vezes,
fazem delas uso não republicano.
Há delegatários que jamais entraram numa rádio ou
TV, que alugam para terceiros que as exploram economicamente. Empresas
deficitárias acabam por depender de custeio público ou de empresários
“chantageados para a colaboração”, mediante contratação de tempo ou difusão de
comerciais.
Grupos que se apoderam de meios de comunicação de
massa e os tratam como quintais de suas casas são tão perniciosos à democracia
quanto o são os apropriadores dos latifúndios improdutivos mantidos com o apoio
de capangas e trocas ilegítimas com o poder político, típicas do fenômeno que
caracterizou o pacto coronelista da República Velha.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em
17/06/2017, pag. 8. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-06-17/joao-batista-damasceno-coronelismo-eletronico.html
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