Falando de Direito
Decorridos 2400 anos da injusta condenação de
Sócrates e 2000 anos da de Cristo, ainda não aprendemos que justiça não se
confunde com vingança e que a sanha punitiva das massas não é a melhor maneira
de fazer julgamentos. Sob a fúria da multidão, muitos inocentes foram mortos ou
presos ao longo da história.
As fogueiras que se acendiam no final da Idade
Média queimaram vivas mulheres sob acusação de feitiçaria. Com o sacrifício da
vida alheia, parcela da sociedade expiava seus sentimentos de pecado. Quando a
vida média era de 30 anos, idosos eram vistos com desconfiança, pois se
acreditava terem pactuado com o diabo.
O sentimento momentâneo da população, seja o
mesquinho da vingança ou o louvável da ética radical, nem sempre contempla a
justiça. Por isso o sistema constitucional instituiu garantias contra a
arbitrariedade e limitou a ação do Estado contra os indivíduos. Toda pena
somente pode ser imposta após regular processo e ninguém há de ser considerado
culpado antes do trânsito em julgado de sentença condenatória.
Afinal, é melhor errar absolvendo um culpado que
condenando um inocente. Mas, em momento de irracionalidade fascista, o Estado
não só mata, como condena sem prova “porque crimes são cometidos por aí” e
alguém há de pagar por eles.
Estão na moda as prisões provisórias. São mais de
200 mil no Brasil. Para prender, há juízes que prolatam decisões de dois
parágrafos; para não prender, de 10 páginas. É preciso justificar o que deveria
ser regra. A racionalidade judicial, com seu sistema de “alegado e provado”,
foi substituída pela retórica para justificar o injustificável. A fundamentação
das decisões foi substituída por argumentação para convencer, quando o único
convencimento visado deve ser o do julgador.
Processos midiáticos nos quais se acusam,
processam, julgam, condenam e executam sem defesa são incompatíveis com o
Estado de Direito. A situação é pior quando a “brincadeira juvenil” é
patrocinada por juízes e membros do Ministério Público, como disse um ministro
do STF.
Mas, até prisão para obrigar colaboração se tem
feito no Brasil. Subordinar uma pessoa à prisão para que ela “colabore”,
confessando ou delatando, somente tem equivalência com o “pau de arara”
praticado por quem não tem o poder de decretar prisão.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 13/05/2017, pag. 9. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-05-13/joao-batista-damasceno-falando-de-direito.html
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