terça-feira, 4 de julho de 2017

Falando de Direito


Falando de Direito

 

Decorridos 2400 anos da injusta condenação de Sócrates e 2000 anos da de Cristo, ainda não aprendemos que justiça não se confunde com vingança e que a sanha punitiva das massas não é a melhor maneira de fazer julgamentos. Sob a fúria da multidão, muitos inocentes foram mortos ou presos ao longo da história.

 

As fogueiras que se acendiam no final da Idade Média queimaram vivas mulheres sob acusação de feitiçaria. Com o sacrifício da vida alheia, parcela da sociedade expiava seus sentimentos de pecado. Quando a vida média era de 30 anos, idosos eram vistos com desconfiança, pois se acreditava terem pactuado com o diabo.

 

O sentimento momentâneo da população, seja o mesquinho da vingança ou o louvável da ética radical, nem sempre contempla a justiça. Por isso o sistema constitucional instituiu garantias contra a arbitrariedade e limitou a ação do Estado contra os indivíduos. Toda pena somente pode ser imposta após regular processo e ninguém há de ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença condenatória.

 

Afinal, é melhor errar absolvendo um culpado que condenando um inocente. Mas, em momento de irracionalidade fascista, o Estado não só mata, como condena sem prova “porque crimes são cometidos por aí” e alguém há de pagar por eles.

 

Estão na moda as prisões provisórias. São mais de 200 mil no Brasil. Para prender, há juízes que prolatam decisões de dois parágrafos; para não prender, de 10 páginas. É preciso justificar o que deveria ser regra. A racionalidade judicial, com seu sistema de “alegado e provado”, foi substituída pela retórica para justificar o injustificável. A fundamentação das decisões foi substituída por argumentação para convencer, quando o único convencimento visado deve ser o do julgador.

 

Processos midiáticos nos quais se acusam, processam, julgam, condenam e executam sem defesa são incompatíveis com o Estado de Direito. A situação é pior quando a “brincadeira juvenil” é patrocinada por juízes e membros do Ministério Público, como disse um ministro do STF.

 

Mas, até prisão para obrigar colaboração se tem feito no Brasil. Subordinar uma pessoa à prisão para que ela “colabore”, confessando ou delatando, somente tem equivalência com o “pau de arara” praticado por quem não tem o poder de decretar prisão.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 13/05/2017, pag. 9. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-05-13/joao-batista-damasceno-falando-de-direito.html

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