Um vídeo publicitário divulgado, nesta
semana, pelo presidente da república mostrava um leão fragilizado sendo atacado
por um conjunto de hienas. Uma legenda identificava o leão como o presidente e
as hienas como sendo mídia, movimentos sociais, partidos políticos e
instituições. Foram expressamente citados: STF, CNBB, OAB, ONU, Greenpeace, Lei
Rouanet, Veja, Folha de S. Paulo, Globo, Jovem Pan, Estadão, PT, PCdoB, PSOL,
PSDB, PDT, feministas, MST, Força Sindical, MBL que sempre apoiou o presidente
e o seu próprio partido, o PSL. O leão atacado é apresentado como o “isentão”,
salvo por outro leão, o “conservador patriota” e ao final o presidente exclama:
“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Diante da repercussão o presidente
apagou a postagem e se desculpou.
Norbert Elias no livro A Sociedade de Corte
analisa a corte de Luís XIV, o Rei-Sol, e sua rigorosa estrutura fundamentada
sobre símbolos. Na obra ele estuda as relações sociais e suas interdependências
e conclui: um louco que se acredita rei é menos louco que um rei que se
acredita rei acima das circunstâncias. O presidente pretende governar acima das
circunstâncias, desprezando as relações sociais das quais decorrem todo o
exercício de poder. E isto pode ser perigoso para a democracia, pois pode ceder
à tentação autoritária presente na formação do presidente e no círculo que o
envolve.
Pretendendo governar acima das
circunstâncias o sobrinho de Napoleão Bonaparte, Luís Bonaparte, reeditou em
1851 o golpe que o tio dera em 1799. Analisando aquele golpe Karl Marx escreveu
que “Hegel comenta que todos os grandes fatos e todos os grandes personagens da
história mundial são encenados, por assim dizer, duas vezes. Ele se esqueceu de
acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Nesta semana
um dos filhos do presidente da República ameaçou com a repetição da tragédia de
1964.
A tigrada que aterrorizava a sociedade
brasileira durante a ditadura empresarial-militar não foi domada com a
redemocratização. Os mecanismos operados nos porões do regime não foram
desativados. A morte de Marielle pode ter sido uma tentativa da tigrada de
causar comoção e proporcionar acesso ao poder. Pode ter encomendado o crime
para não envolver as próprias Forças Armadas, como no caso da bomba do
Riocentro.
A notícia divulgada no Jornal Nacional de
que um dos acusados de executar Marielle estivera no condomínio onde mora o
presidente para se encontrar com outro acusado e que interfonara para a casa do
presidente para ter entrada autorizada, é emblemática. O presidente estava em
Brasília. A reportagem não fez alusão a qualquer filho do presidente. Mas, em
seu pronunciamento, visivelmente transtornado, o presidente diz quererem
prender seu filho. Qual filho? Algum é ligado a milicianos? Algum pode ter
intermediado a encomenda da tigrada?
Maquiavel no XVIII capítulo de O Príncipe
diz que convém a um governante fazer uma escolha entre ser raposa ou leão. O
leão pode ter força, mas não sabe fugir das armadilhas. É necessário ser raposa
para conhecer as armadilhas e delas escapar. E arremata: “Os que querem apenas
ser leão demonstram não conhecer do assunto”. Ao trazer um filhote para o
centro do debate o pretenso leão caiu numa armadilha.
Publicado
originariamente no jornal O DIA, em 02/11/2019, pag. 8. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2019/10/5818832-joao-baptista-damasceno--hiena--raposa--leao--burro-e-tigrada.html
Publicado
originariamente no jornal O DIA, em 02/11/2019, pag. 8. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2019/10/5818832-joao-baptista-damasceno--hiena--raposa--leao--burro-e-tigrada.html
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