segunda-feira, 29 de junho de 2020

“Como a FGV é uma instituição, com muita justiça, de reputação, ela sempre foi usada como um biombo...", disse Sérgio Cabral.


“Como a FGV é uma instituição, com muita justiça, de reputação, ela sempre foi usada como um biombo, de cobertura legal...para efetivação de entendimentos prévios, digamos assim. Ela fugia da licitação e dava cobertura legal para estudos feitos por nós”, disse Cabral".

FGV vive devassa financeira e é apontada por Cabral como elo legal para propina no Rio

Instituição nega irregularidades e diz que é preciso 'estancar denúncias injustas'

RIO DE JANEIRO

Uma das mais importantes instituições privadas de ensino e pesquisa do país, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) é alvo de uma devassa financeira por órgãos de investigação no Rio de Janeiro.
A FGV já foi alvo de desdobramento da Operação Lava Jato e é investigada em ao menos cinco procedimentos do Ministério Público estadual. As suspeitas vão desde superfaturamento de contratos com o poder público, obtenção de lucro indevido e malversação da verba da própria fundação.
No início deste mês, a instituição foi citada em depoimento do ex-governador Sérgio Cabral (MDB) ao juiz Marcelo Bretas. Ele, que decidiu admitir o recebimento de propina, afirmou que estudos da instituição eram usados para referendar tecnicamente obras que envolviam propina.
“Como a FGV é uma instituição, com muita justiça, de reputação, ela sempre foi usada como um biombo, de cobertura legal para efetivação de entendimentos prévios, digamos assim. Ela fugia da licitação e dava cobertura legal para estudos feitos por nós”, disse Cabral.
No depoimento, o ex-governador não mencionou a participação direta de membros da FGV no esquema de propina. Mas disse que os membros da fundação sabiam que os estudos milionários deveriam atender às decisões prévias do estado.
A FGV nega envolvimento no esquema e afirma que é a maior interessada em “estancar denúncias injustas”.
Ao longo da gestão Cabral, a entidade firmou 56 contratos com órgãos estaduais. Foram R$ 115 milhões repassados à instituição, segundo o Portal da Transparência fluminense.
A fala do ex-governador corrobora indícios coletados em investigações já em curso no Ministério Público do Rio. Uma delas trata dos estudos da FGV sobre o traçado na linha 4 do metrô.
A obra iniciada em 2010 usou como base um contrato de 1998 que previa a extensão do metrô até a Barra da Tijuca, passando por Botafogo e Jardim Botânico, ao custo de cerca de R$ 2,6 bilhões, em valores atuais. O projeto foi alterado para que essas duas estações no caminho fossem construídas em Ipanema e Leblon, com valor total de R$ 10,4 bilhões.
O contrato com a FGV foi assinado sem licitação por R$ 19,6 milhões. O objetivo era apontar razões técnicas para executar a obra. Contudo ele foi firmado em julho, cinco meses depois do aditivo ao contrato de obra do metrô já ter sido efetivado.
Para a Promotoria, os estudos da fundação foram marcados por “fundamentação técnica rasa”. Análise do Grupo de Apoio Técnico Especializado da Promotoria também apontou ausência de estudos técnicos de engenharia considerados essenciais. Destacou ainda o fato de um levantamento sobre tema complexo conter apenas 17 páginas, como o apresentado pela FGV.
“A própria cronologia das avenças demonstra a completa inutilidade do primeiro produto contratado pelo estado sem licitação e mediante valores milionários em benefício da FGV”, diz o Ministério Público.
A obra da linha 4 do metrô, compromisso para a realização da Olimpíada de 2016, já gerou oito ações cíveis por improbidade administrativa contra políticos, empresários e técnicos das pastas envolvidas. Segundo a Promotoria, ela gerou um prejuízo de R$ 3,2 bilhões aos cofres estaduais.
A FGV está sob foco desde agosto, quando a Polícia Federal deflagrou a Operação Gigante, desdobramento da Lava Jato. Nela, o Ministério Público Federal investiga o pagamento de propina pelo empresário Edson Menezes a Cabral.
O valor, segundo as investigações, era uma contrapartida pela subcontratação do banco Prosper, do qual era presidente, em contrato da FGV para preparação do edital de leilão das ações do antigo Berj (Banco do Estado do Rio de Janeiro) e da folha de pagamento dos servidores estaduais.
A suspeita é que a fundação tenha sido usada como fachada para o repasse de recursos para o Prosper, tendo se apropriado de parte dos recursos indevidamente. O Ministério Público, contudo, não apura apenas a relação da instituição com o poder público. A Promotoria de fundações também investiga o mau uso de verbas da FGV.
O procedimento corre em sigilo com o apoio do Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção). A Folha apurou que o procedimento apura a obtenção de lucro indevido por meio de subcontratações possivelmente fraudulentas --por ser uma fundação, ela não pode gerar lucro.

'ESTANCAR DENÚNCIAS INJUSTAS’ 

A FGV afirmou em nota que “não é aceitável que um depoimento possa servir de base para se desconstruir uma história que se confunde com a própria evolução do Brasil”.
“A FGV, espontaneamente, logo após tal depoimento, se colocou à disposição do Ministério Público para todo e qualquer esclarecimento, o que, aliás, jamais se furtou a fazer em relação a qualquer procedimento”, diz a nota.
A fundação afirma ainda que os contratos com órgãos estaduais na gestão Cabral representaram apenas 4,9% de todos os projetos desenvolvidos pela entidade no período.
Em relação ao contrato sobre a linha 4 do metrô, a instituição diz que “jamais foi contratada ou realizou qualquer serviço que teria acarretado alteração de itinerário ou de traslado do metrô”.
“A fundação foi contratada para realizar estudos técnico-econômicos sobre a viabilidade econômica da ligação da linha 4 com a linha 1, itinerário que já havia sido anteriormente definido pelos órgãos e setores competentes do Estado. A FGV atuou, inclusive, juntamente com a inglesa Halcrow, mundialmente respeitada em sinalização, eletrificação, operação metroviária e material rodante”, diz a nota.
“Jamais a instituição participou de qualquer negociação envolvendo concessionárias, construtoras, contratos ou medições de obras e serviços, desconhecendo, por completo, as atividades neste campo”, afirmou a entidade.
Sobre a estruturação do leilão do Berj, a FGV afirma que quem pagou pelos serviços não foi o estado, mas o Bradesco, vencedor do certame.
“Foram cinco anos de trabalho que, após três tentativas, redundou em um dos mais bem sucedidos leilões do país, disputado pelas quatro maiores instituições financeiras do País (Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander), que acarretou uma arrecadação de R$ 1 bilhão para os cofres do estado, um ágio de quase 100% sobre o valor estimado”, diz a nota.
A FGV também negou que o banco Prosper tenha executado o principal serviço contratado. Segundo a fundação, ele ficou responsável pela organização do leilão junto à CVM (Comissão de Valores Imobiliários).
A fundação declarou que é a “maior interessada em estancar as denúncias que, injustamente, tentam manchar a imagem e macular a história da instituição brasileira mais reconhecida mundialmente nos segmentos de educação e pesquisa”.
Menezes já negou, em oportunidades anteriores, ter pago propina a Cabral.



sexta-feira, 26 de junho de 2020

FALSIFICAR CURRÍCULO LATTES É CRIME


Plataforma Lattes é um sistema virtual de currículos, criado e mantido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo qual integra as bases de dados curriculares, grupos de pesquisa e instituições em um único sistema de informações, das áreas de Ciência e Tecnologia, atuando no Brasil.
A Plataforma Lattes foi concebida para facilitar as ações de planejamento, gestão e operacionalização do fomento à pesquisa, tanto do CNPq quanto de outras agências de fomento à pesquisa, federais e estaduais, e de instituições de ensino e pesquisa.
O CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, é um órgão público ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) para incentivo à pesquisa no Brasil.
O Currículo Lattes foi criado em 1999 pelo CNPq e é um componente da Plataforma Lattes. Tornou-se o padrão nacional de registro das atividades acadêmicas e profissionais realizadas pelos estudantes e pesquisadores do país.
As informações inseridas na Plataforma Lattes, por meio do curriculum Lattes, são juridicamente relevantes para os fins púbicos que foi criada.
A inserção de declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, visando a alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante é crime tipificado no art. 299 do Código Penal, onde consta o seguinte:
Falsidade ideológica
Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.
Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.

domingo, 21 de junho de 2020

Brizola e as brizoletas


Eleito para o Governo do Rio Grande do Sul em 03/10/1958 e tomando posse em 1959, Leonel Brizola enfrentou “a crise por que passava a economia gaúcha como consequência de sua marginalização no âmbito da política econômica implantada pelo governo Kubitschek”. O Presidente Juscelino Kubitschek, atendendo aos interesses dos EUA, congelou os ativos do Rio Grande do Sul, deixando aquele estado à míngua. Mas, Brizola lançou Letras do Tesouro Estadual, em forma de cédulas, que ganharam circulação. As cédulas eram vendidas pelo Tesouro Gaúcho com deságio, dependendo do tempo em que poderiam ser resgatadas e tinham por lastro os valores bloqueados por Juscelino Kubitschek.

Em maio de 1959 Brizola decretou a encampação, pelo preço simbólico de um cruzeiro, da Companhia de Energia Elétrica Rio-Grandense, filial da American and Foreign Power Company (Amforp), proprietária da rede de distribuição na Grande Porto Alegre. Essa medida, apoiada pelas forças nacionalistas, gerou uma crise nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos, que explodiria posteriormente no governo de João Goulart (1961-1964). A intervenção do estado nos setores de energia e comunicações teria uma ampla repercussão política, com a encampação das subsidiárias de duas poderosas corporações internacionais.

Em fevereiro de 1962 – já, portanto, no governo Goulart –, seria também encampada a Companhia Telefônica Rio-Grandense, subsidiária da International Telephone and Telegraph (ITT). As negociações entre o governo gaúcho e a direção da ITT já se haviam estendido por mais de dois anos quando se chegou a um acordo que consistia na criação de uma sociedade de economia mista, na qual o estado participaria com 25%, a ITT com 25% e o público usuário com 50%. A avaliação do acervo da companhia fora determinada em juízo arbitral por Luís Lessegnieu de Farias, representante do governo, e Frederico Rangel, representante da ITT.

Alegando que o laudo dos árbitros não a satisfazia, a direção da companhia voltou atrás nas negociações, o que levou Brizola a decretar a encampação de seu acervo, com base no valor encontrado pelos árbitros. O fato repercutiu intensamente no Brasil e no exterior, provocando protestos imediatos do presidente da ITT e uma nota de protesto da embaixada americana, dirigida ao então ministro das Relações Exteriores San Tiago Dantas. O chanceler organizou uma reunião no Itamaraty, com a presença de Brizola, do embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Roberto Campos, do embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, e representantes da ITT. A reunião, convocada com a finalidade de estabelecer um acordo, fracassou. Roberto Campos atuava no interesse dos estadunidenses.


Juscelino Kubitschek atendeu aos interesses dos barões das comunicações, dentre os quais outorgando a Roberto Marinho o canal de TV que deveria ser colocado no ar como TV Nacional junto na Rádio Nacional (canal 4 do Rio de Janeiro que entrou no ar em março de 1965). Além disto, subordinou a industrialização brasileira aos interesses estadunidenses, perseguiu implacavelmente os nacionalistas e comunistas, bem como estabeleceu a relação do Estado com as empreiteiras, coisa da qual até hoje não conseguimos desfazer.

Eu tenho uma Brizoleta.

LEI Nº 3785 DE 30 DE JULHO DE 1959
Autoriza a emissão de letras do Tesouro
LEONEL BRIZOLA, Governador do Estado do Rio Grande do Sul,
Faço saber, em cumprimento ao disposto nos artigos 87, inciso II e 88, inciso I da Constituição do Estado, que a Assembléia Legislativa decretou e eu sanciono e promulgo a Lei seguinte:
Art. 1º - É o Poder Executivo autorizado a emitir letras do Tesouro, contra suprimento de numerário, com limite de circulação até 5% da receita orçada em cada exercício.
Art. 2º - Os títulos referidos no artigo anterior serão ao portador, com prazos de resgate fixados mediante decreto do Poder Executivo, com os valores nominais de Cr$ 50,00 (cinquenta cruzeiros); Cr$ 100,00 (cem cruzeiros); Cr$ 200,00 (duzentos cruzeiros); Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros); Cr$ 1 000,00 (mil cruzeiros); Cr$ 5 000,00 (cinco mil cruzeiros); Cr$ 10 000,00 (dez mil cruzeiros); Cr$ 50 000,00 (cinquenta mil cruzeiros); e Cr$ 100 000,00 (cem mil cruzeiros).
Art. 3º - O tipo mínimo de colocação das letras do Tesouro será 94 quando o prazo de resgate for de um ano, obedecendo-se a mesma proporção quando houver variação de prazos.
Art. 4º - As letras do Tesouro de que trata esta lei, não apresentadas para resgate, servirão, pelo seu valor nominal, para pagamento de impostos, taxas e quaisquer dívidas fiscais para com o Estado.
Art. 5º - Os títulos a que se refere a presente lei serão resgatadas nos exercícios de 1959 a 1963.
Art. 6º - O resgate da letras do Tesouro será efetuado pelo Tesouro do Estado, pelo Banco do Rio Grande do Sul S/A. em qualquer de suas agências, e por outros estabelecimentos bancários credenciados pela Fazenda, com os quais fica o Poder Executivo autorizado a firmar os contratos que se fizerem necessários.
Art. 7º - As letras do Tesouro serão assinadas pelo Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, pelo Diretor Geral do Tesouro do Estado e pelo Tesoureiro Geral do Tesouro.
Art. 8º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.

PALÁCIO PIRATINI, em Pôrto Alegre, 30 de julho de 1959

Engº Leonel Brizola
Governador do Estado   
      
João Caruzo
Secretário do Interior e Justiça

Siegfried Emanuel Heuser
Secretário da Fazenda


sábado, 20 de junho de 2020

Judiciário: O poder que mais falhou

João Mangabeira, em 1949, por ocasião do centenário do nascimento de Ruy Barbosa disse que, na República, o judiciário foi o poder que mais falhou por não ter desempenhado as funções lhe acometidas na ordem jurídico-política constitucional. O texto está na obra ‘Rui, o Estadista da República’. O parlamentar udenista Afonso Arino de Melo Franco não gostou do papel atribuído a Ruy Barbosa e escreveu ‘Um estadista da República: Afrânio de Melo Franco’. Melhor seria que tivesse intitulado a obra como ‘Elogios a papai’.

Proclamada a República, Ruy Barbosa tinha dificuldade de convencer os ministros do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade de leis contrárias à Constituição. É que os ministros do STF eram os mesmos que vinham do Império e, neste, a sanção do Imperador excluía qualquer vício no processo de elaboração das leis. A sanção pelo Imperador de um projeto de lei inconstitucional ao invés da sua nulidade, elevava a lei inconstitucional à categoria de Emenda à Constituição. O novo sistema não foi entendido pelos velhos ministros imperiais na nova ordem republicana.

A afronta ao Poder Judiciário foi permanente durante a Primeira República. Culpa em parte dos seus membros que não se colocaram à altura das prerrogativas pelas quais deveriam zelar. Quando a Marinha se voltou contra os abusos que o Marechal Floriano Peixoto praticava, muitos opositores foram presos e Ruy Barbosa impetrou habeas corpus em favor dos presos mantidos nesta condição ilegalmente. O Marechal de Ferro mandou um recado aos ministros do STF, perguntando quem lhes deferiria habeas corpus se eles deferissem habeas corpus aos seus presos. Se em alguns momentos tivemos juízes que, em nome da prudência, ficaram na sombra e deixaram as garantias ser solapadas, também tivemos outros que se expuseram e dignificaram a toga que vestiram.

Um juiz no Rio Grande do Sul declarou a inconstitucionalidade de um artigo do Código de Processo Penal Gaúcho, para o descontentamento do todo poderoso caudilho Júlio de Castilho. O juiz chegou a ser processado criminalmente. A imprensa dava razão a Júlio de Castilho. Como um juiz ousava declarar a inconstitucionalidade de uma lei que tivera a aquiescência do caudilho? Até Machado de Assis se posicionou contra o juiz. Mas, o magistrado sabia o que estava fazendo, resistiu, respondeu ao processo e ao final foi absolvido.

Foi a politização da justiça, os convescotes nos quais determinados magistrados se enfiaram e a pusilanimidade de muitos o que possibilitou ao Exército atuar como poder moderador durante a República, até a ocorrência da malsinada noite iniciada em 1964 e que durou 21 anos, cuja atuação das forças armadas deixou as fardas sujas com o sangue daqueles que foram torturados e mortos em suas dependências.

Mas o Poder Judiciário, também teve e tem magistrados com elevadas concepções de suas funções. Após a criação da Petrobrás, os interesses contrários ao povo brasileiro levou Getúlio Vargas ao suicídio e tentou-se um golpe no sucessor eleito. Num habeas corpus impetrado em 1955 as duas visões de magistratura estiveram expostas num julgamento: de um lado o ministro Ribeiro da Costa e de outro o ministro Nelson Hungria que disse não deferiria liminar contra o Exército, porque as armas dos militares eram de verdade e as espadas do STF eram meros adereços no teto.

O ministro Ribeiro da Costa, na presidência do STF em 1965, foi quem alertou o Marechal Castelo Branco do descumprimento de habeas corpus pelo general envolvido na criação do primeiro grupo de homens autorizados a matar no Distrito Federal, ainda em 1958, origem das milícias. O marechal-presidente mandou cumprir a decisão do STF. Mas, a linha dura se vingou posteriormente decretando o AI-5 e cassou os ministros do STF que apoiaram o ministro Ribeiro da Costa. Os seguidores da linha dura ainda hoje assombram a democracia e o Estado de Direito. Mas, ainda há juízes no Brasil!


domingo, 7 de junho de 2020

OBSTRUÇÃO JUDICIAL


Em atrito com Bolsonaro, STF tem meios escassos de controle e limite a seus ministros

Corte tem em impeachment de juiz maior sanção, mas medida é considerada muito improvável

6.jun.2020 às 14h07


SÃO PAULO

Pressionado nos últimos anos pela opinião pública e agora sob cerco do bolsonarismo, o STF (Supremo Tribunal Federal) tem escassos meios previstos em lei de controlar ou limitar a atividade de seus integrantes.
Instituições como o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) ou o Congresso praticamente são alijadas de atividades de supervisão dos trabalhos da corte.
A única sanção mais ao alcance de outros Poderes, considerada por especialistas uma bomba atômica a ser usada em hipóteses remotas, é o impeachment de ministro, que cabe ao Senado avaliar.
Embora desperte críticas, esse modelo de autonomia e estabilidade quase total é concebido para evitar a influência política sobre o Judiciário ou retaliações de outros Poderes por decisões tomadas.
Iniciativas controversas dos ministros nos últimos anos despertaram discussões sobre os limites de atuação dos integrantes da corte.
Uma dos principais foi o inquérito da fake news, aberto em 2019 por determinação do próprio presidente do tribunal, Dias Toffoli, que também indicou o relator, Alexandre de Moraes. Os alvos são suspeitos de fazer ameaças e ofensas a integrantes do tribunal.
O presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar há duas semanas, após operação de busca e apreensão no âmbito dessa investigação: “Ordens absurdas não se cumprem”.
O tom beligerante estimulou ainda mais apoiadores que semanalmente fazem protestos antidemocráticos em Brasília pedindo o fechamento da corte e do Congresso.
Bolsonaro e os críticos do tribunal também questionam a excessiva individualização de ordens de ministros, como a expedida também por Moraes em abril que barrou a posse de Alexandre Ramagem, aliado do presidente, na direção-geral da Polícia Federal.
Liminares também reverteram indicações para ministérios nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer. Se abre margem para questionamentos, essa autonomia gozada pelos ministros também protege a corte de intervenções desmedidas do Executivo.
Em democracias menos consolidadas, há vários precedentes de destituição de integrantes da mais alta corte por pretextos aleatórios do governo da ocasião. No Brasil, a ditadura militar ordenou a aposentadoria de ministros não alinhados.
Pedidos de impeachment no Supremo Tribunal Federal se avolumaram no Congresso nos últimos anos, mas não houve nenhum caso de afastamento consumado.
O professor de direito constitucional Miguel Godoy, da Universidade Federal do Paraná, diz que o impeachment implica em provar uma falha funcional grave, que represente um crime de responsabilidade.
Os pedidos que chegam ao Senado contra os ministros costumam visar, por outro lado, o teor de decisões tomadas.
“Juiz não pode ser responsabilizado pela compreensão jurídica que tem. A não ser que atue de maneira dolosa para fraudar, o que não me parece o caso”, diz ele, a respeito do inquérito das fake news.
O professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) no Rio Ivar Hartmann, que pesquisa o Supremo, diz que, como o impeachment é visto como algo fora de cogitação, a corte fica sem outras alternativas de controle, o que contribui para excessos dos ministros.
“Deveria haver outros mecanismos além do impeachment para violações de menor grau. Algum mecanismo de moção, de suspensão, que tenha um efeito simbólico. [Por exemplo:] remover determinado processo da relatoria e ser sorteado entre outros ministros. Seria algo de bastante impacto para os ministros, veriam como uma punição severa.”
Hartmann diz que o Senado, que também é quem aprova as indicações de novos ministros do tribunal feitas pelo presidente da República, poderia exercer esse papel.
Existe, no entanto, um equilíbrio delicado nos interesses intercruzados entre Poderes: há no tribunal inquéritos e processos que têm como alvos os próprios congressistas.
O professor também considera que poderia ter havido um efeito positivo na chamada “CPI da Lava Toga”, que senadores novatos tentaram abrir sem sucesso em 2019, desde que a comissão se prestasse a discutir procedimentos do Judiciário, e não o teor das decisões.
O Conselho Nacional de Justiça, criado em 2004 e que supervisiona as atividades do Judiciário, não tem jurisdição sobre os ministros da mais alta corte do país.
Em 2001, ato do então presidente da corte, Marco Aurélio Mello, alimentou debate sobre punição ao ministro.
Ele concedeu habeas corpus a um militar condenado por tráfico e embasou sua ordem em argumento que, disse, havia sido respaldado por decisão de uma das turmas da corte anteriormente, o que não havia acontecido de fato.
A situação provocou bate-boca em plenário com a então colega Ellen Gracie e foi discutida pelos 11 ministros em sessão administrativa a portas fechadas. Pressionado pelos pares, Marco Aurélio acabou admitindo publicamente que havia errado, e a libertação foi revogada.
Punições internas por meio do regimento interno do tribunal são improváveis, já que caberia aos colegas tomar a iniciativa contra um ministro.
Preceitos desse regulamento, como o que estabelece prazos para a retomada de casos sob pedidos de vista, não provocam sanções em caso de descumprimento.
Em 2019, estudo da Fundação Getúlio Vargas analisou três décadas de pedidos de suspeição (questionamento sobre a isenção de um magistrado em uma causa) e mostrou que todos foram arquivados no tribunal, a maioria de maneira individual.
O poder dos ministros em obstruir discussões também é questionado.
Em 2014, o ministro Luiz Fux autorizou de maneira liminar o pagamento de auxílio-moradia no Judiciário e por anos não liberou a causa para julgamento dos colegas. Só revogou suas decisões em 2018 depois de o governo federal aceitar conceder reajuste salarial à magistratura.
“Não se sabe quais os critérios de conduta judicial que nós podemos cobrar dos ministros do Supremo. É um problema antigo no Brasil”, diz o professor do Insper Diego Werneck Arguelhes, que pesquisa cortes constitucionais.
Nesse sentido, ele entende que a fixação de mandatos para os integrantes do tribunal, como o estabelecido em outros países, é benéfica. Hoje, os ministros são aposentados compulsoriamente aos 75 anos.
Para o professor de ciência política da Universidade Federal de Santa Catarina Luciano Da Ros, que estuda o Judiciário, a única bandeira que une os 11 ministros que compõem a corte é a preservação de seus poderes individuais, o que obstrui possíveis iniciativas de aperfeiçoamento.
“Se o ministro A tomou uma decisão que foi malvista pelos outros, ela é ‘aceita’ pelos demais porque, em um momento subsequente, o ministro B ou C pode ser aquele a tomar uma decisão malvista pelos colegas. Nesse contexto, dificilmente existe uma ação disciplinar clara, orientação de rumo.”
Para os acadêmicos, os questionamentos à corte são desdobramento da superexposição que seus julgamentos e decisões passaram a ter na última década. A partir do julgamento do caso do mensalão, em 2012, o tribunal esteve cada vez mais no centro do debate político, que incluiu episódios da Operação Lava Jato e a discussão sobre a prisão de condenados em segunda instância, como o ex-presidente Lula.
Agora, as circunstâncias de ataques à corte por manifestantes extremistas podem acabar tendo até o efeito inverso, de barrar o debate por mudanças em seu modo de funcionamento.
Para a professora de direito constitucional Vera Karam de Chueiri, da Universidade Federal do Paraná, o momento exige cautela em propostas de mudanças.
“Pode-se fazer as críticas, tecer críticas, mas neste momento elas têm que ser pensadas nesse contexto maior, de quem quer dinamitar instituições”, diz.
ALGUMAS DAS MEDIDAS CONTROVERSAS DO STF NOS ÚLTIMOS ANOS
Inquérito das fake News
Em março de 2019, o presidente do STF, Dias Toffoli, decidiu por conta própria instaurar um inquérito para apurar ofensas e ameaças contra ministros da corte. A medida se baseia em um artigo do regimento interno que trata da ocorrência de crimes nas dependências do tribunal. Ele indicou o ministro Alexandre de Moraes para relatar o caso.
Desde então, o inquérito já serviu, por exemplo, para censurar a revista online Crusoé, para determinar buscas contra o ex-procurador-geral Rodrigo Janot, que havia dito que planejou matar um ministro da corte, e, no fim de maio, contra empresários, blogueiros e outros aliados do presidente Jair Bolsonaro
Decisões individuais sobre o Executivo
Desde 2016, medidas individuais da corte impediram a posse do ex-presidente Lula na Casa Civil, da então deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) no ministério de Michel Temer e, mais recentemente, de Alexandre Ramagem na direção da Polícia Federal.
No caso do petista, o argumento era de desvio de finalidade. As decisões despertaram debate sobre os limites da atuação do Judiciário sobre o Executivo
Causas 'seguradas'
O poder dos ministros em obstruir discussões também tem sido questionado. Em 2014, o ministro Luiz Fux autorizou de maneira liminar o pagamento de auxílio-moradia no Judiciário e por anos não liberou a causa para julgamento -- só revogou suas decisões depois de o governo federal aceitar conceder reajuste salarial à magistratura.
Em 2015, houve mobilização de entidades para que o ministro Gilmar Mendes liberasse voto sobre o financiamento de campanhas eleitorais por empresas, que ficou pendente por mais de um ano

   




OBSTRUÇÃO JUDICIAL

O que se em feito em alguns tribunais é "obstrução judicial", por meio de pedido de vista ou retardamento na submissão de liminar ou processo ao órgão colegiado para julgamento.

No STF a prática da “obstrução judicial” foi escancarada pelo Ministro Nelson Jobim. Vindo do Parlamento, onde  a prática da obstrução é meio de propiciar conversações, o ministro Jobim a praticou em larga escala no STF, conforme era denunciado pelo jurista Dalmo de Abreu Dallari. 

Embora o regimento interno do STF/RISTF disponha que o pedido de vista implica devolução dos autos na segunda sessão subsequente, já tivemos ministros que ficaram anos com vista ou se retardaram a liberação do processo para julgamento. Tenho ciência de uma petição protocolada no STF em 2006, somente foi juntada após sua aposentadoria do relator, ministro Joaquim Benedito Barbosa.

Um debate necessário é sobre a manutenção do pedido de vista após a segunda sessão ou inabilitação de quem em tal tempo não se achar apto a julgar, bem como a ineficácia, ope legis (pro força de lei), da liminar não confirmada ou submetida na primeira sessão subsequente a que tiver sido deferida.

Assim:
1)   Se o julgador pedir vista e não trouxer o processo na segunda sessão subsequente, estaria - de pleno direito - inabilitado em participar do julgamento, por desconhecimento da causa.

2)   Deferida a liminar, antes da oitiva da parte contrária, o relator deveria colocar a decisão para reapreciação e confirmação na primeira sessão subsequente, sob pena de perda imediata e, por força de lei, da eficácia.

sábado, 6 de junho de 2020

O Brasil e seus projetos

“...prometem se infiltrar entre os manifestantes para promover arruaças e lhes imputar responsabilidade. Se o governador tem o comando das polícias estaduais e compromisso com a democracia cabe-lhe ordenar que os órgãos de segurança impeçam a atuação das milícias contra os manifestantes. Afinal, é livre a reunião, mas sem armas. A Constituição que prevê tal garantia não ressalva que deputados, policiais e milicianos possam ir a reuniões públicas com suas armas, mesmo que tenham autorização para porte legal em outras circunstâncias”.

Ao analisar a estrutura social segregacionista persistente no Brasil, Darcy Ribeiro dizia que “a crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”. Darcy estudava o Brasil e buscava identificar seus problemas para poder transformá-lo. Mas, encontrava resistências daqueles que arquitetaram a nossa realidade iníqua e com ela lucravam. Só um projeto educacional muito bem elaborado possibilita a acomodação social e a manutenção da desigualdade social sem que os excluídos se rebelem.

A classe dominante executou seus projetos no Brasil e lucrou com suas execuções. Ao tempo da colônia, para impedir o desenvolvimento, era proibida qualquer manufatura. Tudo tinha que ser comprado de Portugal. A indústria inglesa é que supria a metrópole dos produtos e em troca ficava com o ouro das Minas Gerais. O ouro, a cana de açúcar e o café enriqueceram poucos e destruíram a vida de muitos reduzidos à escravidão. Os filhos da aristocracia podiam estudar em Portugal, mas inexistia qualquer educação para os demais. Mesmo os colégios jesuítas foram fechados em 1759 e não se colocou nada no lugar.

O golpe militar que instituiu a República em 1889 entregou o controle da vida cotidiana ao mando local e instituiu o coronelismo. Com a Revolução de 30, chefiada por Getúlio Vargas, o Brasil se tornou nação. Iniciou-se o processo de industrialização, foram editadas leis trabalhistas e o sistema de saúde deixou de ser, exclusivamente, o caritativo das Santas Casas. Os institutos de trabalhadores tinham sua própria rede de saúde.

Mas, o projeto nacionalista de um Brasil para os brasileiros foi interrompido com o golpe empresarial-militar de 1964 e os entreguistas executaram projeto que subordinava o Brasil aos interesses dos EUA. Os militares nacionalistas e os de esquerda foram expulsos das Forças Armadas. Ficaram os tenentistas e a tigrada da ‘linha dura’. Para os militares, o AI-17 foi pior que o AI-5. Mas, a ‘linha dura’ se sobrepôs e acabou por isolar até mesmo os companheiros mais ilustrados e, durante a abertura, tentou intimidar a sociedade colocando bombas na ABI, na OAB, na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, em bancas de jornais. Mas, uma
bomba explodiu no colo dos terroristas fardados, no RioCentro em 1981, obrigando-os ao recolhimento.

A abertura democrática se fez e em 1988 foi editada a Constituição cidadã. Mas, por não terem sido responsabilizados pelas atrocidades cometidas durante a ditadura, contra pessoas e contra a soberania nacional, empresários e agentes do sistema repressivo se sentiram a vontade para continuarem sua sanha golpista. A irresponsabilidade de governos democráticos que colocaram as Forças Armadas em papel de polícia reacendeu o gosto repressivo daqueles que não se adequaram à ordem democrática e ao Estado de Direito.

O sistema repressivo montado para perseguir os brasileiros durante a ditadura empresarial-militar contava com paramilitares que se notabilizaram por se chamarem de “esquadrão da morte” e que deram origem às atuais milícias. Estes grupos de agentes públicos e particulares, fora do serviço oficial, mas contando com apoio hierárquico, são uma ameaça à vida, à liberdade, à democracia e ao Estado de Direito. No presente momento, se preparam para enfrentar os que se manifestam pela democracia e contra o fascismo. E, prometem se infiltrar entre os manifestantes para promover arruaças e lhes imputar responsabilidade. Se o governador tem o comando das polícias estaduais e compromisso com a democracia cabe-lhe ordenar que os órgãos de segurança impeçam a atuação das milícias contra os manifestantes. Afinal, é livre a reunião, mas sem armas. A Constituição que prevê tal garantia não ressalva que deputados, policiais e milicianos possam ir a reuniões públicas com suas armas, mesmo que tenham autorização para porte legal em outras circunstâncias.