“Como a FGV é uma instituição, com muita justiça, de reputação, ela sempre foi usada como um biombo, de cobertura legal...para efetivação de entendimentos prévios, digamos assim. Ela fugia da licitação e dava cobertura legal para estudos feitos por nós”, disse Cabral".
FGV vive devassa
financeira e é apontada por Cabral como elo legal para propina no Rio
Instituição
nega irregularidades e diz que é preciso 'estancar denúncias injustas'
RIO DE JANEIRO
Uma das mais importantes
instituições privadas de ensino e pesquisa do país, a Fundação
Getúlio Vargas (FGV) é alvo de uma devassa financeira por
órgãos de investigação no Rio de Janeiro.
A FGV já foi alvo de
desdobramento da Operação Lava
Jato e é investigada em ao menos cinco procedimentos do
Ministério Público estadual. As suspeitas vão desde superfaturamento de
contratos com o poder público, obtenção de lucro indevido e malversação da
verba da própria fundação.
No início deste mês, a
instituição foi citada em depoimento do ex-governador
Sérgio Cabral (MDB) ao juiz Marcelo Bretas.
Ele, que decidiu admitir o recebimento de propina, afirmou que estudos da
instituição eram usados para referendar tecnicamente obras que envolviam
propina.
“Como a FGV é uma
instituição, com muita justiça, de reputação, ela sempre foi usada como um
biombo, de cobertura legal para efetivação de entendimentos prévios, digamos
assim. Ela fugia da licitação e dava cobertura legal para estudos feitos por
nós”, disse Cabral.
No depoimento,
o ex-governador não mencionou a participação direta de membros da FGV no
esquema de propina. Mas disse que os membros da fundação sabiam que os estudos
milionários deveriam atender às decisões prévias do estado.
A FGV nega envolvimento
no esquema e afirma que é a maior interessada em “estancar denúncias injustas”.
Ao longo da gestão Cabral, a
entidade firmou 56 contratos com órgãos estaduais. Foram R$ 115 milhões
repassados à instituição, segundo o Portal da Transparência fluminense.
A fala do ex-governador
corrobora indícios coletados em investigações já em curso no Ministério Público
do Rio. Uma delas trata dos estudos da FGV sobre o traçado na linha 4 do metrô.
A obra iniciada em 2010
usou como base um contrato de 1998 que previa a extensão do metrô até a Barra
da Tijuca, passando por Botafogo e Jardim Botânico, ao custo de
cerca de R$ 2,6 bilhões, em valores atuais. O projeto foi alterado para que
essas duas estações no caminho fossem construídas em Ipanema e
Leblon, com valor total de R$ 10,4 bilhões.
O contrato com a FGV foi
assinado sem licitação por R$ 19,6 milhões. O objetivo era apontar razões
técnicas para executar a obra. Contudo ele foi firmado em julho, cinco
meses depois do aditivo ao contrato de obra do metrô já ter sido efetivado.
Para a Promotoria, os
estudos da fundação foram marcados por “fundamentação técnica rasa”. Análise do
Grupo de Apoio Técnico Especializado da Promotoria também apontou ausência de
estudos técnicos de engenharia considerados essenciais. Destacou ainda o fato
de um levantamento sobre tema complexo conter apenas 17 páginas, como o
apresentado pela FGV.
“A própria cronologia
das avenças demonstra a completa inutilidade do primeiro produto contratado
pelo estado sem licitação e mediante valores milionários em benefício da FGV”,
diz o Ministério Público.
A obra da linha 4 do
metrô, compromisso para a realização da Olimpíada de 2016,
já gerou oito ações cíveis por improbidade administrativa contra políticos,
empresários e técnicos das pastas envolvidas. Segundo a Promotoria, ela gerou
um prejuízo de R$ 3,2 bilhões aos cofres estaduais.
A FGV está sob foco
desde agosto, quando a Polícia Federal deflagrou a Operação Gigante, desdobramento da Lava Jato.
Nela, o Ministério Público Federal investiga o pagamento de propina pelo empresário Edson Menezes a
Cabral.
O valor, segundo as
investigações, era uma contrapartida pela subcontratação do banco Prosper,
do qual era presidente, em contrato da FGV para preparação do edital de leilão
das ações do antigo Berj (Banco do Estado do Rio de Janeiro) e da folha de
pagamento dos servidores estaduais.
A suspeita é que a
fundação tenha sido usada como fachada para o repasse de recursos para o
Prosper, tendo se apropriado de parte dos recursos indevidamente. O Ministério
Público, contudo, não apura apenas a relação da instituição com o poder
público. A Promotoria de fundações também investiga o mau uso de verbas da
FGV.
O procedimento corre em
sigilo com o apoio do Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à
Corrupção). A Folha apurou que o procedimento apura
a obtenção de lucro indevido por meio de subcontratações possivelmente
fraudulentas --por ser uma fundação, ela não pode gerar lucro.
'ESTANCAR DENÚNCIAS INJUSTAS’
A FGV afirmou em nota
que “não é aceitável que um depoimento possa servir de base para se
desconstruir uma história que se confunde com a própria evolução do Brasil”.
“A FGV, espontaneamente,
logo após tal depoimento, se colocou à disposição do Ministério Público para
todo e qualquer esclarecimento, o que, aliás, jamais se furtou a fazer em
relação a qualquer procedimento”, diz a nota.
A fundação afirma ainda
que os contratos com órgãos estaduais na gestão Cabral representaram
apenas 4,9% de todos os projetos desenvolvidos pela entidade no período.
Em relação ao contrato
sobre a linha 4 do metrô, a instituição diz que “jamais foi contratada ou
realizou qualquer serviço que teria acarretado alteração de itinerário ou de
traslado do metrô”.
“A fundação foi
contratada para realizar estudos técnico-econômicos sobre a viabilidade
econômica da ligação da linha 4 com a linha 1, itinerário que já havia sido
anteriormente definido pelos órgãos e setores competentes do Estado. A FGV
atuou, inclusive, juntamente com a inglesa Halcrow, mundialmente respeitada em sinalização,
eletrificação, operação metroviária e material rodante”, diz a nota.
“Jamais a instituição
participou de qualquer negociação envolvendo concessionárias, construtoras,
contratos ou medições de obras e serviços, desconhecendo, por completo, as atividades
neste campo”, afirmou a entidade.
Sobre a estruturação do
leilão do Berj, a FGV afirma que quem pagou pelos serviços não foi o estado,
mas o Bradesco, vencedor do certame.
“Foram cinco anos de
trabalho que, após três tentativas, redundou em um dos mais bem sucedidos
leilões do país, disputado pelas quatro maiores instituições financeiras do
País (Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander), que acarretou uma
arrecadação de R$ 1 bilhão para os cofres do estado, um ágio de quase 100%
sobre o valor estimado”, diz a nota.
A FGV também negou que
o banco Prosper tenha
executado o principal serviço contratado. Segundo a fundação, ele ficou
responsável pela organização do leilão junto à CVM (Comissão de Valores
Imobiliários).
A fundação declarou que
é a “maior interessada em estancar as denúncias que, injustamente, tentam
manchar a imagem e macular a história da instituição brasileira mais
reconhecida mundialmente nos segmentos de educação e pesquisa”.
Menezes já negou, em
oportunidades anteriores, ter pago propina a Cabral.