Parabéns ao Desembargador André Gustavo
Corrêa De Andrade, diretor da EMERJ
Parabenizo o
Diretor da EMERJ, Desembargador André Gustavo Corrêa De Andrade,
pela homenagem ao Desembargador Nagib
Slaib Filho e entronização do seu retrato na Galeria de Conferencistas Eméritos
da escola, nesta data.
Fui aluno do
Nagib nos anos 80 do século passado. No final daquela década, recém formado, vi
nascer a EMERJ com o Desembargador Cláudio Vianna de Lima, sem lugar para
funcionamento.
Em 1993
ingressei na magistratura e o desembargador Cláudio Vianna chamou-me para a
Escola. As conferências eram, sobretudo, nas salas das sessões do Tribunal de
Alçada Cível. Às vezes, em razão de sessões extraordinárias, as salas tinham
que ser desocupadas. Os encontros, as reuniões, debates e orientações de
monografias não eram remunerados. Tudo se resumia a convivência de magistrados
que tinham em comum o gosto pelo saber.
Nagib preparava
umas apostilas, cujos capítulos – distribuídos aos estagiários - eram os temas
de debates em cada encontro. Estas apostilas, se reunidas, seriam um curso
completo de Direito. Bastaria reuni-las e lhes colocar uma capa dura para se
transformarem em tratado.
Naquele momento
de nascedouro da EMERJ, que inspirou outras escolas de magistrados pelo país,
ao lado do desembargador Cláudio Vianna, estava o Nagib, ainda que após as conferências
(o desembargador Claudio Vianna dizia que não eram aulas) tivesse que rumar
para Santa Cruz, Campo Grande ou algum lugar depois do fim do mundo onde era
titular.
O desembargador
Cláudio Vianna primava pela autonomia da Escola e, já aposentado, entrou numa
treta com um desembargador poderoso do Órgão Especial que queria interferir em
seu funcionamento. Para publicizar a pendenga o desembargador Cláudio Vianna
publicou um artigo no Jornal do Commércio
intitulado “Ingerências indevidas na
Escola da Magistratura”. O diretor Cláudio Vianna perdeu – juridicamente -
aquela batalha. Uma resolução do Órgão Especial deliberou que a Escola era
integrante do Tribunal de Justiça e subordinada aos seus órgãos diretivos. Mas,
moralmente ele foi o vencedor e todos o parabenizaram. A resolução serviu para
documentar o confronto entre o saber e o poder. O caminho para a autonomia da
Escola foi, assim, pavimentado.
Foi sob a
administração do Desembargador Cláudio Vianna que o 4º andar da lâmina I foi
construído e instalado o elevador de acesso à Rua Erasmo Braga. Nagib era juiz
auxiliar da Administração do Tribunal e Conferencista da Escola e participou do
processo.
Em todos os
momentos da Escola o juiz Nagib estava presente, que além de íntegro, técnico e
competente, sempre foi também trabalhador. Não só no exercício da jurisdição,
mas em atividades auxiliares ao funcionamento do Poder Judiciário. Foi quem introduziu
no Tribunal os computadores de mesa com um esplêndido processador de 6 MHz, HD de 10 MB e disquetes de 5¼” de 1.2 MB de
memória, substitutivos das máquinas de escrever manuais. Ah! O editor de texto era o adorável
‘Carta-Certa” que não formatava enquanto se escrevia e as impressoras eram matriciais
gigantes mais barulhentas que um carro velho sem cano de escapamento. Era o
melhor que havia. Uma revolução!
Naquele período, um desembargador, destes que ainda
andam por aí ‘ensinando’ competentes e concursados, mas vitaliciandos, a serem
juízes, chegou esbaforido ao antigo bar dos magistrados do 1º andar, o velho ‘Boca
Maldita’, após reunião noturna semanal da AMAERJ. Reclamava que o Nagib com sua
mania de computador havia instalado um aparelho em seu gabinete que estava
prestes a explodir, pois estava expelindo umas bolas de fogo e que seu assessor
tinha ido embora. Eu era o juiz mais novo e, naquele ambiente hierarquizado,
solicitaram-me fosse socorrer o desembargador desesperado. Inexistia brigada de
incêndio e DGSEI. Ao chegar ao gabinete do desembargador vi que se tratava de
um descanso de tela, instalado pelo assessor, com imagens de fogos de artifício.
Salvei os documentos abertos, desliguei o computador e tentei tranquilizar o
desembargador. Mas, ele me olhava com desconfiança e dizia estar temeroso de que
durante a madrugada aquela “máquina infernal do Nagib” ainda pudesse explodir.
Depois a Escola ganhou outros rumos. Numa fase quase
foi chamada de “biombo das corporações” (instituições financeiras, operadoras
de planos de saúde, empresas de telecomunicações, empresas de transporte...)
que – por meio dela - convidavam magistrados e seus familiares para “congressos”
em fins de semana em resorts, a fim
de lhes contar suas agruras financeiras e dificuldades operacionais elisivas de
responsabilidade civil. Noutra fase quase foi confundida com uma empresa
privada prestadora de serviços educacionais, tamanha a simbiose.
A Escola tinha ficado rica e tudo passou a custar
dinheiro e render dinheiro. Por ter participado de uma reunião por volta de
2009 ou 2010, durante o expediente forense, recebi um depósito bancário.
Restitui o valor por meio de um cheque nominativo e cruzado, informando - por
ofício - ao então Diretor da Escola que a reunião fora em horário de expediente
forense e que já estava sendo remunerado. Ele mandou descontar o cheque, mas
nunca mais me cumprimentou. Foi a primeira e única vez em minha vida que vi
alguém ficar ofendido por repetição voluntária de indébito.
O desembargador Cláudio Vianna pensava a EMERJ como “A
casa cultural do juiz”. Mas, depois de sua época, o tamanho das turmas, o
formato das aulas, o valor da mensalidade e outras ‘idiossincrasias clânicas’ quase
a transformaram num cursinho preparatório para concurso. Para forçar a presença
dos juízes foi instituída a obrigatoriedade de frequência em cursos (alguns
sofríveis) como requisito de inscrição
para concorrência a remoção ou promoção por merecimento, apesar da Constituição
dispor ser a frequência e aproveitamento nos cursos critério de aferição de mérito.
O Nagib sempre afirmou a importância dos cursos na
EMERJ. Mas, não concordava em impô-los como requisito para inscrição para
remoção ou promoção por merecimento, em contrariedade à Constituição.
No Órgão Especial, o Nagib foi o único desembargador a
votar em quem não tinha impedimento e se caracterizava por produtividade e
presteza no exercício da jurisdição, ainda que não frequentasse os cursos da
EMERJ.
No Conselho da Magistratura – quando o compôs - somente
o Desembargador Rogério de Oliveira Souza tinha igual entendimento.
Recentemente, em razão de recurso ancorado em tese de voto vencido, no Conselho
da Magistratura, do Desembargador Paulo de Tarso, o Órgão Especial, por
unanimidade, declarou inconstitucional a exigência de curso como requisito para inscrição em promoção ou
remoção por merecimento, restabelecendo o primado da Constituição sobre resolução
do próprio tribunal.
Quando forem estabelecidos critérios objetivos para
promoção ou remoção por merecimento, certamente a frequência e aproveitamento
dos cursos da EMERJ serão considerados como critério objetivo de aferição do
mérito. Assim, o filhotismo e o compadrio das oligarquias institucionais,
capazes de formar ‘listas prévias’ com anos de antecedência, darão lugar a
critério justo de aferição de efetivo merecimento.
Do quarto andar da lâmina I, a EMERJ foi para a Cidade
do Samba, mas – desfilando - voltou para o complexo atual, ocupando o antigo
prédio da Procuradoria Geral do Estado. Embora contrariado com a localização, Nagib
não se recusou a ir para o Porto Maravilha. Foi, voltou e nela permaneceu por
28 anos.
A EMERJ cresceu muito em seus mais de 30 anos de
existência e também já experimentou as agruras de quem vive no mundo, inclusive
o cerceamento à liberdade de expressão, o mandonismo da ignorância, a tosca
exclusão ideológica e o nepotismo. Mas, resiste!
Num período de
reinado do mandonismo e de condutas violadoras dos princípios que devem nortear
a administração pública, eu lembrei ao Nagib que deveríamos recitar aos
truculentos o discurso, proferido em 12 de outubro de 1936, por Miguel de
Unamuno, reitor da Universidade Salamanca, ante o ataque dos ‘Camisas Azuis’ da
Falange apoiadora do general José Millán-Astray: “Vencereis porque tendes sobrada força
bruta. Mas não convencereis porque para convencer há que persuadir. E para
persuadir lhes falta algo que não tendes: razão e direito”.
A galeria dos conferencistas também cresceu e ganhou
novas imagens. Nela há de tudo. Magistrados brilhantes, professores que honram
o magistério e o mundo jurídico, mas também de quem cuja atividade preponderante
é a que nos Estados Unidos foi regulamentada pelo Federal Regulation of Lobbying Act editado em 1946 e reformado
pelo Lobbying Disclosure Act
em 1995. Estes precisam de fotos em galerias, nomes em placas, diplomas
honoríficos e medalhas, demonstrativos de prestígio.
Mas, na EMERJ e em sua galeria de fotos também há
Nagibs, assim como ao tempo da Inquisição havia Galileus. O Desembargador Nagib Slaib Filho é uma
das bases sobre os quais se assenta a Escola da Magistratura do Estado do Rio
de Janeiro/RJ. Sua carreira foi orientada pela competência, independência e
apurado senso de justiça, requisitos indispensáveis a todo magistrado, sem os
quais as sociedades afundam na vileza e iniquidade.
A magistratura precisa honrar os magistrados para ser
honrada pela sociedade. Nagib é a melhor representação do que é ser um juiz; é
um ícone. A homenagem possibilitada pelo Desembargador André Gustavo Corrêa de
Andrade ao Nagib é uma demonstração do
retorno à EMERJ dos valores caros a toda a magistratura e que faltaram por
curto, mas triste, período.
Parabéns à EMERJ pela entronização do retrato do Professor e Desembargador Nagib Slaib Filho
em sua Galeria de Conferencistas Eméritos.
O retrato do Nagib, juntamente aos de outros Conferencistas
do mesmo quilate ético e intelectual, honrará a galeria.
Rio de Janeiro, 09 de outubro de 2020.