A morte de
Wellington da Silva Braga, o “Ecko”, no curso desta semana, possibilitou forte
discussão no seio da sociedade sobre as circunstâncias daquele episódio. Já rendido, ferido pelo primeiro
tiro na altura do coração e levado para a van da Polícia Civil, foi
alvejado pela segunda vez, também na altura no coração. Tanto o Capitão Adriano da Nóbrega quanto seu
amigo “Ecko” foram mortos após cerco pela polícia do Rio. Não faltou gente,
maledicente, levianamente dizendo que foi queima de arquivo, antes mesmo de
qualquer apuração.
A
democracia contemporânea não mais se exerce, exclusivamente, por meio de
representantes eleitos, mas também diretamente. Uma expressão da democracia
republicana é o controle dos atos do poder político e, assim como as
instituições burocráticas, a opinião pública é parte do sistema de controle.
Mesmo com poucas informações todos formulamos opiniões sobre ocorrências
diversas, inclusive as que nos chegam pelas redes sociais. Juízo é pensamento amadurecido;
opinião é ideia irrefletida
O furor nas redes sociais aumentou
quando um senador fluminense parabenizou os policiais pela ocorrência. Trata-se
do mesmo senador que lamentou a morte do, igualmente qualificado como
miliciano, Capitão Adriano da Nóbrega, acusado de chefiar o “Escritório do
crime” e promover execuções mediante pagamento, ou seja, um ‘matador de
aluguel’. O depoimento do ex-governador Wilson Witzel, na ‘CPI do Genocídio’,
contribuiu para alimentar as especulações. Todos sabemos que o delegado que
iniciou a apuração da execução de Marielle foi premiado com um curso na Europa,
em razão do que deixou as apurações, e outro delegado foi encarregado da
presidência do inquérito. Mas, isto não prova qualquer anomalia institucional.
Os inquéritos não contêm os fatos.
Estes são eventos concretos no mundo natural que se esvaem com suas
ocorrências. O que é possível são as reconstituições históricas. Um inquérito
se constitui de meros relatos. Fui estagiário dois anos e advogado por seis.
Estou no 28º ano na magistratura fluminense. Um inquérito “bem relatado” é o
primeiro passo para o resultado que se deseja ao final. Portanto, o trabalho de
quem tem interesse na acusação ou na defesa começa na delegacia. Se possível,
antes, com o guarda da esquina.
Na noite de 14
de março de 2018 o Rio de Janeiro vivia sob intervenção federal na segurança
pública, decretada em 16 de fevereiro. Na tarde do mesmo dia o partido de
Marielle ingressara com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a
anulação do decreto de intervenção assinado pelo presidente Michel Temer e que
nomeara o General Walter Souza Braga Netto, do Comando Militar do Leste, como
interventor. A intervenção militar não admoestou os executores de Marielle e a
quem serviram é o que deve, também, ser apurado.
Um outro inquérito no qual se
apurava crime praticado para criar embaraço para a democracia foi relembrado
nas redes sociais. Em 30 de abril de 1981 uma bomba explodiu no colo de um
sargento do Exército e o matou, ferindo gravemente um capitão da mesma força.
Os terroristas oficiais iriam colocar bombas durante um show de MPB no
Riocentro e matariam centenas ou milhares de jovens. Era o mote para dizer que
a redemocratização não era possível naquele momento. As Forças Armadas, por
meio de atos terroristas, tentaram impedir a redemocratização para se
perpetuarem no poder.
O inquérito para apurar o Atentado
do Riocentro foi inicialmente presidido pelo coronel Luiz Antônio do Prado
Ribeiro e apontava que os dois militares eram os autores do atentado que os
vitimara. Mas, o Coronel Ribeiro, por temor de ser vítima de “queima de
arquivo”, renunciou à presidência do inquérito e passou para a reserva. O
Exército designou o Coronel Job Lorena de Sant’Anna que concluiu o inquérito
dizendo que o sargento e o capitão foram vítimas de um ato terrorista e não os
autores. Como prêmio pela empulhação o Exército promoveu o coronel Lorena ao generalato.
Ludibriar, tapear, iludir,
construir cortinas de fumaça e dissimular são táticas militares que, às vezes,
enganam os inimigos numa batalha. Desde que se construiu o conceito de ‘inimigo
interno’ tais táticas são utilizadas contra o próprio povo a quem deveriam
proteger. Em 1981 o Exército colocou os seus próprios quadros para a execução do
‘serviço sujo’ e protegeu o sobrevivente até sua promoção a coronel e passagem
para a reserva.
Publicado originariamente no jornal
O DIA, em 19/06/2021. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2021/06/6170643-joao-batista-damasceno-poder-milicia-capitao-adriano-e-ecko.html
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