sábado, 18 de dezembro de 2021

Um novo ministro do STF

A aprovação, pelo Senado Federal, do ministro André Mendonça para o STF levou setores da comunidade jurídica a editar notas contrárias àquele ato de vontade soberana da Casa Legislativa. A razão se funda no fato de que o presidente da República o escolheu sob o fundamento de ser "terrivelmente evangélico". Esta qualidade não está elencada na Constituição como requisito para a nomeação. Diz a Constituição que o presidente nomeará para o STF cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

A preocupação dos setores contrários à nomeação do ministro decorre de sua concepção conservadora, própria dos protestantes presbiterianos, igreja da qual o ministro é pastor. A Igreja Presbiteriana tem orientação calvinista e foi fundada por um missionário estadunidense que chegou ao Rio de Janeiro em meados do século XIX. Os que se preocupam com a orientação religiosa do ministro expressam temor de que possa confundir, quando dos julgamentos, a Bíblia com a Constituição. Tal temor decorre da ignorância quanto ao processo de tomada de decisão nos tribunais brasileiros, nem sempre orientado pela ordem jurídica. Não é a religião do ministro o que pode atrapalhar, como de outros não atrapalhou.

A indicação, sabatina aprovação, nomeação e posse do saudoso ministro Carlos Alberto Menezes Direito, com apoio da ala mais conservadora da Igreja Católica, em 2007, ocorreu no curso do mesmo mês, antes que completasse 65 anos. Para abertura da vaga a tempo da posse, o ministro Sepúlveda Pertence antecipou sua aposentadoria. Quando do julgamento da Ação de Inconstitucionalidade do uso de células tronco para pesquisa o ministro Direito, depois de vista, votou pela pesquisa. Embora concebesse a indissolubilidade do casamento religioso, para ele um sacramento, a base dos direitos dos conviventes, sem casamento civil, é de sua autoria. O conservadorismo do ministro Direito não o fez menor diante de questões relevantes para a sociedade.

Critérios outros que não o notável saber jurídico e reputação ilibada, que expressam conceitos indeterminados, sempre orientaram as indicações para o STF. A pretexto de que o STF deveria ter uma mulher, depois de campanha de setores identitários, foi nomeada para o STF, a gaúcha Ellen Gracie. Joaquim Benedito Barbosa foi indicado porque se pretendia um negro no STF. O presidente Lula não o conhecia, mas Frei Beto viajara com ele numa ponte aérea e trocaram cartão. Pronto! Virou ministro, transformou o julgamento do mensalão em espetáculo e não comparecia para dar aula na universidade pública onde ocupava um cargo de professor, apesar de receber o salário.

O poeta Ayres de Britto, com sua fala mansa e jeito de queridinho, que ciceroneou, em tempos pretéritos, o indicador em caravana pelo Nordeste, inventou a estória do "marco temporal para demarcação das terras indígenas" que hoje assombra os povos originários e faz a alegria do latifúndio. Portanto, há precedentes de adoção de critérios outros que não apenas os determinados pela Constituição.

A má vontade com o novo ministro é bom momento para que a sociedade discuta a forma de ingresso na mais alta Corte de Justiça do país e que enfeixa em suas mãos um dos poderes do Estado. Desde o ingresso até o critério de permanência tudo pode ser deliberado pelo povo, de onde emana todo o poder. O processo de indicação pode ser ampliado, assim como se pode limitar o tempo de permanência nos tribunais, inclusive nos Tribunais Regionais e Estaduais como o que componho. A limitação temporal de permanência nos tribunais pode trazer novo modo de funcionamento à magistratura de primeira instância e acabar com a "corrida ao ouro" traduzida no modo em que se realizam as promoções por merecimento, onde tudo é válido.
O processo de politização da Justiça, que atrapalha seu regular funcionamento, pode ser encontrado em toda a história do Poder Judiciário no Brasil. Julgando o mandado de segurança 1.114, em 1949, o STF proibiu as manifestações públicas da Igreja Católica Brasileira, garantindo a exclusividade à Igreja Católica Romana. No mesmo período, cultos públicos de confissões evangélicas, protestantes e pentecostais foram proibidos a pretexto de que tendo as cidades crescido em terras da Igreja Católica apenas esta poderia realizar cultos em “seus domínios”.

Se a referência calvinista da igreja da qual o novo ministro é pastor servir para a coerência em seus julgamentos e redução das incertezas decorrentes da "loteria judiciária",  a sociedade estará bem servida, ainda que não lhe agrade um ou outro posicionamento.

 


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 04/12/2021, pag. 14. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2021/12/6289552-joao-batista-damasceno-um-novo-ministro-do-stf.html 

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