O curto período para as campanhas
eleitorais, e o modo como são feitas, retira do campo das decisões o que
realmente interessa aos interesses sociais. Já se disse e se escreveu que voto
é marketing e que o resto é política. O eleitoralismo é marketing. Institutos
de pesquisa são contratados para analisar o pensamento médio do eleitorado e o
que os candidatos devem dizer, mesmo que não corresponda às suas convicções.
Nas eleições deste ano determinados candidatos utilizaram os resultados de
pesquisas e a inteligência artificial para formular seus programas de governo.
Nem mesmo seus programas foram por eles elaborados. Elegemos representantes que
não estão obrigados a cumprir quaisquer das suas propostas de campanha, ainda
que registradas ou sejam parte do programa dos respectivos partidos. Um dos
pensadores que mais impactaram o pensamento mundial disse no século XIX que o
Estado era o gerente dos interesses do capital. Mas hoje o capital já não
demanda o gerenciamento pelo Estado. O neoliberalismo dispensa o gerenciamento
dos seus interesses pelo Estado, salvo o seu aparato repressivo para conter as
condutas dos que são privados dos bens indispensáveis à vida com dignidade.
As nulidades que se apresentam
como candidatos, em muitos casos, decorrem do desprezo a que a classe dominante
destina aos agentes públicos. Somente o aparato repressivo ainda tem algum
valor. Mesmo assim é preciso relembrar que o contingente de agentes privados de
segurança no Brasil supera em muito as forças públicas. E mesmo estas, em
alguns casos, estão subordinadas a interesses privados, como é o caso do
Projeto Segurança Presente no Rio de Janeiro, custeado e controlado pela
iniciativa privada. Não analisaremos aqui o papel das forças paramilitares que
foram denominadas de “milícias” por uma notável jornalista do Rio de Janeiro. A
palavra que antes tinha outro significado hoje designa um tipo de atuação cujo
paralelo somente se encontra, no Brasil, nas hordas de cangaceiros que atuavam
no Nordeste brasileiro até o advento da Revolução de 30. Milícia é, hoje, uma
modalidade de cangaço urbano, com as adaptações aos novos meios de chantagem e
extorsão. As milícias e ordenanças do tempo do Brasil Colonial, eram
subordinadas aos interesses dominantes. Em si, não eram poder como o são hoje.
As milícias, hoje, atuam a partir de dentro do Estado. Não estão à margem dele;
em relação a ele não são marginais; são paraestatais.
Mas nem tudo está perdido. A
sociedade respira e culturalmente resiste a tempos difíceis. O documentário de
Sílvio Tendler, “Brizola, Anotações Para Uma História” estreado na semana
passada, levou os expectadores à emoção e à esperança, porque os problemas
brasileiros têm solução. Igualmente o monólogo de Othon Bastos “Não Me Entrego,
Não!” e o de Pedro Cardoso, “O Recém-nascido”, ambos em teatros no Shopping da
Gávea, nos dão a dimensão de que a cultura pode ser uma fonte inspiradora para
que busquemos retomar o destino do Brasil em nossas mãos.
Othon Bastos, com 91 anos, faz um
monólogo de uma hora e meia, onde narra sua vida de artista, suas grandezas e
suas derrotas. Ao final, para delírio da plateia, conclui em tom vibrante: “Eu
não desisto, não!”. Pedro Cardoso, um artista que é a antítese do personagem
Agostinho, taxista na série A Grande Família, com rara inteligência e
compreensão de seu lugar de classe, encanta, faz rir e chorar. Em seu monólogo,
expõe também nossa pluralidade e a contradição do reducionismo identitarista. O
identitarismo foi importado dos EUA sob patrocínio da Ford Foundation, da Open
Society Foundation, criada por George Soros, e de outras entidades interessadas
na difusão do ‘pensamento entreguista’, subordinando os interesses do povo
brasileiro ao capital financeiro internacional.
O eleitoralismo, a que sucumbiu a
maioria das organizações que se destinam a organizar os seguimentos da opinião
pública em plataformas políticas e disputar votos visando a exercer ou influir
nas decisões governamentais, reduziu tais entidades ao processo eleitoral, sem
a busca da formação de quadros ou formação de bloco de opinião visando à defesa
dos interesses dos segmentos sociais a serem representados.
A universalização do voto foi uma
bandeira desfraldada pelos trabalhadores no meado do Século XIX, pois sabiam
que sem o direito ao voto estavam impedidos de participar ou influenciar na
produção das leis que regulamentavam seus interesses. Conquistado o voto para
os homens alfabetizados, a luta dos trabalhadores continuou no sentido de
diminuir a idade para o alistamento e estendê-lo às mulheres e aos analfabetos.
No Brasil o voto universal somente veio com a República, mas para os homens
alfabetizados maiores de 21 anos. As mulheres somente adquiriram o direito de
voto em 1932 e os analfabetos com a Constituição de 1988. Mas nada disto
adianta se os partidos que dizem representar o mundo do trabalho não se
dispuserem a – efetivamente – defenderem os interesses do mundo do trabalho.
Tal falta de definição clara leva o eleitorado a não distinguir quem defende os
interesses do capital, quem efetivamente defende os interesses do mundo do
trabalho e quem apenas deseja a oportunidade de enriquecimento fácil. Daí a
porta fica aberta para oportunistas e fazedores de palhaçadas. Tal como Othon
Bastos, não podemos desistir, não!
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 19/12/2024, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2024/10/6937369-joao-batista-damasceno-palhacada-eleitoral-nao-e-cultura.html
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