A professora Sueli Santana, de
Camaçari, estado da Bahia, foi apedrejada por alunos após aulas sobre cultura
afro-brasileira. Uma das pedras lançadas pelos alunos atingiu o pescoço da
professora, afastando-a de suas atividades docentes por três dias. A professora
relata que o caso ocorreu no dia 29 de outubro deste ano na Escola Municipal
Rural Boa União. Ela estava, dentro da sala de aulas, corrigindo tarefas do
primeiro horário de aula, quando recebeu pedradas vindas do lado de fora, pela
janela da sala.
A agressão sucede a outras
ocorrências desrespeitosas e lesivas à professora. Ela vinha tentando dar
eficácia ao dispositivo da lei de diretrizes e bases da educação nacional, Lei
Darcy Ribeiro, alterada em 2003 para incluir no currículo escolar a obrigatoriedade
da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". Mas foi impedida ao
longo do ano pela direção da escola de utilizar o livro ABC dos Povos
Afro-brasileiros após reclamações de pais.
A lei dispõe que nos
estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, é
obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira e que o conteúdo
programático incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos
negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertinentes à História do Brasil.
Os conteúdos referentes à
História e Cultura Afro-Brasileira devem ser ministrados no âmbito de todo o
currículo escolar, mas especialmente nas áreas de Educação Artística,
Literatura e História Brasileiras, além de incluir no calendário escolar o dia
20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’.
A educadora agredida é praticante
de religião de matriz africana e em outras ocasiões já foi ofendida
verbalmente. "Sempre fui chamada de bruxa, macumbeira, feiticeira e
diabólica, quando chegava à escola", disse. O fato não é “coisa de criança”,
uma vez que decorreu da conduta da direção da escola e do comportamento dos
pais. Por ter ganhado repercussão, e somente após isto, a Secretaria de
Educação recebeu a professora no gabinete da secretária. O local para a oitiva
da professora foi inadequado. A secretária tinha o dever de ir à escola, reunir
os pais, os alunos e a diretora e exigido asseguramento à liberdade de cátedra
e respeito à mais nobre das profissões: Professor!
Discursos oficiais se limitam a
dizer sobre o compromisso com a valorização da diversidade e do respeito às
diferenças, com ações pedagógicas pautadas na Educação Antirracista visando a
combater a discriminação relacionada a crenças, gênero ou cor. Da mesma forma,
oficialmente, não faltam notas dizendo da gravidade da conduta, propondo adoção
de literaturas específicas, formação continuada dos professores e inclusão de
orientações relacionadas à valorização da cultura africana. Trata-se de meros
documentos expedidos por burocratas da educação, sem efetiva atuação diante de
casos concretos.
Embora os autores das agressões e
injúrias à professora sejam crianças e adolescentes, há de se investigar o
comportamento dos pais, que se insurgiram contra o conteúdo educacional, e da
direção da escola que, ao invés de apoiar a professora, a proibiu de exercer o
seu dever funcional. Quem de qualquer modo concorre para um crime incide nas
penas a ele cominadas. Crianças, ou seja, pessoas de até doze anos, não cometem
crimes ou atos infracionais, mas os adolescentes, com idade de doze a dezoito
anos, podem receber medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e
do Adolescente. Os pais e a direção da escola podem ser responsabilizados civil
e penalmente.
Mais que a apuração sobre a lesão
corporal e as injúrias praticadas contra a professora a conduta dos que
contribuíram para os fatos deve ser apurada. O Sindicato dos Professores e
Professoras de Camaçari (Sispec) já editou nota, endereçada também aos pais dos
pequenos moleques, dizendo que todos os registros necessários para que a
professora tenha direito à sua integridade física e intelectual, bem como ao
exercício do magistério com liberdade de cátedra, foram feitos. Mais que
solidariedade contra o racismo religioso e a intolerância com a professora
durante esse ano letivo por usar recursos pedagógicos, há que se apurar a
responsabilidade de quem pode ter contribuído para tamanha incivilidade.
Não me causa estranheza tal
ocorrência no estado da Bahia, onde fui apresentado a uma “praia de brancos”,
qual seja, a Praia de Stella Maris e mesmo o livro do antropólogo senegalês
Tidiane N’Diaye, publicado no Brasil pela Universidade Federal da Bahia com o
título “O Genocídio Velado”, que narra o início da escravização e
comercialização de negros de Darfur pelos sudaneses, no ano 652 de nossa Era,
teve apenas uma edição, está esgotado e não há previsão de reedição. Assim como
o povo de Darfur resiste à truculência dos sudaneses há quatorze séculos,
precisamos ser intransigentes com tudo o que degrada a dignidade humana, a
começar pelos discursos de ódio, difundidos pela “rataria” . Voltarei ao tema
da docência em artigo futuro, narrando a importância da educação e do professor
na Alemanha, na Coreia do Sul e no Japão.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 30/11/2024, pag. 12. Disponível no link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2024/11/6961390-joao-batista-damasceno-professora-apedrejada.html
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