O golpe militar proclamador da República propiciou que a
classe fardada passasse a se arvorar tutora das instituições republicanas e
nelas interviessem quando julgasse conveniente. Em todas as intervenções,
tentadas ou consumadas, os militares atuaram no interesse das próprias
corporações, na defesa da classe dominante ou de interesses estrangeiros, ainda
que sob outras justificativas.
Pela Constituição de 1891 caberia ao STF dizer o direito com
independência, mesmo quando os conflitos envolvessem matéria política. Muitas
das vezes o STF abdicou do seu dever de dizer o direito sob o fundamento da
“objeção do caso político”. Ao judiciário cabe dizer o Direito com base no que
for alegado e provado, mesmo que envolva interesses políticos. João Mangabeira,
por ocasião da comemoração do centenário do nascimento de Rui Barbosa, disse
que o Supremo foi quem mais falhou na República, pois não exerceu os poderes
que lhe competiam, deixando o espaço ser ocupado por quem não deveria se
imiscuir na ordem interna.
Os militares se pretenderam eminências pardas na República e
já no seu nascedouro tentaram um golpe contra o terceiro presidente civil,
Rodrigues Alves, em 1904. Os golpistas valeram-se da insuflada Revolta da
Vacina. Todo golpe tem o anteparo de alguma inquietação popular provocada,
incentivada ou espontânea. Dezenas de mortos e centenas de feridos foi o
resultado da tentativa frustrada. A pretexto de pacificar a sociedade, os
golpistas foram anistiados.
Em 1922 jovens tenentes atentaram contra o Estado no governo
de Epitácio Pessoa. O evento dos 18 do Forte de Copacabana reuniu golpistas de
diversas matizes que permaneceram unidos por décadas até a consumação do golpe
de 1964. Arthur Bernardes, um presidente nacionalista, governou sob ameaça de
golpe e com estado de sítio de 1922 a 1926. O Clube Militar estava ativo na
atividade golpista, difundindo documentos falsos. O triunfo da Revolução de 30
implicou anistia a todos e promoção dos golpistas. Getúlio Vargas tomou posse
em 03 de novembro de 1930, mas a deposição do presidente Washington Luís fora
feita em 24 de outubro. O golpe de 1930 destituiu o presidente em exercício e
impediu a posse do presidente eleito.
Em 1937 mais uma falsidade documental contribuiu para o
golpe. O Capitão Olímpio Mourão Filho elaborou um documento falso e o levou ao
comando das Forças Armadas. Com base nele foi instituído o Estado Novo. Quem
apoiou o presidente Vargas no golpe de 1937 o destituiu em 1945. A partir de
então o Estado estava sequestrado pelas corporações fardadas.
Em fevereiro de 1954 foi lançado o Manifesto dos Coronéis
contra o aumento do salário-mínimo em 100%. Com isso derrubaram o Ministro do
Trabalho João Goulart. Não foram punidos. Em agosto de 1954, militares da
Aeronáutica a serviço da UDN e vinculados a interesses escusos, levaram o
presidente Vargas ao suicídio. Vargas morreu, mas deixou a carta-testamento
denunciando os interesses que o destituíram da presidência.
Em 1955, um coronel lotado na ESG discursou na presença do
Ministro do Exército, Marechal Lott, dizendo-se contrário à posse de Juscelino
Kubitscheck e do vice João Goulart. O presidente Café Filho se licenciou para
suposto tratamento de saúde e o presidente da Câmara assumiu, ratificando o
posicionamento do golpista coronel Mamede, demitindo o Marechal Lott do comando
do Exército. Lott deu um contragolpe preventivo, destituiu o presidente
interino, impediu o retorno de Café Filho, e deu posse a JK em 31 de janeiro de
1956. O golpe preventivo foi submetido ao STF e o ministro Nelson Hungria disse
que não deferiria habeas corpus contra o Exército porque as espadas dos
militares eram verdadeiras e a dele mero adereço de gesso no teto ou pinturas
nas paredes. O voto do ministro está acessível no site do STF.
Durante seu mandato JK sofreu duas tentativas de golpe.
Aragarças e Jacareacanga, além de ato de indisciplina de oficiais da
Aeronáutica. A pretexto da pacificação todos foram anistiados. Manifesto chegou
a ser divulgado pelos golpistas no sentido de que as feridas deveriam ser
cicatrizadas e não mantidas expostas. Em 1961, ante a renúncia do presidente
Jânio Quadros, a elite militar tentou impedir a posse do vice-presidente João
Goulart. A posse foi garantida pela Campanha da Legalidade liderada pelo governador
gaúcho Leonel Brizola.
Em 01 de abril de 1964 todos os que haviam sido anistiados estavam unidos no
golpe-empresarial militar que infelicitou o povo brasileiro por 21 anos. Agora
general, Olímpio Mourão Filho, golpista de 1937, foi quem partiu de Juiz de
Fora em 31 de março dando início ao golpe, inaugurando um período sombrio de
torturas, assassinatos, desaparecimentos, roubos, estupros e outras
perversidades, além de cercear um projeto de soberania nacional e vender o
futuro do país ao capital internacional.
Com a morte do general-presidente Costa e Silva, o vice Pedro
Aleixo foi impedido de assumir. Um golpe interno afastou o general Albuquerque
Lima da sucessão, levando o general Médici à presidência. Os gorilas da Linha
Dura reinaram, escancarando a ditadura. Em 1977 o general Sylvio Frota, que
tinha o então coronel Heleno, agora general condenado pelo STF, como ajudante
de ordens, tentou um golpe no general-presidente Geisel. No início dos anos 80
militares colocavam bombas pelo país a fim de causar clamor popular e darem um
golpe contra a redemocratização. Mas uma bomba explodiu no colo dos terroristas
fardados, durante um show para jovens no Riocentro. Todos os militares que
tentaram golpes e foram anistiados estiveram envolvidos em golpes, tentados ou
consumados, posteriores. Isto porque os criminosos soltos costumam voltar aos
locais dos seus crimes.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 20/09/2025,
pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/09/7132110-joao-batista-damasceno-filhotes-da-ditadura-o-fim-do-ciclo.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário