Ante o bombardeio de barcos venezuelanos pelos EUA, um
senador fluminense sugeriu ao governo Trump que igualmente bombardeasse a Baía
de Guanabara. O antipatriotismo bárbaro propõe que potência estrangeira ataque
a nossa soberania. Trump disse que para combater traficantes não é necessário
declarar guerra ao país onde estejam. O presidente Lula contra-argumentou
dizendo que os consumidores estadunidenses incentivam traficantes a lhes
remeter drogas e que o problema naquele território deve ser resolvido entre
eles: autoridades e consumidores estadunidenses.
Há um conluio contra a soberania do Brasil. A jornalista Malu
Gaspar disse que o governador do estado do Rio de Janeiro entregou relatório ao
embaixador dos EUA, prestando contas da chacina no Complexo da Penha, onde
cerca de 130 pessoas foram mortas. Em tempo de guerra híbrida tal conduta
implica colaboração com o inimigo. Nos EUA, similar comportamento implicaria
prisão perpétua ou pena de morte. Quando juiz de Órfãos e Sucessões remeti
ofício a diplomata estadunidense solicitando informações sobre eventuais
herdeiros da viúva do antropólogo Darcy Ribeiro. O Cônsul Brendan Mullarkey
remeteu-me a seguinte resposta:
“O Consulado Geral dos Estados Unidos cumprimenta V. Exma.
e vem pelo presente instrumento informar que sempre teve a honra de manter um
canal aberto de comunicação e cooperação junto às autoridades judiciais do
governo brasileiro. O Setor de Serviços a Cidadãos Americanos tentará procurar
pelos supostos sucessores da senhora Jenny Simoza ou Genny Gleizer, que teria
falecido em 1995 e irmã e única herdeira de Berta Gleizer Ribeiro. Todavia,
temos que seguir regras restritas estipuladas pelo governo dos Estados Unidos
com relação à liberação de informações sobre cidadãos norte-americanos, de
acordo com a Lei de Privacidade dos Estados Unidos (Privacy Act). Sentimos,
portanto, informar que, mesmo em se encontrando tais herdeiros, não poderíamos
fornecer os endereços dos mesmos.”
Nem para receber herança as autoridades estadunidenses podem
fornecer informação a autoridade estrangeira. Assim age um país soberano.
Vivemos momento de guerra híbrida, modalidade que combina
táticas militares tradicionais com táticas não convencionais para
desestabilizar países e governos, incluindo guerra de informação por meio da
disseminação de desinformação e uso de redes sociais, ciberataques, pressão
econômica e influência política visando à manipulação de processos eleitorais.
As guerras sofreram modificações estratégicas, fazendo surgir
vários tipos, que se classificam por seus métodos: como convencionais, não
convencionais, biológicas, químicas, nucleares, cibernéticas ou econômicas;
pelo número de participantes ou finalidade: como civil, internacional,
localizada ou total; bem como por suas características táticas: como guerrilha,
preventiva, por procuração ou híbrida.
A guerra convencional utiliza forças armadas regulares e pode
incluir táticas de guerrilha e conflitos assimétricos que fogem das regras
convencionais. A guerra biológica usa bactérias ou vírus para causar doenças e
mortes. Biológica e nuclear também são não convencionais. A guerra cibernética
ataca os sistemas de informação, as redes e as infraestruturas digitais. A
guerra econômica utiliza tarifas, bloqueios e o que mais possa enfraquecer o
agredido.
A guerra fria caracterizou-se por conflito ideológico e
geopolítico. Mesmo com a ausência de confronto militar direto, não foram poucas
as guerras por procuração. Os EUA jamais declararam guerra ao Vietnã, mas
forneciam, em seu proveito, meios humanos e materiais para o conflito.
A guerra híbrida conjuga uso de forças militares
tradicionais, uso de forças irregulares, ataques digitais, ataques econômicos,
ataque a sistemas de informação, disseminação de propaganda, fake News, apoio a
movimentos políticos oposicionistas, uso de sanções ou agressões econômicas e
lawfare caracterizado pela utilização estratégica do sistema judiciário para
atacar adversários políticos.
O principal objetivo da guerra híbrida é desestabilizar um
país ou derrubar um governo, sem a necessidade de um confronto militar direto.
Ela busca explorar as vulnerabilidades de um país em proveito do agressor,
combinando táticas militares, sociais e psicológicas.
A tentativa dos EUA de classificar como terrorismo a venda
ilegal de drogas é parte da guerra híbrida, visando a possibilitar atuação aos
que sejam considerados ameaçadores da sua segurança na região. Não há
narcoterrorismo no Brasil. Uma das características do terrorismo é sua
motivação ideológica. O comércio de drogas, seja no atacado pelos magnatas do
negócio ou no varejo das favelas e periferia, é uma atividade ilegal que
envolve violência, mas meramente comercial visando lucro. É crime, mas não é terrorismo.
Se o governador do estado do Rio de Janeiro entregou
relatório ao governo dos EUA, estaremos, ao menos em tese, diante do crime
tipificado no Código Penal como atentado à soberania, definido por ato de
“negociar com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, com o fim de
provocar atos típicos de guerra contra o País”.
Ao invés de tipificar o comércio de drogas ilegal como
terrorismo o Congresso Nacional tem a incumbência de tipificar como crime
contra a soberania nacional o ajuste de autoridades brasileiras com autoridades
estrangeiras. É hora de limitar as colaborações e relações institucionais
internacionais ao corpo diplomático da nação, sem prejuízo de interlocuções
culturais, acadêmicas ou científicas. Para as relações institucionais temos os
qualificados quadros funcionais do Itamaraty e o Ministério das Relações Exteriores.
Publicado originariamente no
jornal O DIA, em 15/11/2025, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/11/7163526-joao-batista-damasceno-marginalidade-oficial-trafico-de-drogas-e-terrorismo.html

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