O grito dos alunos da
Universidade Iguaçu (Unig) nos Jogos Universitários de Medicina, em Vassouras,
ecoou por todo o país e causou asco em quem tem decência e humanidade.
Provocando a torcida adversária cantavam: “Sou playboy, não tenho culpa se seu
pai é motoboy”.
Expressaram os conflitos de
classe que se aguçam no presente momento e, sem pudor, exercitaram a aporofobia
comum na classe média que sobrevive com subvenções estatais, soldos e pensões,
notadamente as devidas a filhas solteiras de militares. Aporofobia é termo que
designa aversão, medo e desprezo pelos pobres, contra o que luta o padre Júlio
Lancellotti.
A Unig é a instituição
decorrente da transformação da Sociedade de Ensino Superior de Nova Iguaçu
(Sesni), criada durante a ditadura empresarial-militar com subvenções públicas.
Para sua criação até a biblioteca do Fórum de Nova Iguaçu foi cedida, por meio
de um convênio, ao empreendedor Fábio Raunheitti. Sua criação ampliou o
prestígio e poder político do clã, que já contava com um representante no
Congresso Nacional, o deputado federal Darcílio Ayres.
Com o falecimento do
deputado, irmão do fundador da Unig, este o sucedeu até que foi cassado em
decorrência da CPI dos Anões do Orçamento em 1994. Mas outros familiares usando
sobrenomes distintos assumiram o espólio político e alguns também tiveram
problemas com a justiça criminal.
A aporofobia também se
registrou nos anos 1970, década na qual se originou a Unig. Por razões não
políticas um outro membro da família protagonizou um dos maiores casos de
injustiça do Brasil contra uma pessoa pobre. Foi o Caso Nora Ney. A empregada
doméstica da família foi acusada indevidamente de crime de homicídio da
‘patroa’, quando na verdade se tratou de feminicídio. Foi libertada da prisão
injusta graças à redemocratização do país.
A ditadura fez mais que cercear as liberdades públicas. Também encarcerou pobres para encobrir crimes de ricos. Em nossa história, verbas públicas sempre foram direcionadas para instituições particulares a pretexto de colaboração com o poder público. Na Primeira República, o compromisso entre chefetes locais e poder central, envolvendo verbas públicas, se chamou coronelismo.
A Revolução de 30 rompeu com
este pacto antirrepublicano e as verbas que antes iam para ‘colaboradores
educacionais’ foram empregadas diretamente pelo Estado. Na Baixada Fluminense
foram construídos o Instituto de Educação e a Universidade Federal Rural.
O compromisso espúrio entre
poder central e poder local cessou com Getúlio Vargas, mas foi retomado
posteriormente. Na Assembleia Nacional Constituinte de 1986 o deputado Roberto
Cardoso Alves, fundador do Centrão, disse ao então presidente José Sarney que
“é dando que se recebe”. Tentando romper com o toma-lá-dá-cá, a presidenta
Dilma não conseguiu 172 votos a seu favor dentre os 513 deputados federais que
autorizaram seu processo de impeachment.
A desorganização dos serviços
públicos sempre favoreceu a ampliação dos poderes locais. Na Primeira
República, com verbas federais e prestação de favores, os coronéis mantiveram o
prestígio local, mas debelaram a cidadania. Os cargos públicos somente eram
acessados pelos apaniguados, sem estabilidade, e os serviços públicos,
inclusive o acesso à Justiça, eram prestados como se fossem um favor. O direito
à Saúde era prestado como caridade a quem merecia, segundo critérios obscuros.
A Revolução de 30 instituiu
concurso para os cargos públicos, profissionalizou os servidores, deixou de
remeter verbas para entidades “beneficentes” antes tratadas como colaboradoras
com o poder público, prestou diretamente pelo Estado os serviços públicos,
instituiu o serviço de Saúde para os trabalhadores formais, o que foi ampliado
para todos em 1988 com a criação do SUS, instituiu o voto secreto e o
presidente Vargas passou a se comunicar diretamente com os cidadãos dos rincões
distantes graças ao advento do rádio.
A CPI dos Anões do Orçamento
somente pode detectar o desvio de verbas para subvencionar instituições
privadas, porque o orçamento não era secreto, que se caracteriza por envio de
verba, sem destinação específica, para as bases locais visando a gasto no que
aprouver ao recebedor. Já foram consumidos bilhões de reais.
No presente momento, mesmo
com a possibilidade de comunicação direta com a sociedade, com formação de
redes sociais, por meio das novas mídias, não se tem buscado fortalecer a
cidadania. Ao contrário, tramita no Congresso Nacional a PEC 32 que destruirá o
serviço público, o entregará aos padrinhos políticos, empresas terceirizadas
farão o recrutamento de pessoas, precarizará o que precisa de investimento,
formação e profissionalização, bem como enriquecerá aqueles que a pretexto de
colaborar com o poder público se apropriarão das subvenções estatais. E tudo
sem possibilidade de controle, por causa do orçamento secreto.
Se sabemos que a Unig surgiu
a partir de subvenções estatais e seu instituir foi cassado em decorrência da
CPI dos Anões do Orçamento foi porque este não era secreto. Se Nora Ney foi
libertada, foi graças aos novos ares que sopraram em favor da liberdade que a
ditadura empresarial-militar tentou sufocar.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 22/10/2022, pag. 14. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2022/10/6509215-joao-batista-damasceno-alunos-de-medicina-motoboys-e-orcamento-secreto.html
Conheci bem a Unig .Trabalhei durante a ditadura empresarial militar sou testemunha de quanto dinheiro público financiou as criações de instituições privadas de ensino superior e a posterior transformação em “universidade”.Com dinheiro público , o projeto em curso de bolsonariista. Convoco aos jornalistas que levantem o passado do Fábio Raunhetti e verão como esteve envolvido em escândalos de dinheiro público em 90 em desvios de dinheiro do I N SS , quando aquela advogada foi presa e morreu recentemente .Levantem estás histórias !! Sem qualquer fiscalização, faço ideia da formação de “ medicos” na UNIG” !!
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