Eu conheci Tenório Cavalcanti em
1982. Eu tinha 19 anos. Ele morava no Parque São José em Duque de Caxias,
embora em tempos pretéritos tivesse construído na cidade uma casa projetada
pelo arquiteto Sérgio Bernardes, ainda existente e chamada ‘Fortaleza’.
Tenório Cavalcanti fazia campanha
para o candidato Moreira Franco do PDS (ex-ARENA), partido que apoiava a
ditadura empresarial-militar.
Quando se aproximou de nós, um
grupo de garotos, educadamente nos cumprimentou e logo perguntou em quem
votaríamos naquela eleição. Um colega disse que votaria em Darcy Ribeiro. Ele
retrucou que Darcy não era candidato. Mas meu colega insistiu: - É sim. É o
candidato a vice do Brizola. Tenório fez cara de desgosto. Um outro colega que
não tirava a mesma calça jeans e a camiseta branca (quase amarela de tão
encardida), óculos de aro, barba rala e cabelo encaracolado e empoeirado disse
que votaria em Lysâneas Maciel. Tenório fez um movimento com a sobrancelha e
indagou; - Quem é? Claro que sabia quem era, mas quis retirar a importância do
candidato. Enfim se virou para nós, que éramos a maioria que lotava uma Kombi.
Respondemos que votaríamos em Miro Teixeira, candidato apoiado pelos partidos
comunistas. Ele antevendo nossos posicionamentos ideológicos retrucou: - Não
sei como os comunistas apoiam o candidato do Chagas Freitas!
Ele explicou as razões pelas quais
apoiava Moreira Franco. Minha língua coçou para dizer a ele que não entendia
como ele apoiava o genro do arqui-inimigo Amaral Peixoto, candidato do partido
do regime que lhe cassara os direitos políticos. Na toca da onça prevaleceu o
bom senso que me faltou muitas vezes e daquela vez fiquei calado.
Tenório Cavalcanti tinha 76 anos
naquela oportunidade. Estava muito envelhecido, mas intelectualmente muito
vivo. Perguntou se estudávamos e eu disse que faria vestibular para Direito.
Ele abriu o semblante aprovando. Disse que é o melhor curso.
Eu sabia alguma das razões pelas
quais ele apoiava o candidato da ditadura e da rivalidade com Chagas Freitas,
dono dos jornais O DIA e A NOTÍCIA. Tenório também era dono de jornal, A LUTA
DEMOCRÁTICA. E o então general-presidente Figueiredo o havia visitado em Duque
de Caxias e nomeado seu genro Hydekel de Freitas prefeito da cidade. Os
prefeitos das capitais, estâncias hidrominerais e áreas de segurança eram
nomeados e não eleitos.
A visita do Presidente da República
a um chefe político foi considerada uma revisitação do coronelismo, que vigeu
durante a Primeira República. Outras ações semelhantes reacenderam o tema e em
1980 o autor do livro ‘Coronelismo, Enxada e Voto’, ex-ministro do STF Victor
Nunes Leal, cassado após a edição do AI-5, escrevera um artigo lido na abertura
dos cursos de doutorado do IUPERJ em 1980 intitulado ‘O Coronelismo e o Coronelismo
de cada um’. O artigo foi publicado na Revista Dados daquele instituto no
volume 23, páginas 11 a 14.
Para o ex-ministro Victor Nunes
Leal o pacto que se estabelecia entre o presidente da República e os poderes
locais visando às eleições de 1982, depois do adiamento das eleições de 1980, não
se confundia com o fenômeno chamado Coronelismo, pacto de compromisso entre os
poderes central e locais vigente somente na Primeira República.
Tenório Cavalcanti fez história na
Baixada Fluminense. Chegou ao Rio de Janeiro aos 20 anos, em 1926, e logo
ganhou fama de bom pistoleiro e se agregou a um político iguaçuano, originário
de Itaguaí, chamado Getúlio Moura. Quando Duque de Caxias se emancipou em 1943
o território virou ‘Terra de Tenório’. Getúlio Moura foi o chefe de gabinete do
Presidente da República Ranieri Mazzilli, depois do golpe empresarial-militar
de 1964, no período de 02 a 15 de abril.
Em 1947 Tenório Cavalcanti fora
eleito deputado estadual pela UDN com 2/3 dos votos de Duque de Caxias. Em
várias ocasiões esteve envolvido em denúncias de assassinatos. Na década de 30,
pelo assassinato num trem, do Delegado Joaquim Façanha (Peçanha) chegou a ser preso,
mas solto refugou-se em Alagoas e somente voltou a Duque de Caxias quando já
não mais corria o risco de prisão.
Em 1979 assumiu, por meio do jornal
A Luta Democrática, a defesa de Mariel Mariscot, um dos ‘Homens de Ouro da
Polícia’, assassinado em 1981 num tempo em que policiais e ex-policiais, bem
como membros das Forças Armadas, descobriram que poderiam lucrar muito mais em
negócios ilícitos.
Em 1953 fora acusado da morte do
Delegado Albino Martins de Souza Imparato, o que lhe rendeu a ameaça de prisão
em sua ‘Fortaleza’, tendo o apoio da cúpula da UDN. Apesar da prisão decretada
em várias comarcas permaneceu livre. Desde que entrara para vida
político-partidária, as aspirações e os planos políticos de Tenório Cavalcanti chocavam-se
violentamente com os de Amaral Peixoto, genro do Presidente Getúlio Vargas e
sogro de ex-governador Moreira Franco. Convocado para atuar em Duque de Caxias,
por interveniência do Presidente Getúlio Vargas, logo o delegado paulista
Albino Imparato se tornaria desafeto de Tenório Cavalcanti. Com a chegada de
Albino Imparato, O Homem da Capa Preta e seus aliados foram perseguidos de
forma implacável. Albino e sua família foram alvo de ameaças por parte de Tenório
Cavalcanti. O delegado reagiu, a casa de Tenório Cavalcanti foi metralhada,
seus familiares ameaçados e alguns de seus capangas assassinados.
No dia 28 de agosto de 1953, o delegado Imparato
foi metralhado em frente a sua residência, no Centro de Duque de Caxias, na
presença de sua mãe. O crime despertou a atenção nacional. As investigações
comprovaram a participação direta de Tenório Cavalcanti no crime. Um mandado de
busca e apreensão foi expedido. As duas residências dO Homem da Capa Preta – a Fortaleza
de Duque de Caxias e o apartamento de Copacabana – foram cercadas por
policiais fortemente armados.
Tenório Cavalcanti não reagiu violentamente à
chegada da polícia. Apesar do despotismo e truculência com que atuava não
disparou um tiro. Ao contrário, negociou para que apenas um homem entrasse visando
à revista, na Fortaleza, determinada pela ordem judicial. Quando um único
delegado entrou, Tenório Cavalcanti o tomou como refém. A partir daí ameaçava
matar o policial se tentassem entrar em sua casa. Políticos de peso do cenário
nacional, dentre os quais a direção da UDN, rumaram para Duque de Caxias a fim
de proteger a vida do delegado e do deputado pistoleiro. Com a intervenção
deles, o cerco foi desfeito e a casa não foi revistada. Intervieram Nereu Ramos,
presidente da Câmara, Osvaldo Aranha, ex-ministro da Fazenda e primeiro
presidente da ONU e Afonso Arinos, então deputado e futuro senador.
A aliança de Afonso Arinos com Tenório Cavalcanti
se manteve ao longo dos anos. Em 1986 Afonso Arinos foi eleito Senador
Constituinte. Seu primeiro suplente era Hydekel de Freitas. Tenório faleceu no
ano seguinte, em 1987. Afonso Arinos faleceu em 1990. Hydekel de Freitas, foi
senador por quatro anos, de 1990 a 1994 e morreu no ano passado, em 11/06/2021.
A história do Brasil é uma história com violência.
Mas a sociedade brasileira mudou muito. Embora assegure a legítima defesa,
porque ninguém tem o dever de morrer sem opor resistência, não mais legitima a
força como meio para exercício do poder político. Autoridade tem quem convence
e não quem vence pelo uso da força.
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