Proclamada a
República por um golpe do Exército Brasileiro, os militares se arvoraram
tutores das instituições. Em 1964 a intervenção militar não resultou em entrega
do poder a um dos grupos em conflito. Ao contrário, instalaram a ditadura
empresarial-militar que durou 21 anos, quando houve supressão das liberdades
públicas, sequestros, roubos, estupros, desaparecimentos e torturas até de
crianças para compelir seus pais a confissões ou aos pais na presença dos
filhos. O AI-5 suprimiu o direito ao habeas corpus e o AI-17 punia os militares
que não se alinhassem com aquele período de trevas e horror.
Diversamente
do que ocorreu em países vizinhos, o Estado Brasileiro se anistiou dos seus
crimes e os algozes da democracia se sentiram fortalecidos e crédulos de que
podem novamente atentar contra a vontade popular, aferida pela Justiça
Eleitoral. A transição para a democracia restou inacabada. Mesmos os crimes
cometidos pela linha dura, após a Lei da Anistia de 1979, ficaram impunes. A
autoria das bombas na ABI, na OAB e na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro
jamais foram apuradas.
E, a bomba
que explodiu no colo dos terroristas do Exército no Riocentro, em 30 de abril
de 1981, não resultou em qualquer consequência para o capitão Machado que
sobreviveu. O Exército o protegeu e o promoveu até o posto de coronel, no qual
se reformou.
O que hoje
emerge dos porões é resultado da inacabada transição para a democracia, que não
desarticulou o aparato repressivo do Estado, nem responsabilizou quem deveria.
Para contestar o resultado proclamado pela Justiça Eleitoral, sob a direção
firme do ministro Alexandre de Moraes, promovem-se cerceamento do direito de
circulação nas rodovias nacionais, além de outros atos definidos como crimes
contra o Estado Democrático de Direito. Mas em pontos de bloqueio foram
montadas barracas com comida, água e café. O movimento antidemocrático tem
direção, organização e financiamento.
A frase
“intervenção federal já” aparece em lugares distintos com o mesmo padrão
gráfico. O bloqueio é feito pelo mesmo pessoal que se articulou desde o governo
Temer e que criou as condições para a vitória eleitoral em 2018. A maioria dos
caminhoneiros não se declara manifestante, mas impedida de trafegar. O golpe
foi no passado. O que assistimos é o suspiro final de um projeto genocida,
vencido pelas forças vivas da sociedade.
Já tivemos
meia centena de anistias a militares que atentaram contra as instituições
durante a República. Se quisermos que a democracia sobreviva e se fortaleça não
poderemos ter mais uma anistia. Na Bolívia e EUA, os grupos que atentaram
contra as instituições, com os métodos de Steve Bannon, estão presos. Pessoas
autônomas agem livremente e arcam com as consequências de suas condutas. É a
ética da responsabilidade.
Os que
atentam contra a democracia no presente momento são os mesmos que atentaram no
passado recente. É crime continuado. Não podemos anistiar e devemos apurar
todas as ocorrências, notadamente a partir do início do ano de 2018. Naquele ano,
alguns militares chegaram a propor que não houvesse eleição e que o mandato de
Temer fosse prorrogado.
Ocorrida a
intervenção federal na área de Segurança do Rio de Janeiro, com nomeação de um
general-interventor para a função do governador e outro general para o cargo de
secretário de Segurança, foi explicitado que o ato poderia se estender aos
demais Estados. Menos de um mês após a intervenção no Rio de Janeiro, a
vereadora Marielle Franco (PSOL) foi executada.
No Caso Riocentro
os militares do Exército e da Polícia Militar do Rio de Janeiro deixaram as
digitais no detonador da bomba. A execução de Marielle foi encomendada ao
‘Escritório do Crime’. É importante condenar os executores. Igualmente é
necessário apurar quem mandou matá-la. Talvez cheguemos a motivações políticas
daqueles que pretendiam induzir reação popular e terem pretexto para adiamento
das eleições de 2018.
A versão de
que poderia ser um recado para o deputado que presidira a CPI das milícias é
cômoda, quando se sabe que pessoas mais próximas dele poderiam ser mais
facilmente atingidas, se as milícias lhe quisessem mandar algum recado.
A facilidade
com que operários em Angra dos Reis e as torcidas organizadas corintiana,
‘Gaviões da Fiel’, e atleticana (MG), ‘Galoucura’, desfizeram pontos de
bloqueio demonstra que não eram os caminhoneiros parados os autores dos crimes
contra a ordem democrática, mas poucos incapazes de qualquer reação. Tais
crimes somente se perpetram com o apoio dos órgãos de Segurança pública.
O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, assegura que os atos
antidemocráticos serão apurados e punidos. Merece todo o apoio da sociedade. As
responsabilidades precisam ser apuradas e não podemos ter mais uma anistia se
quisermos o fortalecimento da democracia e das suas instituições republicanas.
Publicado originariamente no jornal O
DIA, em 05/11/2022, pag. 14. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2022/11/6517427-joao-batista-damasceno-anistias-tiros-na-democracia.html
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