A Academia Brasileira de Letras (ABL) é uma instituição
incompreendida. Há os que a louvam exageradamente e até os que questionam a
necessidade de sua existência. Em se tratando de uma instituição privada não se
pode negar-lhe o direito de existir e de recrutar seus membros pelo critério
que lhe convier. O mais frequente questionamento é sobre a derrota de Mário
Quintana. Mas o poeta somente disputou uma vez e saiu dizendo: “Todos esses que
aí estão atravancando meu caminho, eles passarão... Eu passarinho!”. E
passarinhando foi-se!
Carlos Drummond de Andrade jamais postulou. Mesmo convidado e
dispensado das visitas protocolares não aceitou. Monteiro Lobato candidatou-se
quando jovem e não foi eleito. Mais tarde convidaram-no. Mas condicionou o
aceite ao assento na cadeira n.º 37, ocupada por Getúlio Vargas. Para tanto, o
presidente precisaria contribuir com a própria morte. Aconteceu o contrário.
Monteiro Lobato morreu antes que Getúlio Vargas suicidasse num gesto heroico,
prorrogando o golpe empresarial-militar por uma década.
Como em toda paróquia não faltam as fofocas. O imortal
Humberto de Campos dedicou-se a ‘falar mal’ nos seus diários, a serem
publicados vinte anos após sua morte. Mas cedo faleceu e quando publicado todos
de quem havia falado ainda estavam vivos. Quando da morte do imortal Agripino
Grieco, que também falava de todo mundo, o imortal Ivan Lins, ao invés de
homenagear o morto, só faltou chutar o caixão. Processado foi defendido pelo
posterior imortal Evandro Lins e Silva. Quando Bernardo Élis derrotou o presidente
Juscelino Kubitscheck, o imortal Josué Montello difundiu fake News sobre o
motivo da derrota. Mas quem leu “O Tronco” ou seus contos, sabe do valor
literário do imortal goiano e sua importância para entender o regionalismo, o
Brasil profundo e o poder dos coronéis em Goiás.
A imortal Nélida Piñon dizia que a ABL, que presidiu, não era
uma academia de escritores. Mas da elite de cada área do conhecimento humano. A
palavra elite é mal apropriada no uso cotidiano. Elite são os melhores de cada
grupo. Não é sinônimo de classe dominante. Atletas brasileiros que nos trazem
as medalhas das Olimpíadas são a elite de cada modalidade desportiva. Este é
conceito de elite, sem consideração a classe social ou patrimônio material.
A ABL sempre foi pluralista. Dentre seus fundadores estava
Coelho Neto, filho de um português com uma indígena, e um negro, o
abolicionista José do Patrocínio, filho de um padre com uma adolescente
escravizada originária de Gana. Os imortais Humberto de Campos e Carlos Heitor
Cony e o literato Antonio Carlos Villaça dizem que teve até um filho do
fundador e primeiro presidente, Machado de Assis. Em se tratando de uma
miniatura do Brasil é crível a existência de nepotismo, mas a estória precisa
ser confirmada.
De tudo já tivemos na ABL: gênero, raça, etnia, convicções
políticas, estilos literários, médicos, magistrados, militares, compositores,
cantores, artistas, presidentes da República etc. Mas nunca tivemos um
capixaba. E não por falta de talento no Espírito Santo, pois o cronista Rubem
Braga era de Cachoeiro do Itapemirim. A esperança é o cantor Roberto Carlos.
Não sei se tem livro publicado. Mas isto não é problema. Não será o primeiro a
colocar capa dura numas folhas impressas e chamar de livro. E para dar volume
pode fazer como o imortal Lauro Müller, imprimindo em papel encorpado. Até
ajudo a escrever. Para publicar, pediremos ao Zé Mário da Topbooks, que
publicou o livro “Antônio Torres, uma Antologia”, com organização e estudo
introdutório de Raul de Sá Barbosa. Ah! O Antônio Torres publicado pelo Zé
Mário e que desancava com a ABL era o mineiro que nasceu no século XIX e não o
baiano que atualmente tem assento na cadeira n.º 8.
Sou mineiro e não posso reclamar. Minas Gerais jamais deixou
de ter assento na ABL. Hoje temos Ailton Krenak, Edmar Bacha, Eduardo
Giannetti, Geraldo Carneiro, Ruy Castro e Zuenir Ventura. Nem vou falar dos
falecidos imortais, dentre os quais Guimarães Rosa. Este somente não é
unanimidade entre nós por causa da dissidência do Nelson Rodrigues, que de sua
obra falava mal e ainda atribuía a terceiros o que escrevia.
A ABL, desde sua fundação em 1897, já atribuiu a imortalidade
a duzentas e setenta pessoas, incluindo os quarenta atuais acadêmicos. Não há
vaga. Algumas cadeiras têm maior rodízio. As cadeiras n.º 09 e 13 já foram
assentadas por nove imortais. As cadeiras n.º 7 e 11 por dez. Pela cadeira n.º
4 apenas quatro assentaram. Mas o menor rodízio não significa garantia de
longevidade. A cadeira n.º 6, já assentada por seis acadêmicos, atualmente pelo
imortal Cícero Sandroni, foi ocupada pelo imortal Barbosa Lima Sobrinho por 63
anos, o mais longo mandato já registrado.
A ABL contribui para a difusão da língua portuguesa na sua
forma escrita. Roberto Carlos também o faz. Muitos leem suas letras visando a
decorar para cantar. Mais que a ABL e Roberto Carlos somente faz mais pela
língua escrita o Livreiro Olivar, o Vavá, que vende livros a R$ 2,00 na entrada
do Metrô da Carioca durante a semana e na Praça XV aos sábados. Roberto Carlos
na ABL, já! Ou melhor, daqui a algum tempo quando surgir vaga! Além da moqueca
e das praias de Guarapari queremos um capixaba como imortal.
Fonte: publicado originariamente no jornal O DIA, em
10/08/2024, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2024/08/6896644-joao-batista-damasceno-roberto-carlos-na-academia-brasileira-de-letras.html
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